Península Ibérica. Península Ibérica.

Como mouros e cristãos influenciaram a criação da música Ibérica

UM POUCO DE GEOGRAFIA E DE HISTÓRIA

Região situada no sudoeste da Europa, a Península Ibérica é ocupada, em sua maior parte, pela Espanha e por Portugal, além de Andorra e pequenas frações do território francês e de Gibraltar. Com uma área superior a 580 mil quilômetros quadrados, está circundada pelas águas do Oceano Atlântico e do Mar Mediterrâneo. A ligação da península com o continente europeu é constituída pela cordilheira dos Pireneus, e ela está separada da África por uma distância de apenas 14 quilômetros.

Mapa da Península Ibérica. Crédito: Wikimedia Commons.

Com essa importante localização geográfica, a Península Ibérica foi ocupada, ao longo de sua história, por diferentes povos que se estabeleceram na região. Estima-se que os primeiros habitantes foram os iberos, ainda na Antiguidade, e, posteriormente, os romanos, que tomaram conta do local de 218 a.C até o século V, quando os visigodos – povos germânicos originários do leste europeu –  começaram a invasão. Os novos residentes, porém, nunca chegaram a exercer pleno controle do local tomado pelos romanos, tendo sido, inclusive, convertidos em boa parte ao cristianismo.

A mais importante conquista na região aconteceu em 711 com a chegada dos mouros, povo africano que vivia onde ficam hoje o Marrocos e a parte ocidental da Argélia. Por lá, eles avançaram conquistando territórios por mais de oito séculos. Aos poucos, os árabes, designação que engloba as populações berberes, sírias, egípcias e ainda outras, foram substituindo os senhores visigodos. Os cristãos só conseguiram recuperar a maior parte da península por volta de 1250.

 

A INFLUÊNCIA DAS DIFERENTES CULTURAS

Apesar de terem praticamente dominado a região por um vasto período, os árabes toleravam as diferentes práticas religiosas das demais populações da região. Por muito tempo, cristãos e muçulmanos conviveram deixando um legado ímpar, que influenciou, principalmente, a arquitetura, o comércio e a engenharia.

As diferentes culturas que passaram pela península deixaram uma forte herança cultural. Os mouros, por exemplo, impactaram diretamente na criação de atmosferas sonoras características de Portugal e Espanha. O violão, que surgiu a partir de antigos instrumentos de cordas árabes, como o alaúde, influenciou estilos musicais como o flamenco e o fado. Na Espanha, cada região tem uma personalidade musical própria, mas há traços comuns entre todas elas, unidas principalmente através de características rítmicas do violão e melódicas dos melismas árabes.

lustração de Christoph Weiditz (1529) retratando descendentes de mouros e seus instrumentos musicais.

Mais tarde, os invasores dos futuros impérios mundiais estabelecidos pelos navegadores espanhóis e portugueses também contribuíram com o desenvolvimento cultural da região. Entre os séculos 15 e 16, a descoberta de novas rotas marítimas aumentou ainda mais o fluxo de diferentes povos, dando um grande impulso na expansão europeia. Portugal e Espanha foram pioneiros na abertura de intercâmbios com o resto do mundo e construíram vastos impérios coloniais, abrangendo áreas principalmente da África e do Oriente, mas também da América.

 

COMPOSITORES IMPORTANTES PARA A FORMAÇÃO MUSICAL DA REGIÃO

Com o passar do tempo, importantes compositores passaram a contribuir, cada um à sua forma, para o que conhecemos hoje como a música de Portugal e Espanha. Durante o período barroco, o cravo era o instrumento básico, cultivado principalmente nas cortes e nos espaços religiosos. A partir das criações dessa época, destacadas por músicos como Mateo Albéniz e Padre Antônio Soler, começou a surgir um desenho do que hoje conhecemos como sonata clássica.

Mais tarde, nomes como os dos catalães Enrique Granados e Isaac Albéniz, seguidos por Manuel de Falla, foram responsáveis pelo desenvolvimento da escola nacionalista espanhola e pela fusão da música popular da Espanha com a música clássica. Com seus trabalhos, inspirados principalmente na atmosfera da Andaluzia, criaram uma sonoridade única reconhecida até os tempos atuais.

 

Saiba mais sobre sete compositores importantes para a música ibérica:

Mateo Albéniz (1755-1831) – Nascido da cidade de Logroño, que faz parte da região de La Rioja, na Espanha, foi mestre de capela e organista na região, dedicando sua produção especialmente à música litúrgica. Suas missas, vésperas e canções natalinas ficaram muito conhecidas, principalmente no norte do país. Entre suas obras mais famosas está a Sonata em Re, criada originalmente para o cravo, mas que recebe, até hoje, diferentes versões em diversos outros instrumentos. Em 1802, publicou Instrucción metódica, especulativa y práctica para enseñar a cantar y tañer la música moderna y antigua, um importante tratado para o ensino da linguagem musical do começo do século 19 para futuros instrumentistas, cantores e mestres de capela.

Padre Antônio Soler (1729-1783) – Natural de Olot, cidade espanhola situada na província de Girona, ao norte da Catalunha, ele dividia seus dias entre orações, o cultivo da terra e a criação de novas composições. Apesar de ter vivido apenas por apenas 54 anos, seu legado inclui uma vasta obra musical, com mais de 500 peças, dentre elas 120 sonatas para teclado, marcadas pelo ritmo espanhol, além de concertos, missas, salmos, motetos e quintetos para órgão e cordas. Foi um dos tecladistas mais notáveis de sua época e ensinou a prática do cravo e do órgão a membros da família real. Sua produção também inclui o livro teórico Llave de la modulación, um tratado sobre modulação, publicado em 1762.

João Domingos Bomtempo (1775-1842) – Filho de um oboísta italiano e de uma portuguesa, desenvolveu suas habilidades musicais desde cedo com o pai firmando-se, ainda jovem, como pianista virtuoso e compositor em grandes capitais europeias como Paris e Londres. Em 1820, regressou a Lisboa, sua cidade natal, onde passou a celebrar diversos atos litúrgicos da Corte e implementou a Sociedade Filarmônica de Concertos para desenvolver em seu país o gosto pela música instrumental que havia percebido no restante da Europa. Também foi reconhecido pelo seu trabalho como professor de música, tendo entre seus alunos a rainha de Portugal Dona Maria II.

Pintura: João Domingos Bomtempo, assinada por Henrique José da Silva em 1814, feita em óleo sobre tela. Direitos: Museu Nacional da Música.

Enrique Granados (1867-1916) – Considerado o "poeta do piano" por conta de suas criações repletas de elegância e poesia para o instrumento, ele teve seu talento musical revelado ainda criança, quando estudava em sua cidade natal, Lérida, na Catalunha, antes de se aprofundar nas lições musicais que aprendeu em Barcelona e em Paris. Em 1892, passou a ser reconhecido pelas suas composições, com a apresentação das 10 Danças Espanholas e de sua primeira ópera, María del Carmen. Sua obra mais famosa, a suíte com seis peças para piano Goyescas, composta a partir das pinturas do artista espanhol Francisco de Goya, foi concluída em 1911, e fez tamanho sucesso que levou o compositor a ser convidado para um recital na Casa Branca, para o presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson. A viagem à América acabou resultando, porém, em sua morte prematura. Na época, vivia-se a Primeira Guerra Mundial, e o barco que levava Granados foi bombardeado por um submarino alemão, o que resultou no falecimento do compositor aos 48 anos.

Isaac Albéniz (1860-1909) – Apesar de ter o mesmo sobrenome de seu conterrâneo Mateo, Isaac não tem parentesco com o grande compositor e atingiu uma fama muito maior durante o século 19, por suas habilidades de composição e ao piano. Nascido em Comprodón, na Catalunha, é contemporâneo de Granado e conquistou a imortalidade musical por meio de ciclos para piano, além de também ter sido um dos nomes mais importantes da escola nacionalista espanhola de música, atuando como líder do movimento. Sua obra mais famosa é Iberia, um conjunto de 12 peças para piano que evocam vivamente a Espanha, em especial a Andaluzia.

Manuel de Falla (1876-1946) – O compositor e pianista, nascido em Cádiz, na Espanha, aprendeu a tocar com sua mãe e seguiu seus estudos mais tarde em Madri. Teve boa parte de seu caminho inspirado pelo seu antecessor Isaac Albéniz, tornando-se um dos principais nomes do momento nacionalista espanhol do início do século 20 com obras que também relembram a atmosfera da Andaluzia. Sua principal obra é a ópera La Vida Breve. A peça, escrita em 1905 e estreada em 1913, na França, fundiu o romantismo ibérico com a música moderna. Também escreveu, em 1909, Noites nos Jardins da Espanha, uma partitura mais impressionista que remete ao passado hispano-árabe de sua região natal.

Federico Mompou (1893-1897) – O músico catalão teve uma produção diferenciada dos demais compositores espanhóis do século 20. Nascido em Barcelona, ele começou a estudar em sua cidade até partir para Paris, com uma carta de recomendação de Granados. Foi lá que começou a criar o seu próprio estilo, com produções líricas para piano caracterizadas por um impressionismo elegante, com melodias simples e diretas, sempre buscando pela clareza e a naturalidade. Entre suas principais composições está Musica Callada, uma série de 28 prelúdios para piano, composta entre 1959 e 1967, descrita por ele como "silenciosa, porque nós a ouvimos internamente".

 

DICAS DO LING

Quer saber mais detalhes sobre a influência do povo árabe na música espanhola? Neste trecho do documentário Al-Andaluz, O Legado, do Canal História, entendemos a importância de instrumentos como o alaúde, o qanun, o rebab e o santur para a construção de diferentes sonoridades.

Um dos mais conhecidos estilos musicais portugueses, o fado une uma grande voz com a instrumentação da guitarra. Amália Rodrigues foi uma das grandes fadistas portuguesas do século 20. Conheça uma de suas interpretações, com o fado Nem às Paredes Confesso.

O Museu de la Musica, em Barcelona, reúne registros de importantes artistas que fizeram parte da construção da sonoridade ibérica, além de instrumentos de diferentes regiões do mundo. Entre as exposições já realizadas pelo centro cultural há uma com trabalhos e objetos pessoais do compositor catalão Federico Monpou. Uma parte da mostra pode ser conferida em vídeo.

 

REFERÊNCIAS

ATLAS FGV. Expansão européia e grandes navegações. Disponível em: https://atlas.fgv.br/marcos/expansao-europeia-e-grandes-navegacoes/mapas/peninsula-iberica-na-europa-medieval

AVA EDITIONS. João Domingos Bontempo. Disponível em: https://www.editions-ava.com/pt/jo%C3%A3o-domingos-bontempo-1771-1842

CASA DA MÚSICA. João Domingos Bontempo. Disponível em: https://www.casadamusica.com/pt/artistas-e-obras/compositores/b/bomtempo-joao-domingos/#tab=0

EL ARGONAUTA. Instrucción metódica, especulativa y práctica para enseñar a cantar y tañer la música moderna y antigua. Disponível em :https://www.elargonauta.com/libros/instruccion-metodica-especulativa-y-practica-para-ensenar-a-cantar-y-taner-la-musica-moderna-y-antigua/978-84-942282-1-6/

FUNDACIÓ FREDERIC MOMPOU. Biography of Frederic Mompou. Disnponível em: https://fundaciomompou.cat/en/biography-of-frederic-mompou/

HISPANA MUSICA. Mateo Albeniz. Disponível em: https://hispanamusica.wordpress.com/mateo-albeniz/

MARTINS, Mariana. Granados, Henrique. Disponível em: https://knoow.net/arteseletras/musica/granados-enrique/

NAVARRO, Roberto. Como foi a ocupação moura da península ibérica? Superinteressante. Disponível em: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/como-foi-a-ocupacao-moura-da-peninsula-iberica/

RÁDIO CULTURA FM. Enrique Granados, poeta do piano. Disponível em: http://culturafm.cmais.com.br/enrique-granados-poeta-do-piano

RÁDIO CULTURA FM. Magia e mistério no piano de Federico Monpou. Disponível em: http://culturafm.cmais.com.br/cd-da-semana/magia-e-misterio-no-piano-de-federico-mompou

RÁDIOS EBC. Concerto MEC apresenta obras de Manuel de Falla. Disponível em: https://radios.ebc.com.br/concerto-mec/2020/11/concerto-mec-apresenta-obras-de-manuel-de-falla

RÁDIOS EBC. Harmonia homenageia o Padre Antonio Soler. Disponível em: https://radios.ebc.com.br/harmonia/2021/12/harmonia-homenageia-o-padre-antonio-sole