Foto: Renan Oliveira Foto: Renan Oliveira

Conheça Jonathan Ferr, o precursor do Urban Jazz

Como tudo começou

Nascido em um ambiente familiar simples e caloroso, com pai e mãe que sempre apreciaram música, Jonathan Ferreira foi o único dos cinco filhos a seguir uma carreira na área. Enquanto seus quatro irmãos se especializaram em outras profissões, ele soube, desde cedo, que o caminho a seguir envolvia aquilo que mais o tocava internamente: a música.

Uma de suas lembranças favoritas é a de assistir ao programa Pianíssimo, da Rede Vida, nos anos 1990, com os pais. A atração, inteiramente dedicada ao piano, trazia o apresentador e solista Pedrinho Mattar apresentando o repertório de grandes nomes ligados ao instrumento, como Duke Ellington, Frank Sinatra e Tom Jobim. “Meus irmãos adormeciam, mas eu sempre ficava acordado até muito tarde, e aproveitava para ficar recebendo carinho do meu pai e da minha mãe. Era um espaço de nutrição de afeto com eles, enquanto eu assistia a uma coisa que me nutria também de outra forma, um pianista tocando jazz.”, lembra Ferr, em entrevista exclusiva para o Instituto Ling.

O jovem artista, criado no subúrbio de Madureira, no Rio de Janeiro, cresceu rodeado por vinis. “Gostava de pegar os discos e ficar ouvindo atento aos detalhes, como a bateria, o baixo, a guitarra e os sopros, instrumentos que na época nem sabia o nome. Eu tinha uma relação diferente com a música. Eu não era como os meus irmãos e os meus pais, que só a apreciavam. O meu interesse era diferente. Eu queria fazer parte daquilo”.

Foto: Jonathan Ferr. Crédito: Renan Oliveira.

Seus primeiros instrumentos foram as panelas de sua mãe. Nos objetos de cozinha dela, o futuro artista, ainda sem saber, já simulava, aos oito anos de idade, como seria tocar bateria. Pouco tempo depois, seu pai comprou despretensiosamente um teclado para os filhos brincarem, o que acabou, naturalmente, despertando o interesse de Jonathan. “Quando o teclado chegou em casa, fiquei apaixonado e comecei a tocar de forma cada vez mais intuitiva, entendendo o instrumento, até que convenci os meus pais a me colocarem em uma aula de piano. Foi aí que a mágica começou.

Aos 13 anos, ingressou na Escola de Música Villa-Lobos, lugar que o formou não só em teoria, mas também em prática musical, o preparando para a vida e o mercado de sua futura carreira. Inicialmente, fez um curso básico de piano, até que ganhou uma bolsa de estudos para dar seguimento ao aprendizado. Adquiriu conhecimento em regência, arranjo, orquestração e partitura. Saiu de lá aos 22 anos e foi direto para a Unirio, a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, onde seguiu sua formação.

 

O dia que marcou o início da sua carreira

Foi quando ainda estudava na Villa-Lobos que Jonathan Ferreira entendeu exatamente o que queria e começou a traçar, definitivamente, os caminhos que o levariam a ser conhecido hoje como Jonathan Ferr, o nome por trás do urban jazz. “Lembro exatamente do dia em que falei ‘eu quero ser músico’. Lembro disso como se fosse ontem.”

Foi durante o show da banda gospel Oficina G3, em 2000, no estádio Maracanã. “Acho que foi o primeiro grande show que fui. Fiquei impressionado só de chegar lá naquele espaço gigante, que é símbolo do Rio de Janeiro. Lembro do guitarrista tocando um solo maravilhoso, e todo mundo gritando. Olhei como as pessoas estavam emocionadas, tocadas com a música, inclusive eu. Vendo aquele palco, pensei: ‘É isso que eu quero fazer da minha vida. Não tem nada que eu almeje tanto quanto isso aqui. Quero estar no palco, quero tocar, quero que as pessoas se emocionem assim também com a minha música’. Acho que fiz ali uma reza e joguei para o universo. Depois disso, eu fui atrás de tudo, e as coisas começaram a acontecer”.

 

As principais influências

O jazz chegou decisivamente na vida de Ferr nos seus 18 anos, quando um de seus professores apresentou o álbum A Love Supreme, de John Coltrane, durante a aula de apreciação musical. “Aquilo me tocou profundamente. Eu ainda não sabia, de fato, o que era jazz. E quando começaram a tocar os primeiros dez segundos, já com algo denso, complexo, cheio de informação, de camadas, aquilo me tocou profundamente. Fui surpreendido, porque eu não consegui compreender a profundidade daquela música”, recorda.

O disco acabou sendo reproduzido diversas outras vezes por Jonathan. E foi através de Coltrane, que ele passou a conhecer o trabalho de diversos outros artistas internacionais, como Miles Davis, Herbie Hancock e McCoy Tyner, além de profissionais e bandas brasileiras como Hermeto Pascoal, Arthur Maia, Black Rio, Cama de Gato e Azymuth.

Mas não é só a música que influencia o trabalho de Jonathan. O artista aceita todas as intervenções ao seu redor. “Me permito ser provocado por tudo, em todos os lugares, em rituais, nos processos de meditação e na própria filosofia que o budismo me trouxe. Agora, por exemplo, estou apaixonado também pelo Candomblé, que é algo novo que chegou para mim. Estou encantado pelas histórias dos orixás. Essa riqueza de culturas, de possibilidades, de fé e de existências me atrai e reverbera muito na minha música. Eu deixo que isso flua, porque acho que a música é a catalisação de tudo o que você precisa colocar para fora”.

Foto: Jonathan Ferr. Crédito: Renan Oliveira.

 

O que é o urban jazz

Antes de decidir seguir carreira solo, Jonathan trabalhou no mercado gospel e foi sideman de diversos músicos, em amplas áreas da cena musical brasileira. Mas entre os anos de 2014 e 2015 percebeu que, dessa forma, não conseguia expressar propriamente a sua arte. Com a ajuda da empresária Tânia Artur, que apostou tempo, dinheiro e energia nele, o artista passou a trilhar uma carreira autoral e a construir o que ele chama hoje de urban jazz.

“Sou um músico que vem de outro espaço. Aqui no Rio de Janeiro, o jazz e a música instrumental estão principalmente na parte nobre, em bairros como Leblon, Ipanema e Gávea. E eu morava em Madureira, no subúrbio do Rio, e sempre precisava atravessar a cidade para ver alguns shows e músicos. Sempre voltava para casa pensando o seguinte: Por que não tem esse tipo de som no lugar onde eu moro? Será que o público não está interessado ou será que as pessoas não estão interessadas em levar essa música para esses lugares?”

O jovem artista, que muitas vezes teve que sair durante os shows que adorava para não perder o último trem para casa, resolveu unir em sua música as pontas da cidade e todas as faces do seu Rio de Janeiro. Madureira, onde cresceu, é a casa de duas importantes escolas de samba do nosso país, a Portela e a Império Serrano. É também o lugar do Baile Charme, uma das mais antigas festas de música negra da zona norte carioca, que é patrimônio cultural do Rio. Todas essas referências aparecem em suas composições.

“Quando me assumo como jazzista, decido que vou contar minha história na minha música. E a minha história é a do Baile Chame que eu frequentava, do hip hop que eu ouvi muito e das duas escolas de samba do meu bairro. Tudo isso foi reverberando e fluindo de uma maneira muito orgânica no meu trabalho. É daí que sai o urban jazz. É a maneira de mostrar que eu faço jazz, mas o meu o jazz é outro. Meu jazz é urbano, ele sai da rua, mora em outros espaços e frequenta outros lugares”, detalha Ferr.

 

Música autoral

Em sua carreira solo, Ferr tem atualmente dois discos lançados. O primeiro é Trilogia de Amor, de 2019, que traz um trabalho acessível, sem abrir mão de suas referências clássicas com a junção de diferentes universos musicais, que ainda incluem o neo soul e a música eletrônica. O álbum já levantava algumas bandeiras propostas pelo artista, entre elas o afrofuturismo, representado no seu visual e sonoridade, além de alguns questionamentos que permeiam sua vida.

“No Trilogia do Amor, eu era o Jonathan que estava se descobrindo, buscando esse lugar do amor não romântico, questionando a monocultura dos afetos e o amor que fere. O disco é uma provocação. Que amor é esse que a gente está buscando, vivendo e ecoando? Quem são as nossas referências e como elas reverberam e nos modificam?”, aponta ele.

Cura, lançado no primeiro semestre de 2021, com nove faixas, mostra seu amadurecimento, em uma obra essencialmente pessoal do artista. Com músicas compostas durante a pandemia, o disco apresenta toda a singularidade de Ferr, revelando seu íntimo.

“Cura é um disco nu. É um disco em que eu me jogo. Eu estava muito sensível, na época, isolado em casa, longe da família e dos amigos. Então comecei a visitar alguns monstros internos. Se chorava, tocava. Se estava feliz, tocava. Dentro desse processo, as músicas fluíram. Inclusive, um pouco antes do disco sair, eu tive dúvidas se deveria lançá-lo mesmo. É um álbum tão pessoal, tão íntimo, tão eu, que fiquei pensando se deveria me expor ao mundo assim. No fim, fiquei muito feliz quando o disco saiu, porque recebi muitas mensagens bacanas e percebi que muita gente se identificou”.

Essa identificação reflete em outro importante pilar de Cura, que é o conceito música-medicina. Jonathan acredita na música como um elemento para acalentar a alma. “Sempre gosto de falar que a cura não é instantânea, ela se dá no processo de curamento. E o que cura é a vida.”

 

Um multiartista

A variedade de influências na vida de Ferr e a disposição para aprender e se envolver com diferentes áreas foram responsáveis pela sua transformação em um multiartista. Além da música, ele se expressa através de outras formas de arte, como o cinema. Cura foi lançado acompanhado por uma websérie no YouTube, envelopada em estética afrofuturista. O trabalho conta com concepção, direção e atuação de Jonathan.

“Eu sou megalomaníaco”, brinca. “Quero fazer tudo, porque sou apaixonado por tudo. Tenho muita fome de vida. Se ouço um disco, quero ouvir muitas outras vezes, porque toda a vez que eu escuto, percebo algo novo. Se eu como uma coisa gostosa, como aquilo com a maior vontade, me apaixono e vivo aquele momento. Então eu quero ser participante de tudo e atuar de verdade, sendo protagonista dos meus momentos”, explica.

 

Curiosidades sobre a trajetória do músico

A música de Ferr já estava em seu sangue. Depois de muito tempo já trabalhando, o artista percebeu que a sua ligação com a música tem relação com seus antepassados. Investigando sua árvore genealógica, Jonathan descobriu que seus avôs materno e paterno tinham laços mais fortes com a música. Um deles até ajudou a compor uma música para uma escola de samba. “Eles não viveram profissionalmente da música como eu vivo, mas acredito que tenha uma relação de DNA em tudo isso. Acho que as experiências da música e da arte são tão energéticas, mudam tanto nossa mente, corpo e espírito, que a força da descendência está presente nisso, em algum lugar. No início, eu não sabia de onde vinha exatamente essa minha conexão profunda com a música, mas depois eu entendi que ela já estava presente em mim, sendo construída há duas gerações.”

Assim como a banda Oficina G3 foi determinante para que Jonathan escolhesse o seu caminho, o artista também foi, sem querer, responsável por não deixar um músico desistir de sua carreira. Ferr estava terminando um show, saindo do palco enquanto a plateia pedia bis, quando viu um sujeito na plateia, carregando um baixo no ombro, e resolveu tocar mais uma música. Ao final da apresentação, esse mesmo homem o procurou para contar que estava desistindo de tocar e que havia saído de casa com o objetivo de devolver o instrumento, mas que tudo mudou após assistir ao show. “Ele me disse exatamente essa frase: ‘estou saindo hoje daqui com a certeza do que eu quero fazer para o resto da minha vida’”, lembra Jonathan. “Achei o que ele falou de uma delicadeza, de uma profundidade, e fiquei impactado ao pensar que a música que eu estava fazendo era capaz de mover as pessoas para esse lugar de reencontro, que, no fim, é o que eu sempre busquei”.

 

O show na capital gaúcha

No próximo dia 28, no Instituto Ling, o artista fará sua estreia em Porto Alegre, um lugar que sempre quis conhecer. No repertório de piano solo, ele revisitará principalmente as músicas de seu álbum Cura. “Esse show é uma experiência, então convido as pessoas para uma experiência imersiva comigo em busca da cura de si mesmos. É uma provocação. Gosto de falar que não faço música para entreter, e sim para conectar, então o show é um lugar de conexão. Estou muito feliz e animado, inclusive vou chegar na cidade logo depois do meu aniversário, que é no dia 27. Vou estar em um momento de celebração, único e bem especial.”

 

DICAS DO LING

Nem só de composições instrumentais é feita a carreira de Jonathan. Esperança, a quarta faixa do álbum Cura, traz um poema de autoria de Ferr declamado pelo ator e cantor Serjão Loroza. O clipe da música-manifesto está no canal do YouTube do artista.

O pianista vem acumulando elogios em matérias e reportagens da imprensa especializada. Foi apontado pelo jornal El País como o “garoto-estandarte do jazz”. Já a revista Veja o apelidou de “o novo xamã do jazz nacional”, enquanto o portal o POPline colocou o artista entre os destaques da nova geração do jazz.

A discografia do compositor está disponível no Spotify. Na plataforma, é possível ouvir Cura e Trilogia do Amor, além de uma gravação ao vivo de 2018, no Estúdio Showlivre. Por lá, você também encontra alguns trabalhos em parceria com outros artistas. Entre os destaques está a participação de Ferr na faixa de abertura do álbum Brasil Futurista, do rapper brasileiro Coruja BC1, e a gravação do EP Sombra & Água Fresca, com JOCA e Sain.

Que tal acompanhar o dia a dia de Ferr? Em seu perfil no Instagram, o artista compartilha os bastidores de suas gravações e turnês e também suas práticas ao piano. Na rede social, o músico também tem trazido, aos poucos, as novidades de seu próximo álbum, Liberdade, que promete unir jazz, hip hop e neo soul, tudo em um mesmo lugar.

 

REFERÊNCIAS

CRUZ, Felipe Branco. Quem é Jonathan Ferr, o novo xamã do jazz nacional. Site Veja. Disponível em: https://veja.abril.com.br/cultura/quem-e-jonathan-ferr-o-novo-xama-do-jazz-nacional/

JÚNIOR, Gilberto. Pianista Jonathan Ferr saiu de uma favela para gravadora e palcos de sucesso. Site O Globo. Disponível em: https://oglobo.globo.com/ela/gente/pianista-jonathan-ferr-saiu-de-uma-favela-para-gravadora-palcos-de-sucesso-25112504

MARTÍNEZ, Chema García. Jonathan Ferr, o garoto-estandarte do jazz carioca no Rock In in Rio. Site El País. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/10/04/cultura/1570198977_637456.html

MEDEIROS, João Victor. O amor é o caminho. Site Monkeybuzz. Disponível em: https://monkeybuzz.com.br/materias/entrevista-jonathan-ferr/

PERASSOLO, João. Quem é Jonathan Ferr, o pianista de Madureira que quer tirar o elitismo do jazz. Site Folha de S. Paulo. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2021/06/quem-e-jonathan-ferr-o-pianista-de-madureira-que-quer-tirar-o-elitismo-do-jazz.shtml

SANTA CLARA, Marina. Pianista Jonathan Ferr aposta no urban jazz para curar. Site Revista Elle. Disponível em: https://elle.com.br/cultura/jonathan-ferr-lanca-disco

VENTURA, Rafa. Quem é Jonathan Ferr, destaque da nova geração do Jazz? Site POPline. Disponível em: https://portalpopline.com.br/quem-e-jonathan-ferr-destaque-da-nova-geracao-do-jazz