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Semana de Arte Moderna de 1922: o evento que mudou a cultura brasileira para sempre

 

Imagem: Cartaz da Semana de Arte Moderna de 1922 feito por Di Cavalcanti. Crédito: Reprodução.

 

Como tudo começou

Em 2022 celebramos o centenário da Semana de Arte Moderna, que aconteceu em São Paulo e foi o marco oficial do modernismo brasileiro. Entre os dias 13 e 17 de fevereiro de 1922, o Theatro Municipal da capital paulista reuniu artistas de diversas áreas, entre escritores, músicos, intelectuais, pintores e escultores. Eles se revezaram em apresentações musicais, declamações de poesia, conferências e exposições. O evento mudou a cena cultural brasileira para sempre, pois foi o ponto de ebulição de um movimento que tomava forma no Brasil desde o início do século 20.

Expoentes da elite artística brasileira abriram as portas do Theatro Municipal de São Paulo para apresentar as ideias e os preceitos modernistas. O saguão ganhou uma exposição de pintura e escultura, com criações de Anita Malfatti, Di Cavalcanti e Victor Brecheret. As obras, que rompiam com os padrões estéticos vigentes à época e buscavam inserir o vanguardismo no Brasil, chocaram o público.

 

Foto: Theatro Municipal de São Paulo no Século XIX. Crédito: Wikimedia Commons.

 

No evento de abertura, em 13 de fevereiro, o escritor Graça Aranha apresentou uma conferência intitulada A emoção estética da arte moderna, enquanto o maestro Ernani Braga e orquestra o acompanhavam com a execução de trilhas musicais. Disse Graça Aranha:

“Para muitos de vós a curiosa e sugestiva exposição que gloriosamente inauguramos hoje é uma aglomeração de ‘horrores’ (…) Outros ‘horrores’ vos esperam. Daqui a pouco, juntando-se a esta coleção de disparates, uma poesia liberta, uma música extravagante, mas transcendente, virão revoltar aqueles que reagem movidos pelas forças do passado. Para estes retardatários a arte ainda é o belo.”

Sua fala gerou vaias e deu o tom do que viria a seguir. Neste mesmo dia, o poeta Ronald de Carvalho apresentou a conferência A pintura e a escultura moderna no Brasil, seguida de solos de piano de Ernani Braga e de Heitor Villa-Lobos.  

Mas o auge da Semana aconteceu em 15 de fevereiro. Mário de Andrade apresentou o texto que depois se tornaria a publicação A escrava que não é Isaura, em que o autor defende o abrasileiramento da língua portuguesa. Depois, Paulo Menotti del Picchia falou sobre uma nova estética, defendendo a integração da poesia com os tempos modernos, a liberdade de pensamento e a criação de uma arte genuinamente brasileira.

Neste dia, Ronald de Carvalho fez a leitura do famoso poema Os Sapos, de autoria de Manuel Bandeira, que ridicularizava o parnasianismo, movimento com rigor à métrica e à perfeição estética.

Leia um trecho do poema:

 

Enfunando os papos,

Saem da penumbra,

Aos pulos, os sapos.

A luz os deslumbra.

 

Em ronco que aterra,

Berra o sapo-boi:

- "Meu pai foi à guerra!"

- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

 

O sapo-tanoeiro,

Parnasiano aguado,

Diz: - "Meu cancioneiro

É bem martelado.

 

Vede como primo

Em comer os hiatos!

Que arte! E nunca rimo

Os termos cognatos.

 

O meu verso é bom

Frumento sem joio.

Faço rimas com

Consoantes de apoio.

 

Vai por cinquenta anos

Que lhes dei a norma:

Reduzi sem danos

A fôrmas a forma.

 

Clame a saparia

Em críticas céticas:

Não há mais poesia,

Mas há artes poéticas..."

 

Urra o sapo-boi:

- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"

- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

 

(Os Sapos, de Manuel Bandeira)

 

Mário de Andrade ainda falou ao público sobre as obras de pintura, seguido de apresentações de dança de Yvonne Daumerie e um concerto de piano de Guiomar Novais. O evento de encerramento da Semana de Arte Moderna aconteceu em 17 de fevereiro e foi dedicado à música, com a execução de peças de Heitor Villa-Lobos. O compositor foi o primeiro a misturar ritmos africanos com a música erudita – e não escapou à revolta dos mais conservadores.

 

A música na Semana de Arte Moderna de 1922

Heitor Villa-Lobos foi um dos grandes destaques na Semana e essa foi a sua primeira apresentação na capital paulista. Pioneiro ao introduzir ritmos e temas populares e brasileiros em composições eruditas, ele despertou estranhamento e críticas ferrenhas. As danças africanas apresentadas por ele durante o evento marcaram época e abriram um novo capítulo na história da música produzida no Brasil.

 

Imagem: Cartaz anunciando o último dia da Semana de Arte Moderna. Crédito: Reprodução.

 

Entre as obras que Villa-Lobos apresentou estão Segunda Sonata, Segundo Trio, Valsa Mística, Rondante, A Fiandeira e Danças Africanas.

Escute a Dança Africana Número 1, executada pela pianista brasileira Débora Halász. Escute a Segunda Sonata, com Cristian Budu no piano e Antonio Meneses no violoncelo.

 

Contexto histórico

A Semana de Arte Moderna aconteceu em meio a inúmeras mudanças comportamentais, sociais, políticas e econômicas que aconteciam no Brasil e no mundo. Enquanto o capitalismo crescia, os conceitos sobre o socialismo e as tensões sociais da época levaram os artistas a criar obras mais próximas à realidade nacional.

Isso tudo ocorreu durante o período da República Velha, controlada pela elite cafeeira e pela política conhecida como Café com Leite. Com o poder concentrado nas mãos de grandes fazendeiros, paulistas e mineiros se revezavam no poder.

 

Reação negativa

Como todo e qualquer movimento que promove mudanças, a Semana de Arte Moderna de 1922 não passou ilesa por uma série de vaias e críticas. Parte da plateia ficou chocada com a ausência de formalismo e com a ruptura com linguagens e estéticas tradicionais e acadêmicas.

As pinturas e esculturas tinham forte influência das vanguardas europeias como o cubismo, o surrealismo e o expressionismo, ao mesmo tempo em que valorizavam a identidade e a cultura brasileira; os escritores apresentaram poemas e textos cheios de ironia e com linguagem coloquial; a música misturava o erudito ao popular, incluindo ritmos africanos.

Os artistas também pregavam a liberdade de expressão e faziam uso de uma linguagem coloquial.  Tanta contemporaneidade e experimentação irritou uma parcela do público.

 

Os grandes nomes da Semana de 1922

A importância da Semana de Arte Moderna de 1922 é evidenciada pelos nomes que fizeram parte dela, entre eles:

Pintores: Anita Malfatti, Emiliano Di Cavalcanti, Zina Aita, Vicente do Rego Monteiro, Ferrignac, Yan de Almeida Prado, John Graz, Alberto Martins Ribeiro e Oswaldo Goeldi;

Escultores: Victor Brecheret, Hildegardo Leão Velloso e Wilhelm Haarberg;

Arquitetos: Antonio Garcia Moya e Georg Przyrembel;

Escritores: Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Menotti del Picchia, Sérgio Milliet, Plínio Salgado, Ronald de Carvalho, Agenor Fernandes Barbosa, Álvaro Moreira, Renato de Almeida, Ribeiro Couto, Guilherme de Almeida e Graça Aranha;

Compositores e músicos: Heitor Villa-Lobos, Guiomar Novais, Ernani Braga e Frutuoso Viana.

 

O legado

Apesar de polêmica e controversa, a Semana de Arte Moderna de 1922 inegavelmente foi o catalisador de profundas mudanças no cenário intelectual e cultural brasileiro, dando início a uma fase de grande soberania na produção artística.

O movimento modernista se caracterizou por defender uma livre criação, o nacionalismo e pela crítica social. Inaugurou um período de renovação na arte, contrário ao tradicionalismo e ao rigor estético. Colocando a arte moderna no holofote, o evento permitiu a consolidação de uma revolução dentro de diversas áreas do conhecimento, que já tomava forma no início do século, mas que ganhou força após 1922.

 

Curiosidades sobre a Semana de Arte Moderna de 1922

Era para ser uma semana, mas foram três dias. Os eventos aconteceram em datas alternadas: 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922;

O evento foi financiado pela oligarquia paulista. A elite da cidade queria tornar São Paulo em referência de produção artística e cultural, roubando espaço do Rio de Janeiro;

Tarsila do Amaral e Manuel Bandeira, nomes relevantes do modernismo, não puderam comparecer. Ela estava estudando em Paris, e ele havia contraído tuberculose;

Heitor Villa-Lobos subiu ao palco usando um chinelo no pé esquerdo e um sapato no pé direito, mas não foi por provocação. O maestro estava com um problema no pé e teve que se apresentar com um curativo.

 

DICAS DO LING

Para você entrar no clima da celebração do centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, sugerimos podcasts, playlists e documentários:

Confira no Spotify uma playlist com músicas que fizeram parte da Semana de Arte Moderna.  

Fã de Heitor Villa-Lobos? Essa playlist é para você!

Se preferir podcasts, o Modernismo22+100 tem vários episódios interessantes sobre o tema, com produção da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo.

Para os fãs de documentários, vale a pena conferir esse material produzido pela TV Cultura. É imperdível!

Finalizando, a CNN Brasil fez mais de 10 matérias sobre o Centenário da Semana de Arte de 1922. Elas estão disponíveis no YouTube.

 

REFERÊNCIAS

AIDAR, Laura. Semana de Arte Moderna. Site Toda Matéria. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/semana-de-arte-moderna/

BRASIL ESCOLA. Literatura: Semana de Arte Moderna de 1922. Disponível em https://brasilescola.uol.com.br/literatura/semana-arte-moderna-1922.htm

JORNAL DA USP. 1922, Os cem anos da Semana de Arte Moderna. Disponível em https://jornal.usp.br/cultura/especial-cem-anos-da-semana-de-arte-moderna/

PEREZ, Luana Castro Alves. Semana de Arte Moderna. Site Mundo Educação. Disponível em: https://mundoeducacao.uol.com.br/literatura/a-semana-arte-moderna.htm

POLIZELLI, Letícia. 100 anos da semana de 22: A emoção estética na arte moderna, de Graça Aranha. Site SP Escola de Teatro. Disponível em: https://www.spescoladeteatro.org.br/noticia/100-anos-da-semana-de-22-a-emocao-estetica-na-arte-moderna-de-graca-aranha