Traições de todos os tipos: o que as óperas nos contam
Depois de falar sobre paixão e vingança, o projeto Ópera: Estética e Psicanálise chega a sua última edição deste ano discutindo a traição em um recital lírico comentado pelo maestro Ronel Alberti e o professor Rafael Werner. Para debater o tema, o encontro virtual foi acompanhado por apresentações ao vivo da soprano Cynthia Barcelos, da mezzo-soprano Clarisse Diefenthäler e do pianista Rodolfo Wulfhorst interpretando trechos de óperas como O Barbeiro de Sevilha, de Rossini, e Sansão e Dalila, de Saint-Saëns, além de obras de Purcell, Verdi e Puccini.
Com curadoria do barítono Carlos Rodriguez, o projeto propõe apresentar uma visão de diferentes personagens da história da música à luz da estética filosófica e da psicanálise. A partir dos comentários e das performances de canto e piano, o público foi guiado pelas motivações ocultas de personagens marcantes do mundo da ópera, além de conhecer mais sobre a linguagem estética de grandes compositores.
DIDO AND AENEAS, de HENRY PURCELL (1658-1695)
É uma ópera em um prólogo e três atos com música do compositor barroco inglês Henry Purcell e libreto de Nahum Tate. Sua primeira apresentação foi realizada em Londres, na Boarding School for Girls de Josias Priest, em 1689. A história é baseada no Livro IV da Eneida, um grande poema épico que foi escrito no século I a.C. pelo poeta romano Virgílio e publicado após sua morte em 19 a.C.
O prólogo, que consta do libreto, parece não ter sido musicado por Purcell, ou então perdeu-se. A abertura prenunciando a tragédia alterna as passagens lentas e rápidas tradicionais do gênero no período.
A história retrata o amor da rainha de Cartago, Dido, pelo herói troiano Eneias. Quando este a abandona para criar a cidade de Roma, Dido acaba se suicidando.
“When I am laid in earth” (Lamento de Dido)
Com Enéias voltando para Roma e Dido morrendo de tristeza, esta pede que Belinda, sua irmã e criada, lembre-se dela quando ela não mais entre os vivos estiver.
“When I am laid in earth”, na voz da soprano Jessye Norman.
SAMSON ET DALILA, de CAMILLE SAINT-SAËNS (1835-1921)
É uma ópera em três atos do compositor, com libreto de Ferdinand Lemaire. Estreou em 2 de dezembro de 1877, no Hoftheater de Weimar, Alemanha.
Embora o libreto de Samson et Dalila seja retirado do Capítulo 16 do Livro dos Juízes, a ópera não inclui os relatos dos feitos heroicos de Sansão que lhe renderam fama e liderança entre os hebreus. Os relatos da morte de um leão por Sansão e seu triunfo sobre 1.000 filisteus enquanto empunhava apenas a queixada de um asno foram omitidos. Saint-Saëns e seu libretista provavelmente fizeram essa escolha para que a história se concentrasse em Dalila. Sansão, portanto, é apresentado como um líder inspirador, em vez do herói quase sobrenatural da Bíblia. É seu coração vulnerável e terno e sua suscetibilidade aos apelos de amor de uma mulher dissimulada que é o foco da trama. Dalila é retratada como uma mulher manipuladora, conivente e implacável, determinada a se vingar. As numerosas tentativas de Sansão de esconder o segredo de sua força no relato bíblico são apenas mencionadas por Dalila em seu dueto com o sumo-sacerdote na ópera, e a revelação de que sua força reside em seu cabelo ocorre nos bastidores. A ópera inclui algum material não encontrado na Bíblia, como a morte de Abimelec, rei de Siquém e filho do juiz bíblico Gideão, no primeiro ato.
“Mon cœur s'ouvre à ta voix”
O sumo-sacerdote oferece a Dalila dinheiro para que ela descubra o segredo da força sobre-humana de Sansão. Ela lhe diz que o seu desejo de vingança já é mais que suficiente. O sacerdote afasta-se para não ser surpreendido por Sansão que está para chegar. Dalila cobre-o de carícias nesta sedutora ária. Na conversa com Sansão, porém, ela insiste: "Tu não me amas de verdade, Sansão, porque se tu me amasses, tu me revelarias o segredo da tua força." Acontece que, quando Sansão nasceu, os seus pais fizeram uma promessa ao Deus de Israel: Sansão seria consagrado a Deus e o seu cabelo jamais seria cortado. Sansão não pode revelar este segredo a ninguém. Após a ária, começa uma discussão violenta: Dalila pede a Sansão que saia da sua presença e não volte mais. Sansão hesita. Voltando-se para Dalila, ele lhe revela o segredo fatal. Assim que Sansão adormece, Dalila abre a janela e acena para soldados filisteus que se escondiam na moita. Sansão tem seus cabelos cortados e perde sua força.
“Mon cœur s'ouvre à ta voix” na voz da mezzo-soprano Clarisse Diefenthäler.
TURANDOT, de GIACOMO PUCCINI (1858-1924)
Última ópera de Giacomo Puccini, composta em três atos, com libreto de Giuseppe Adami e Renato Simoni, baseado na fábula de Carlo Gozzi com a adaptação de Friedrich von Schiller. Estreou no Teatro alla Scala em Milão, em 25 de abril de 1926, sob a regência de Arturo Toscanini. Esta ópera ficou inacabada por causa da morte do autor, em 29 de novembro de 1924, sendo completada por Franco Alfano.
Segundo consta, Toscanini não gostou do final que Franco Alfano deu à ópera de Puccini, por isso, na cena da morte de Liù, virou-se para a plateia e disse: "Senhoras e Senhores, aqui parou Giacomo Puccini".
A Princesa Turandot, filha do Imperador Altum da China, odeia todos os homens e jura que jamais se entregará a nenhum deles, devido a um fato ocorrido na família imperial que a traumatizou para sempre: o estupro e assassinato da princesa Lo-u-Ling, quando os tártaros invadiram e conquistaram a China. Seu pai, porém, exige que, por razões dinásticas e para respeitar as tradições chinesas, ela se case. A princesa concorda, porém, com uma condição: ela proporá três enigmas a todos os candidatos, que arriscarão a própria cabeça se não acertarem todos os três, e somente se casará com aquele que os decifrar.
Calaf, o Príncipe Desconhecido, embriagado pela beleza de Turandot em sua primeira aparição na ópera, apaixona-se por ela e anuncia sua intenção de se candidatar à mão da princesa.
Após responder corretamente aos três enigmas, O Príncipe Desconhecido afirma não querer ter Turandot contra a vontade dela. Propõe-lhe, então, um único enigma: se ela descobrir até a aurora o nome dele, desistirá dos seus direitos e entregará sua cabeça ao carrasco.
De repente, alguém se lembra de que viu Calaf em companhia de Liù, jovem apaixonada por ele. Turandot ordena que Liù seja torturada até que revele o nome do príncipe; ela morre sem dizer uma palavra.
“Tu che di gel sei cinta”
Depois de ser capturada e torturada por saber o nome de Calaf, Liù é questionada por Turandot por que resiste tão bravamente à tortura. Ela responde que seu amor pelo "Príncipe Desconhecido" a impede de dizer seu nome. Ela canta que o coração gelado de Turandot um dia será derretido por Calaf e que Turandot o amará como Liù o ama agora.
“Tu che di gel sei cinta”, na voz da soprano Anna Netrebko.
IL BARBIERE DI SIVIGLIA, de GIOACHINO ROSSINI (1792-1868)
É uma opera buffa em dois atos de Gioachino Rossini, com libreto de Cesare Sterbini, baseado na comédia Le Barbier de Séville, do dramaturgo francês Pierre Beaumarchais. A estreia da ópera, com o título de Almaviva, ossia L'Inutile Precauzione, ocorreu no Teatro Argentina, em Roma, em 20 de fevereiro de 1816. Sua abertura foi composta originalmente para uma ópera dramática do compositor – Aureliano in Palmira –, e usada posteriormente em Elisabetta, Regina d'Inghilterra.
O Conde Almaviva explica ao barbeiro Fígaro o seu intento de cortejar a "filha do médico" que ali mora, embora Rosina seja tutelada e não filha do médico Don Bartolo que sonha casar-se com ela. Prestativo, Fígaro coloca-se à disposição do Conde, para ajudá-lo.
A partir daí, segue-se uma série de trapalhadas e situações divertidas até que o Conde e Rosina, com a ajuda do barbeiro, finalmente se casem, trapaceando o velho tutor dela.
“Una voce poco fa”
Rosina acabou de ouvir uma voz cantando uma serenata para ela – era o Conde Almaviva disfarçado de Lindoro, um “jovem e pobre estudante” por quem ela começa a se interessar. Agora sozinha, Rosina antecipa que ele será dela e então proclama que, se alguém interferir, ela conhece 100 truques para conseguir aquilo que quer.
“Una voce poco fa”, interpretada pela mezzo-soprano Clarisse Diefenthäler.
DON CARLO, de GIUSEPPE VERDI (1813-1901)
Don Carlos é uma grande ópera em cinco atos composta por Giuseppe Verdi com libreto, em francês, de Camille du Locle e Joseph Méry, baseada na peça Don Carlos, Infante de Espanha, de Friedrich Schiller. Estreou no Théâtre de l'Opéra Impérial (Opéra Le Peletier), em 11 de março de 1867.
A primeira apresentação em italiano, com libreto traduzido por Achille de Lauzières, aconteceu no Covent Garden, em Londres, em junho de 1867. A primeira versão italiana apresentada na Itália foi em Bolonha em outubro de 1867. Revisada novamente por Verdi, foi apresentada em Nápoles em novembro/dezembro de 1872. Finalmente, outras duas versões foram preparadas: a primeira foi vista em Milão em janeiro de 1884. Essa agora é conhecida como a "Versão de Milão", enquanto a segunda – também sancionada pelo compositor – tornou-se a "Versão de Modena" e foi apresentada naquela cidade em dezembro de 1886. Ela devolveu o primeiro ato de "Fontainebleau" à versão de quatro atos de Milão.
A história se baseia em conflitos na vida de Carlos, Príncipe das Astúrias (1545-1568), após o seu noivado com Elisabeth de Valois que acabou casando com o pai de Carlos, Filipe II da Espanha, como parte do tratado de paz que terminou a Guerra Italiana de 1551-1559 entre as Casas de Habsburgo e Valois.
“Tu che le vanità”
Enquanto espera que Carlos a encontre, Elisabeth de Valois pede forças para vê-lo deixá-la para sempre para sua própria segurança. Seus pensamentos se voltam para sua amada França, onde seu amor por Carlos começou.
“Tu che le vanità”, na voz da soprano Mirella Freni.
DICAS DO LING
Assista a ópera Dido e Eneas realizada pela Orquestra e Coral da Academia de Música Antiga da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), disponível com legendas em espanhol.
Você pode conferir a montagem completa da Ópera Turandot, realizada no Theatro São Pedro (SP), com direção cênica de André Heller-Lopes, disponível com legendas em português.
A ópera Barbeiro de Sevilha, de Gioachino Rossini, foi realizada no Theatro Municipal de São Paulo e está disponível no Youtube.
REFERÊNCIAS:
HAREWOOD, C. (Ed.). Kobbé: o livro completo da ópera. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1991.
Site The Aria Database. Disponível em: http://www.aria-database.com/