Foto: Camila Saccomori Foto: Camila Saccomori

Tudo o que vi e ouvi na palestra como o uso consciente da tecnologia pode ser um aliado da família e escolas, com Daniel Spritzer

Um relato da mãe do Arthur, 7 anos, um menino que ama futebol e o jogo FIFA MOBILE. Um menino que não tem Playstation e nem celular.

 

Estamos na reta final da edição de 2023 do Projeto Escola de Pais e na penúltima palestra tratamos do tema do uso consciente da tecnologia por crianças e adolescentes, com uma palestra e sessão de perguntas com o Dr. Daniel Spritzer.

Fiquei pensando que nos últimos anos, passamos por diferentes fases para entender esse assunto. Lembro que quando meu filho nasceu, ou talvez um pouco antes, era comum as pessoas comentarem com orgulho que seus bebês sabiam usar o touch do celular e tentavam passar o dedo na tela da TV com o mesmo movimento. Ou então, achavam uma gracinha quando os bebês, de forma milagrosa, paravam para ver a Galinha Pintadinha.

Então, ainda em 2016, a Sociedade Americana de Pediatria fez um alerta contundente sobre o uso de tecnologia:

“Para crianças menores de 18 meses, desencoraje o uso de mídias de tela que não sejam bate-papos por vídeo” (Media and Young Minds, The American Academy of Pediatrics, novembro de 2016).

Essas diretrizes viraram um mantra para todos os pais engajados e conscientes: zero telas. E viramos os fiscais das telas, julgando famílias em restaurantes, pais de coleguinhas que presenteiam seus filhos com Playstation e celular antes da adolescência. Enfim, se é para a felicidade e desenvolvimento sadio de nossas crianças, a tecnologia será banida de nossas famílias. Foi mais ou menos assim!

Então, chegou a pandemia! Crianças sem escola, sem pracinha, sem esporte, sem amiguinhos e rede de apoio familiar. Caos instalado! Só o Netflix, o Zoom, os jogos online poderiam nos salvar! Toda aquela determinação contra as telas se dissipou rapidinho.

Chegamos ao momento atual, a vida está voltando ao normal! Qual é o caminho a tomar? Já no início de sua palestra, o Dr. Daniel nos deu a pista de que o assunto é complexo. Não existem soluções simples para problemas multifatoriais, no entanto, será necessário encarar a realidade. O uso de tecnologia tornou-se uma parte integrante da vida, especialmente quando observamos as estatísticas sobre o uso da internet e dispositivos móveis por crianças e adolescentes.

Foto: Daniel Spritzer durante a palestra "Como o uso consciente da tecnologia pode ser um aliado da família e escolas". Crédito: Camila Saccomori.

 

Estatísticas Reveladoras:

De acordo com a Pesquisa TIC Kids Online Brasil, 95% das crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos já acessaram à internet. Além disso, o Dr. Daniel nos chamou a atenção para os seguintes dados: 87% das crianças entre 9 e 10 anos já têm sua vida digital iniciada, sendo que 68% dessa faixa etária já têm perfil em redes sociais e 75% acessam a internet mais de uma vez ao dia. Onde eles acessam? 98% em casa. Como? 97% com telefone celular. E eles fazem de tudo nesses acessos: ouvem músicas, assistem a vídeos, jogam e até estudam.

Bom, a realidade está aí. Nossos filhos acessam, não há como fugir. Proibir e demonizar são estratégias que nunca dão certo com crianças e adolescentes. Novamente, não existe bala de prata para problemas complexos. Pensei em um ditado popular: “Se você não pode vencer seu inimigo, una-se a ele”. Entendido. Tecnologia não é inimiga do desenvolvimento das crianças e adolescentes. Então, partimos para pensar nos aspectos positivos. Veja alguns:

Aprendizado Interativo: Aplicativos e jogos educacionais podem ajudar nossos filhos a desenvolver habilidades essenciais, como matemática e leitura, de maneira interativa e divertida. Lembrei dos apps que já usamos na etapa de alfabetização, como o Elefante Letrado, Matific e Graphogame.

Estímulo à Criatividade: Ferramentas digitais permitem que nossos filhos expressem sua criatividade por meio da arte, música e design, estimulando habilidades artísticas e inovação.

Acesso à Informação: A internet proporciona acesso rápido a uma vasta gama de estudos e pesquisas, facilitando a pesquisa para projetos escolares e promovendo a curiosidade intelectual.

Socialização Online: Jogos online e redes sociais podem ajudar nossos filhos a desenvolver habilidades sociais, como a cooperação na solução de problemas, interagindo com amigos e família de diferentes partes do mundo.

 

E quando temos problemas? Como identificar, por exemplo, o “gaming disorder”? O Dr. Daniel é enfático, porém tranquilizador: o uso de games é considerado uma doença quando a criança apresenta um padrão de uso persistente por mais de 12 meses, caracterizado pela falta de controle, aumento da prioridade dada ao jogo em detrimento de outras atividades. O jogo passa a ter preferência sobre outros interesses prazerosos e atividades da rotina, apesar das consequências negativas como distúrbios alimentares, qualidade do sono, socialização e rendimento escolar. Outra informação que considero reconfortante é que a estimativa de prevalência do “gaming disorder” é de 1 a 3% das pessoas que jogam online regularmente podem desenvolver comportamentos de dependência, impactando negativamente suas responsabilidades escolares e sociais. Cabe ressaltar que as pesquisas ainda estão em processo de consolidação. Ou seja, a taxa de prevalência em diferentes estudos tem apresentado uma grande variação, demonstrando a necessidade de padronização das metodologias de pesquisa.

Compreendi que a situação se torna mais complexa quando temos o encontro de um ambiente familiar difícil com falta de rotina, muito conflito, relações mais distantes entre pais e filhos e a vulnerabilidade psíquica da própria criança, que pode apresentar depressão, ansiedade social, transtorno de déficit de atenção e transtorno do espectro autista. As telas acabam funcionando como um certo escapismo para a criança de uma realidade que tem uma carga considerável de sofrimento psíquico.

Na fala do Dr. Daniel fica evidente que devemos refletir sobre a saúde da criança como um todo, ou seja, alimentação, sono, atividades esportivas, socialização e desenvolvimento escolar. Não adianta brigarmos o tempo todo para a criança sair das telas ou parar de jogar e não dar alternativas de uma rotina estruturada para o desenvolvimento saudável.

 

Então, algumas dicas para nós, mães e pais ansiosos por receitas de bolo:

Interaja com os jogos: Conheça os jogos e conteúdos que as crianças acessam. Saiba os nomes dos personagens, objetivos dos jogos e como usar os recursos tecnológicos, como os controles de jogos de console (Playstation e Z-box). Jogue junto de coração aberto com seus filhos! Somente tendo essa experiência, você terá condições de avaliar o conteúdo.

Estabeleça Limites: Vamos definir limites diários para o tempo que nossos filhos passam em dispositivos eletrônicos, equilibrando-o com atividades ao ar livre, esportes e interações sociais offline. Os famosos “combinados”! Os limites também valem para situações como telas não são permitidas nas refeições. Ou ainda, 2 horas antes de dormir, não vamos usar telas. A regra é para todos, inclusive para os pais!

Atividades em Família: Vamos reservar um tempo para viver offline (pais e filhos!) que não envolva telas, como jogos de tabuleiro, passeios ao ar livre, cozinhar juntos, pesquisar em dicionários impressos, ler livros juntos! Lembre-se de que as telas são envolventes, a vida offline também deve ser! Use o humor, a gamificação e todas as outras ferramentas que você possuir para ter seu filho por perto!

Monitore: Fique atento ao conteúdo que seu filho acessa online. Use os controles parentais, que permitem selecionar quais jogos as crianças podem ter acesso (com base nas faixas etárias atribuídas pela Classificação Indicativa), defina o tempo que as crianças podem gastar jogando, limite e monitore gastos online e controle o acesso à navegação na Internet e interação online (chat).

Tamanho do dispositivo X Maturidade da Criança: Quanto menor a criança, evite liberar o uso do celular sem acompanhamento contínuo. É mais fácil para a criança se esconder para realizar alguma atividade que você não libere o uso.

Estimule a Criatividade: Encoraje as crianças a utilizar a tecnologia de maneira criativa, como criando vídeos, blogs ou música. Isso canalizará o tempo de tela para atividades construtivas.

Seja o Exemplo: Somos modelos para nossos filhos. Reflita sobre seu próprio uso de dispositivos eletrônicos.

 

Entendido que é complexo. É difícil, mas é possível fazer o uso consciente da tecnologia, fugindo da demonização das ferramentas e da permissividade exagerada. Nossa presença atenta e consciente dos ônus e bônus ajudará nossos filhos a desfrutar dos benefícios da tecnologia, ao mesmo tempo em que protegemos seu desenvolvimento físico, mental e emocional. Estamos juntos nessa jornada de ser pais e mães melhores.

Se você gostou do assunto, o Dr. Daniel Spritzer é um dos autores do livro Crianças bem conectadas: Como o uso consciente da tecnologia pode se tornar um aliado da família e da escola. Recomendo a leitura.

 

Espero encontrá-los novamente na última palestra da edição 2023 do nosso projeto. O tema é um dos preocupantes da atualidade, Depressão na infância e adolescência, com o psiquiatra Christian Kieling.