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Com projeto social voluntário, Felipe Neves leva o Direito às salas de aula

Já pensou que forte seria um país em que os alunos aprendessem seus direitos e deveres fundamentais desde a escola? Pois Felipe Neves não só pensou como colocou em prática. Formado em Direito e mestre em Direito Internacional (LLM) pela Stanford University, é fundador da ONG Constituição na Escola, que já impactou 60 mil estudantes da rede pública. Empreendedor por natureza, coordena ainda a edtech social Civics, de cursos práticos acessíveis, cuja renda ajuda a custear bolsas de estudos do Next Generation of Lawyers, outro de seus projetos. Mais jovem advogado a ganhar o prêmio Innovare, do Ministério da Justiça, atualmente é responsável pela divisão América Latina do Google Workspace for Education.

Com projeto social voluntário, Felipe Neves leva o Direito às salas de aula

O despertar pelo Direito e pela Educação surgiu observando os trabalhos da mãe, professora de inglês e secretária de um escritório de advocacia. Ao se formar, em 2014, somava experiências como trainee em algumas empresas, mas já no último ano de faculdade decidiu que queria ir além do dia a dia jurídico.

A partir de um episódio envolvendo a diarista que trabalhava em sua casa, ao relatar a constante falta de professores na escola da filha, Felipe teve o insight de se voluntariar para dar aulas. Mas nada de química, matemática ou física, e sim um conteúdo muito importante para a vida prática de quem depende de serviços públicos. 

— É uma deficiência geral no Brasil entender como as leis funcionam. Cerca de 80% da população estudantil frequenta escolas públicas. E desses 80%, praticamente a maioria depende do governo para tudo: saúde,escola, lazer. Se você não conhece como funciona o poder público, como pedir mudanças? — questiona Felipe. — As noções básicas deveriam ser essenciais. Para mim, falar de Direito é falar da vida diária. 

Numa sociedade em que as leis, o direito e a política estão tão presentes no nosso dia a dia, Felipe destaca a falha nos currículos educacionais em não ensinar o mínimo destes temas nas escolas. Então, com a Constituição Brasileira sob o braço (aliás, é a terceira maior do mundo, como seus alunos aprendem), Felipe deu as primeiras aulas e ficou emocionado com o retorno positivo. Pediu orientação ao desembargador Antonio Carlos Malheiros, com quem teve aulas de Direitos Humanos na universidade, para formatar melhor o projeto.

Surgiu assim a organização sem fins lucrativos Constituição na Escola. Além de assuntos relacionados às obrigações e aos direitos que os estudantes têm como cidadãos, as aulas do projeto também explicam como funciona a estrutura das leis e eleições no Brasil, como sistema de votação e quociente eleitoral, de forma imparcial e apartidária. Olhando para trás, parece que tudo foi muito fácil, mas Felipe recorda o trabalho inicial de formiguinha que realizou.

— No começo era uma série de “nãos”, sem parar, um atrás do outro. Peguei uma lista de colégios e telefonei para mais de 100 escolas oferecendo aulas gratuitas de Direito para os alunos de Ensino Médio. Só três me responderam — recorda.

Aquelas três instituições rapidamente espalharam boca a boca a iniciativa. Sozinho, Felipe já havia passado por uma dezena de colégios, somando 600 alunos, até que um reconhecimento internacional promoveu uma grande virada. 

Em 2016, em uma iniciativa do governo dos Estados Unidos, Felipe foi um dos 20 brasileiros premiados no Young Leaders of America. O projeto, criado pelo então presidente norte-americano Barack Obama, elege jovens da América Latina e Caribe que desenvolveram propostas inovadoras para problemas sociais. Todos os escolhidos viajam até os Estados Unidos para ouvir palestras e participar de treinamentos e workshops diretamente ligados às áreas de seus respectivos projetos.

Por lá, Felipe trabalhou por 1 mês na casa de James Madison, quarto presidente americano e considerado o "pai da Constituição" dos Estados Unidos, escrita em 1787, em que hoje funciona um centro educacional onde professores são treinados para ensinar as leis americanas para alunos, em formato gamificado. Assim, adaptou a inspiração como modelo para a Olimpíada Constitucional, uma competição entre os jovens da rede pública, com perguntas e respostas sobre a Constituição Federal, política e civilidade. Os vencedores ganhavam prêmios como bolsa de estudos e computadores.

Vários veículos de imprensa noticiaram as Olimpíadas e “tudo mudou do dia para a noite”, nas palavras de Felipe. A Secretaria de Educação de São Paulo se interessou pelo projeto e abraçou uma parceria. Hoje em dia, 8 anos após sua fundação, já são mais de 120 professores voluntários, impactando de forma presencial mais de 60 mil alunos desde então.

 

Aprimorando conhecimentos na universidade dos sonhos

Em paralelo à ONG, Felipe continuava trabalhando como advogado em escritório. Outros reconhecimentos continuaram a surgir, como o Prêmio Innovare do Ministério da Justiça em 2017, quando foi o mais jovem advogado a ganhar o título. No mesmo ano, foi escolhido como um dos 11 jovens líderes brasileiros pela Obama Foundation, com direito a uma roda de conversa com o próprio. Em 2018, uma das notícias que é motivo de muito orgulho para Felipe até hoje: figurar na lista Forbes Under 30, que destaca os mais brilhantes empreendedores de até 30 anos.

Neste ponto, o advogado decidiu avançar ainda mais na carreira e cursar uma pós-graduação. Já tinha conhecimento de ex-colegas e gestores que haviam recebido a bolsa do Instituto Ling para financiar os estudos no Exterior, então deu início aos processos seletivos. O objetivo era estudar na Stanford University: a aprovação veio e, aos 28 anos, embarcou para cursar Direito Internacional (LL.M).

— Morar fora foi a realização de um sonho, ainda mais na universidade que escolhi. Cursei todas as matérias obrigatórias e também algumas disponíveis em outros departamentos, como na faculdade de educação e de negócios. Também queria poder viver a vida universitária intensamente, então circulava muito pelo campus, assistia a jogos universitários e outras atividades. É uma experiência incomparável — conta Felipe, que também recebeu a bolsa Person of the Year Fellowship da Brazilian-American Chamber of Commerce naquele ano (2018).

 

Multiplicando ainda mais o ciclo virtuoso

Ao concluir o mestrado, Felipe ainda ficou mais dois anos morando em Nova York, trabalhando no mercado de capitais. Mas os laços com a Educação seguiam fortes. Até que em julho de 2021, já de volta ao Brasil, surge um convite do Google que fez brilhar os olhos. Desde então, Felipe é o responsável pelo software de educação da empresa na América Latina. 

Além de seguir presidindo o projeto Constituição nas Escolas, o advogado também havia criado outro pouco antes da pandemia eclodir: a Civics Educação. É considerada a primeira edtech social da América Latina, com cursos práticos jurídicos e cívicos ministrados por advogados de primeira linha e profissionais de destaque. Partes dos recursos obtidos com a venda dos cursos é destinada para o financiamento de bolsas de estudo para estudantes do ensino médio da rede pública e para produção de cursos gratuitos para a capacitação de  professores da rede pública.

Assim como o primeiro projeto de Felipe cresceu em alcance, também a Civics já deu origem a outros derivados. Um deles é o programa Next Generation of Lawyers, que tem como objetivo acelerar estudantes de Direito em um programa de capacitação com profissionais de renome na advocacia. E aí aquele trabalho de formiguinha que contamos lá no início voltou a ocorrer.

Para formar a primeira turma do Next Generation, Felipe foi atrás de patrocínios de escritórios, um por um. Conseguiu dez em São Paulo que toparam financiar a novidade, com foco na diversidade e inclusão social de jovens estudantes de Direito de origem humilde. Agora, já são mais escritórios patrocinando o projeto, além de parcerias com Consulado dos EUA e United Airlines, que leva os jovens para expandir os horizontes. Nos dois primeiros anos, a turma foi para o Vale do Silício; em setembro de 2023, vão para Nova York. São dezenas de bolsas de estudo para levar os aprendizes em sua primeira viagem internacional.

— É um ciclo virtuoso, sim, por devolver a oportunidade recebida. Com a bolsa do Instituto Ling, é possível pagar de volta em dinheiro ou com trabalho voluntário. Então, a partir do diploma de Stanford, consegui viabilizar e arrecadar mais de meio milhão de reais depois que me formei, que foram 100% revertidos para esses alunos de escola pública. É um investimento que se devolve para a sociedade — confirma.

Diante de tantos compromissos profissionais, como administrar o tempo dedicado a cada projeto? A trajetória de Felipe mostra que não é preciso abrir mão de uma carreira para fazer voluntariado.

 — Sou um exemplo de que não é preciso estar somente no terceiro setor para entender que seus atos, de fato, podem ajudar pessoas. É quando você começa a ver o poder do seu tempo. Nunca deixei de trabalhar e seguir meus planos profissionais ambiciosos. É claro que há momentos como agora, em que minha filha acabou de nascer, que o tempo fica um pouco apertado — conta o recém papai de Olívia, de 6 meses. — Consigo fazer os dois trabalhos e quero seguir fazendo. Tem muita gente que conta comigo, então não posso parar, além de ser algo que me traz muita alegria.

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