LLM em Harvard, trabalho na ONU: sonhando alto, Marina chegou lá
Olhando para trás, a profissão escolhida por Marina Lemos Pires (LLM 2014) aos 13 anos trouxe oportunidades muito além do imaginado quando entrou na faculdade de Direito. O primeiro sonho da pernambucana, hoje com 33 anos, foi concluído com sucesso ao cursar o Master of Laws (LLM) em Harvard. Depois, as vivências internacionais a levaram a ser aprovada para o staff da ONU, trazendo a realização de trabalhar no setor humanitário.
Honrada de integrar a Organização das Nações Unidas, Marina vem atuando há quase cinco anos no World Food Programme, o Programa Mundial de Alimentos, a maior organização humanitária destinada a promover segurança alimentar. Estava lá em 2020 quando o WFP recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelos esforços de combate à fome, provendo assistência a mais de 100 milhões de pessoas em 88 países.
Contar a trajetória de como ela chegou lá é um roteiro de dedicação. Roteiro esse que começou por acaso na ficção: uma das inspirações mais marcantes da Marina menina foi ter assistido ao filme “O Jardineiro Fiel”, de 2005, estrelado por Rachel Weisz e Ralph Fiennes. Na emoção do mergulho na personagem, uma ativista defensora dos direitos humanos, Marina se sentiu impactada e escolheu cursar Direito para, no futuro, fazer a diferença no mundo.
A aprovação na Universidade Federal de Pernambuco foi o primeiro ato. Mas antes de começar a faculdade, Marina queria uma experiência internacional. Assim que fez 18 anos, como não tinha recursos para os intercâmbios tradicionais, conseguiu um emprego como au-pair nos Estados Unidos logo antes de começar a faculdade. No retorno, o inglês virou complemento de renda, dando aulas em escola de idiomas em paralelo ao curso de Direito e diversos estágios na área.
Antes de se formar, participou do programa de Iniciação Científica, que despertou o interesse por pesquisa. E logo em seguida, com as economias das aulas de inglês e estágios, buscou mais uma oportunidade de atuar no Exterior: na Universidade de Grenoble, na França, a jovem de então 22 anos cursou diversas disciplinas como Direito Internacional e Common Law. Era a imersão que faltava para desejar emendar um mestrado na sequência da formatura.
Aprovada na primeira tentativa para Harvard
O foco no período de UFPE era obter o máximo de conhecimento das áreas para decidir em qual se especializar. Assim Marina estagiou em diversos órgãos, desde Defensoria Pública da Infância e Adolescência, Procuradoria da Fazenda Nacional e Tribunal Regional Federal. Chamou a atenção de um escritório de advocacia e entrou para a equipe de Direito Empresarial antes mesmo de ter OAB, prova para a qual passou em primeiro lugar no estado de Pernambuco. E não deixava de pensar em futuras oportunidades, em especial fazer o LLM em Harvard.
“Harvard era um sonho desde o começo, mas tive a sorte de ter mentores ao longo da vida que me empurraram e incentivaram a correr atrás. Ter esse apoio mudou a minha vida, porque sem eles provavelmente nem teria tentado”, conta Marina.
O dia em que recebeu o e-mail com o link do resultado da seleção foi inesquecível (e a gente consegue imaginar a cena de filme). Marina e a mãe leram a mensagem e começaram a chorar: a filha pulava de felicidade; a mãe derramava lágrimas de quem já antecipava o final da história, desde aquele momento imaginando que Marina não voltaria mais ao Brasil.
“Eu nem imaginava que ficaria fora do país tanto tempo, mas a minha mãe já intuía”, recorda.
Cursar um ano de Master of Law (LLM) em Harvard (2014 a 2015) foi possível também graças a outra aprovação, o processo seletivo como bolsista do Instituto Ling, que garantiu a segurança da dedicação full-time à pós-graduação. Aliás, uma curiosidade: anos depois, foi a vez do irmão de Marina, o jornalista Breno Pires, ser escolhido como bolsista Ling no programa Jornalista de Visão.
Do Brasil aos EUA e depois para Londres
Em outro feliz acontecimento no roteiro da vida, Marina estava concluindo o LLM quando conseguiu uma posição no escritório Cravath, Swaine & Moore LLP, um dos mais tradicionais e de prestígio nas Américas, com sede em Nova Iorque e um escritório em Londres. E foi para lá que Marina se mudou para trabalhar nos três anos seguintes, lidando com mercado de capitais, fusões e aquisições.
Você conhece a expressão “sink or swim”, afunde ou nade? A frase se refere a uma situação em que alguém deve ter sucesso por seus próprios esforços ou falhar completamente. Pois a brasileira conta que os primeiros tempos foram assim: mergulhando em projetos bilionários ou até trilionários, trabalhava intensamente para dar conta. Uma hora chegou a conta. Não pela carga do trabalho, e sim pelo tipo de satisfação vinda do dia a dia. Era a pulguinha do propósito coçando.
“Eu trabalhava tanto que nem tinha tempo de pensar no que queria fazer. Decidi pedir demissão e viajar, aquele famoso ‘mochilão’, que iria durar aproximadamente um ano”, lembra.
Partiu para a África, voltou para a Europa, voou para a Ásia e mais uma vez surgiu outro rumo. Encontrou uma ex-colega de Harvard que agora morava em Roma e trabalhava na ONU. Os olhos de Marina brilharam. Decidiu que iria concorrer na próxima vaga que surgisse. E a oportunidade apareceu no período mais inusitado do mochilão, quando a brasileira estava na ilha de Malapascua, nas Filipinas, realizando um treinamento de mergulho avançado para nadar com tubarões. Após entrevistas remotas em fusos horários distintos, veio a aprovação. Hora de fazer as malas.
Novo capítulo: vida nova na Itália
Marina entrou para a ONU por meio de um contrato temporário de dois anos no time jurídico de Direito Internacional, integrando o Programa Mundial de Alimentos. A aguardada primeira experiência em campo foi em Maputo, capital de Moçambique, em um centro de alojamento temporário para pessoas deslocadas pelo ciclone Eloise. O que viu ao vivo é difícil de resumir, mas Marina carrega até hoje o sentimento.
“Tendo crescido no Brasil e viajado muito, pensei que estaria mais do que preparada para ver a pobreza e o sofrimento de perto. Ainda assim, o que encontrei foi muito mais difícil do que imaginei. Perder sua casa, seus pertences e, às vezes, seus entes queridos para uma catástrofe é a coisa mais devastadora que pode acontecer a um ser humano”, relata.
“Não posso deixar de pensar que o que estamos dando a eles é tão pouco em comparação com suas necessidades inimagináveis. Mas também me lembro de que, sem coisas tão essenciais como comida, abrigo e higiene, eles nem seriam capazes de continuar lutando para reconstruir suas vidas... Então vamos continuar trabalhando.”
No ano passado Marina deixou o cargo de Staff Relations Officer para assumir a posição de Legal Specialist na UN Women (ONU Mulheres) em Nova York por seis meses. A organização oferece programas, políticas e padrões que defendem os direitos humanos das mulheres e garantem que todas as mulheres e meninas alcancem todo o seu potencial.
Dedicação, motivação e propósito alinhados, a vida profissional na ONU trouxe também uma grande contribuição à vida pessoal. Foi neste ambiente multicultural onde todos são estrangeiros que conheceu o namorado, também brasileiro, agora marido. Estão recém-casados após uma cerimônia em São Miguel dos Milagres, com direito a lua-de-mel no carnaval de Olinda.
Prestes a completar 33 anos no dia 9, logo após o Dia da Mulher, a Marina de agora envia um recado à Marina de 13 anos: abrir a mente, abrir as opções e as oportunidades. Aquele famoso “sonhar alto” lá do comecinho da história.
“Muitas vezes por ser mulher e jovem temos que trabalhar duro duplamente, como se fosse preciso se provar duas vezes mais. E por ser estrangeira, talvez três vezes mais. Mas a sociedade está mudando. A cultura vai mudando devagarinho. Aos poucos o viés inconsciente vai mudando… E enquanto isso a gente continua lutando para não perder as mudanças que foram conquistadas”.