À frente da Secretaria da Fazenda de SP, Samuel Kinoshita comenta seus novos desafios
Graduado em Economia pelo Insper (2003), Samuel Kinoshita é mestre em Economia pela Universitat Pompeu Fabra de Barcelona, na Espanha (2006) e também em Estatística pela Columbia University (2010), curso para o qual recebeu bolsa do Instituto Ling em 2008. Depois de intensa experiência no mercado privado, aceitou o desafio de trabalhar no setor público, convidado para ser assessor especial do Ministério da Economia de 2019 a 2021, dividindo-se entre São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Desde o início de 2023, atua como titular da Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo. Nesta conversa, realizada em um dos breves intervalos de sua extensa agenda, fica clara sua empolgação com o desafio de comandar a Sefaz-SP. Apaixonado por Economia, relata na entrevista suas principais experiências anteriores, recorda o tempo de estudos na pós-graduação em Nova York e detalha os principais desafios na atual posição que ocupa, reforçando a necessidade de São Paulo ser protagonista em uma reforma tributária, dando exemplo a todo o Brasil.
Como foi o período cursando o mestrado em Estatística na Columbia University?
A experiência foi fantástica. Estava buscando um curso quantitativo que me possibilitasse entrar no mercado de trabalho financeiro de Nova York. Já havia selecionado algumas escolas, eu tinha sido aceito em um programa de Finanças na Universidade de Berkeley, na Califórnia, e acabei optando por Columbia, pelo curso ser muito bom e o brand da universidade também, além da proximidade com o mercado financeiro de NY e o fato da minha esposa ter sido aceita no mestrado lá também. Pelo meu perfil, eu faria uma migração rápida para o front office, até pela minha experiência como economista. O intuito todo era esse. Em Columbia, foi fantástico porque não apenas fiz o treinamento básico quantitativo que eu queria, mas acabei indo além. Eu gostava muito de Econometria na graduação e achava que podia estudar mais, então esse lado mais estatístico/econométrico eu desenvolvi mais. E acabei também fazendo outras disciplinas, mesmo sem precisar de créditos, para aproveitar a experiência. Aproveitei muito o ambiente, tive uma média muito alta, o que chamam de GPA, meu score ficou em 3.9 de um máximo de 4. Fiz curso na Business School da universidade, no departamento de matemática, na escola de governo (School of International and Public Affairs, a Sipa). Este é o lado bom de ir para qualquer departamento e ter um conteúdo excepcional, é algo muito rico dos EUA. Sou muito grato pela bolsa do Instituto Ling. E se não consegui meu intuito original de acessar o mercado financeiro de NY foi porque ao longo do tempo na minha carreira fui andando por vias paralelas, construindo outra trajetória.
Como você conheceu o Instituto Ling e qual o impacto do curso em sua carreira?
O Instituto Ling foi absolutamente fundamental porque acabou destravando todo esse processo da pós-graduação. Às vezes existe uma restrição ativa do ponto de vista financeiro, e a bolsa possibilitou essa ida, pois naquela época eu tinha pouca reserva. Para além disso, tenho grande admiração pela família Ling como um todo e pelo impacto positivo que eles têm na sociedade, a mentalidade liberal, a veia empreendedora e a percepção de devolução para a sociedade. É uma forma muito bacana de gerar impactos multiplicativos e que se perpetuam. O processo seletivo me chamou muito a atenção, pois foi excepcional a dinâmica. Lembro que a gente acabou abordando até formas de raciocínio com relação a políticas públicas, em uma conversa de um nível extremamente elevado. Sinto uma satisfação muito grande e uma sensação de pertencimento. Sei que não sou o único bolsista que teve avanço na carreira e na vida por conta desta oportunidade.
Como foram suas experiências profissionais até o atual momento?
Eu trabalhava em uma consultoria econômica quando resolvi ir para os Estados Unidos fazer um mestrado quantitativo, mas já pensando em acessar o mercado financeiro de alguma forma. Tive um certo azar porque logo depois que cheguei lá, eclodiu a crise financeira de setembro de 2008 em diante, então o mercado americano estava muito difícil quando decidi retornar ao Brasil. Voltei para atuar como consultor macroeconômico até receber o convite para a BTG Pactual em 2011, onde apliquei o treinamento quantitativo que aprendi no curso. Passei para Renda Fixa, área de crédito que era comandada pelo meu amigo Gustavo Montezano, que veio a ser presidente do BNDES na administração Bolsonaro. Depois, em 2013, saí e fundei uma gestora de fundo multimercado junto com três amigos – todos gestores de recursos e eu economista-chefe. O fundo performou bem, mas a gente precisava de mais fôlego, então em 2016 fizemos uma associação com uma casa maio, a Bozano Investimentos, com participação do Julio Bozano, sendo que o principal sócio o Paulo Guedes. Nós passamos um processo de troca de ações, entregamos as nossas ações e adquirimos ações da Bozano, assim nos tornamos o time macroeconômico multimercado da Bozano. Com Paulo Guedes, tivemos já grande identificação por conta das nossas posições, das nossas percepções econômicas de maneira mais ampla. Na virada para 2017, o principal gestor do nosso time gerencial decidiu ir morar em Portugal. Acabou sendo uma prévia de como o trabalho remoto funcionava – e isso bem antes da pandemia surgir. Mas a grande dificuldade era convencer o mercado e os clientes que um time trabalhando à distância poderia funcionar. Hoje talvez a gente conseguisse, mas naquela época era uma questão de timing, então não era o mais apropriado e acabamos nos dissolvendo. Fui para outra gestora chamada Capital Investimentos, excelente gestora. Até que em 2018 fui convidado por Paulo Guedes e seus ideias liberais para “finalmente vamos conseguir alterar alguma coisa”. Não sou de acreditar em “mudar o mundo”, pois acredito que somos sempre um vetor de mudança. Claro que você quer que esse vetor tenha a maior dimensão possível, mas no fundo a gente altera em alguma medida o vetor resultante, mas sem poder de mudar o mundo por completo: a gente agrega, adiciona e impacta positivamente a resultante. E acredito que conseguimos isso ao longo do tempo. Então, em fevereiro de 2019, aceitei ser Assessor Especial do Paulo Guedes, que havia se tornado Ministro da Economia. Fiquei baseado em São Paulo e ia a Brasília todas as semanas. Nas segundas-feiras de manhã, tínhamos uma reunião com os secretários especiais, assessores especiais, o círculo íntimo do ministro da Economia. À tarde, havia a reunião mais importante da pauta, que durante todo o primeiro ano era a reforma da previdência. Voltava para SP no meio da semana, pois o ministro tinha um gabinete na Avenida Paulista na época, dentro do prédio do Banco do Brasil, para onde eu retornava na fase final da semana. O intuito era eu despachar de lá pelo menos um dia por semana, alinhavando as audiências que haveria na quinta-feira. E no final da quinta-feira ia para o Rio de Janeiro para despachar do gabinete de lá. Depois de um tempo, a ideia era que eu ocupasse uma posição de secretário especial para ter mais impacto; se fosse o caso, iria para Brasília. Isso seria implantado depois do Carnaval de 2020. Mas a chegada da pandemia de covid alterou totalmente os nossos planos. Estar dentro do governo no momento em que vem a pior crise sanitária em um século… Existe um dever. Todo mundo tinha que contribuir o melhor possível sem fazer um pleito individual ou que tivesse qualquer característica idiossincrática. Então foi assim durante todo o ano de 2020 e de 2021, até a hora em que realmente arrefeceu a questão da pandemia. Acho que apesar de todos os problemas a gente conseguiu implementar políticas públicas que protegem a população de maneira ampla, seja do ponto de vista das famílias, de prover pelo menos o mínimo de recursos, seja do ponto de vista das firmas, vários dos nossos programas funcionaram bem. Não estou aqui para fazer defesa do governo, e sim estou sendo bastante frio e racional como percebo as coisas que aconteceram. Ao longo desse processo em 2021, a minha esposa engravidou, nosso filho era esperado para dezembro de 2021, então fui construindo a minha saída, pois não fazia sentido ficar na ponte área indo e vindo de Brasília a São Paulo. No início de 2022, Paulo Guedes me liga para informar que Tarcísio de Freitas seria o candidato a governador em SP e que havia indicado meu nome para assessor econômico. Conversei com ele, que era ministro de Infraestrutura à época, e topei o convite de auxiliá-lo em todo o ano de 2022 no assessoramento. E então no início de 2023 fui convidado para ser secretário da Fazenda do Estado de SP, onde estou desde então.
Na sua visão, como se dá a relação entre economia e política e vice-versa?
A política econômica é uma junção de vários prismas. Tem um lado mais técnico, mas vejo que traz um alto impacto quando a pessoa consegue perceber a “economia política” do processo. É muito válido você ter uma abordagem, um arcabouço mental analítico, ter modelos para pensar os processos, mas se você não tem como entender o processo político (e isso eu já vi acontecer na trajetória de vários economistas), acaba tendo resultados inferiores ao que ele poderia ter conseguido ou imaginado. Aqui a atuação é na fronteira: um secretário da Fazenda é um técnico na fronteira do político, é estar entre o zero e o um. É preciso transitar pelos dois mundos. A técnica econômica é muito importante, mas este outro aspecto de compreensão do processo é o que diferencia. Essa minha visão foi se consolidando ao longo do tempo, principalmente no meu primeiro emprego, trabalhando em uma consultoria econômica que era de um economista que tinha uma forma de atuação muito ligada à política até que virou político de fato, o Delfim Neto. E de fato, sendo sincero, eu gosto muito de política.
Como Secretário da Fazenda no Estado de São Paulo desde o início deste ano, quais são as prioridades e os desafios atualmente?
Separo a minha visão para a administração em dois pilares: o primeiro é a modernização da administração tributária fazendária. O meu intuito aqui é criar em São Paulo o melhor ambiente de negócios do país. No que me compete, estritamente falando, quero criar um fisco que seja o mais simplificado, acessível e cooperativo possível com os contribuintes. O cidadão que está pagando corretamente seus impostos terá uma vida simplificada, facilitada. E com quem não estiver cumprindo suas obrigações teremos uma atuação bastante forte. Quero colocar o fisco de São Paulo em um patamar internacional, algo já bem mapeado pelos organismos multilaterais: um fisco moderno, que estimule a cooperação voluntária da sociedade. Temos várias iniciativas nesse sentido, como eliminação de obrigações acessórias, criando uma série de serviços para simplificar a vida do cidadão, robustecendo o lado de inteligência do fisco justamente para poder identificar quem está causando problema. Muitas vezes uma administração tributária tem o viés de criar normas para tentar evitar aquele 1% de comportamento deletério que existe, e assim acaba prejudicando a sociedade como um todo. E o pilar 2 da minha visão é um resgate do protagonismo paulista na discussão tributária. São Paulo historicamente tem esse papel, essa mentalidade migrante que existe, esse lado de culto ao empreendedorismo, de servir mesmo como uma liderança pelo exemplo. São Paulo tem que ser um farol de liberdade e progresso para o Brasil, em específico na minha área de atuação, na questão tributária. Acho que São Paulo ficou muito acanhado e isso foi ruim para o Brasil. A gente acabou percebendo nos últimos 30/40 anos um Brasil mais dependente. E a gente precisa de mais independência nos posicionamentos.
Tendo experiências tanto nos segmentos público como privado, quais são as principais diferenças que você observa?
No setor privado, as decisões são difíceis e consequentes, mas tudo ocorre de maneira muito mais rápida e direta. Você toma uma decisão e aquela decisão tem aplicação imediata. Já na administração pública suas decisões são ainda mais consequentes, mas não para o bolso de uma pessoa só, e sim para a sociedade como um todo, o que torna tudo mais importante ainda. No entanto, é um processo mais vagaroso, mais lento. Então saber construir os processos e conseguir motivar as mudanças é muito mais difícil. O que estamos tentando é construir uma cultura em que sempre se pergunte o que é melhor para a sociedade. Sabemos que a cultura do setor público leva muito mais tempo.
Como é um dia rotineiro da sua vida profissional hoje em dia, é reunião atrás de reunião?
Sim, reunião atrás de reunião. Acordo muito cedo, como sempre acordei na vida, atualmente por volta das 4h da manhã e faço uma leitura de todos os jornais. Faço uma reflexão para o dia e vou para o gabinete, ficando lá até o início da noite. Em casa, fico com minha esposa e meu filho de um ano e meio. A rotina de trabalho é estafante – e falar isso pode acabar até não atraindo gente boa para o setor público. Mas é muito recompensador ver que as decisões tomadas são importantes e vão gerar impacto por muitos anos na sociedade, como esse processo de modernização da sociedade que estamos fazendo, é algo que faz meu olho brilhar, é algo que vai construir para São Paulo e para o Brasil, pois as demais administrações quando veem um bom exemplo elas emulam e tentam vir atrás. Isso me deixa feliz e me motiva todos os dias.