Jefferson Kasa, uma história de determinação para transpor obstáculos
Quando compartilha sua trajetória de vitórias e superação, Jefferson Kasa sabe que pode inspirar mais pessoas com histórias parecidas. De origem humilde, contrariou amigos e parentes quando abriu mão da segurança do emprego em uma indústria para cursar a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Primeiro da família a ter diploma universitário, foi além: buscou uma pós-graduação no Exterior, sonho realizado ao entrar na escola de negócios da Stanford University para cursar MBA com bolsa do Instituto Ling. Hoje aos 42 anos, pai de família, atua no mercado financeiro em São Paulo e gosta de retribuir à sociedade as chances recebidas.
Esta história inspiradora é feita de vários capítulos de perseverança, driblando todo tipo de obstáculos. Desde criança, observava o ambiente onde crescia, vendo o quanto a falta de condições financeiras prejudicava a família, e questionava o que precisava fazer para mudar a situação. A mãe foi a primeira grande incentivadora, acreditando no poder da educação para mudar destinos.
— É a pessoa que sempre fez de tudo para os filhos terem um livro, para vermos o quanto isso era importante. Inclusive o presente mais valioso que ela tinha era um dicionário, tenho memórias de infância disso. A mãe dizia: “não tem problema você não gostar da sua vida. Se você quer sair dessa, estuda, corre atrás” — recorda Jefferson. — Então entendi que para crescer eu precisava me esforçar.
A entrada no curso técnico de mecânica industrial no SENAI foi o primeiro passo, pois iria garantir o sustento a curto prazo. Ali recebeu a motivação para o primeiro desafio: os 10 melhores alunos da turma seriam contratados para um emprego na Scania. E assim, com 16 anos, Jefferson conseguiu seu primeiro trabalho, na linha de produção dos caminhões em São Bernardo do Campo.
O grande sonho era cursar faculdade, então tratou de entender como chegar lá. Sabia que a USP - Universidade de São Paulo, era pública, mas como passar no disputado vestibular? Sem ter realizado um bom Ensino Médio (na época, Segundo Grau), precisava recuperar o que não havia aprendido. A solução foi estudar com as ferramentas disponíveis, desde gravar as tele-aulas do Professor Pasquale na TV aberta até formar um grupo de amigos para se debruçar sobre livros usados de exercícios. A persistência o levou também a ganhar uma bolsa para um cursinho pré-vestibular noturno no seu bairro. Com o dinheiro do salário da Scania, pagava um cursinho de inglês também.
— Olhando para trás, até eu me surpreendo com o nível de dedicação. Eu estudava em 100% do meu tempo livre, em todos os intervalos, acordando às 5 da manhã. Na minha cabeça, pensava: "se quero alcançar o objetivo que ninguém alcançou, tenho que fazer um esforço que ninguém fez." E tudo isso sem saber se daria certo.
Nas primeiras tentativas de vestibular para a USP, não foi aprovado. Intuitivamente sabia que tinha potencial, mas precisava de ainda mais tempo para estudar. Mesmo com a desaprovação da família e de colegas de trabalho, que achavam arriscado trocar o certo pelo duvidoso, largou o emprego para se dedicar ao cursinho. E ainda mirou mais alto: aos 19 anos, decidiu se inscrever no vestibular para Administração de Empresas na prestigiada FGV, a Fundação Getúlio Vargas.
— Em determinado momento comecei a pensar que a minha família poderia estar certa, que eu tinha cometido o maior erro da minha vida ao largar o emprego. Pois era uma carga tão gigante de estudos sem uma certeza de que ia dar certo. Era uma pressão que chega a ser difícil de explicar.
Com tanta dedicação, a aprovação veio. E outros desafios chegaram, como bancar a faculdade particular. Conseguiu financiar 80% da mensalidade, uma dívida a ser paga no futuro. Os 20% restantes eram obtidos na base do esforço, como sempre: Jefferson se sustentava como podia, sendo monitor e auxiliar dos professores.
— Viajava quatro horas por dia para ir e voltar da universidade, vivendo em dois mundos diferentes. Durante o dia me falavam de política internacional e, à noite, depois de pegar três metrôs e um ônibus lotado para chegar em casa, era exposto a pessoas na rua sem ter para onde ir — relata.
Este foi o período da “vida dupla”, como define Jefferson, que foi acumulando no período bolsas de estudo e prêmios. Na faculdade, recebeu reconhecimentos da instituição, como estar no quadro de honra dos alunos nos primeiros semestres, “provando que a falta de dinheiro não limita o sucesso”, em suas palavras.
— A mensalidade era mais cara do que o salário do meu pai, então eu sempre tive em mente que estava me endividando para ter esse diploma. Por isso, buscava ir até meu limite, ser o melhor — recorda Jefferson, que devido ao seu desempenho, foi também o primeiro aluno a conseguir bolsa integral na FGV, depois de muitas negociações com a universidade.
O início da vida profissional traz novas descobertas
O primeiro estágio na área foi no BankBoston, começando com tarefas operacionais e depois evoluindo, passando a ganhar o salário mais alto da família, mesmo como estagiário. Em um ambiente tão competitivo, Jefferson recorda que ninguém tinha muito tempo ou disposição de ensinar o básico da vida corporativa. Em certa ocasião ouviu um conselho do qual se lembra até hoje.
— Um chefe super parceiro me disse: "Vou dar uma dica física para você, para ajudar na sua carreira: compra roupa para ir trabalhar. Não vai de roupa rasgada” — conta Jefferson, emocionado na entrevista. — Lembro de pensar que precisava tomar mais cuidado com isso.
Neste período, outro desafio surgiu pelo caminho, exigindo igual dedicação. Em 2002, tomou conhecimento de uma competição internacional da Fundação Goldman Sachs. O objetivo era identificar e premiar o desempenho acadêmico e o potencial de liderança de estudantes de diversos países, com o prêmio de 10 mil dólares e uma viagem a Nova York. Para concorrer, precisava escrever as cartas de motivação, partindo de uma pergunta geral: "Explique as dificuldades que você passou pra chegar onde chegou”. Quem leu a história de Jefferson até aqui já imagina o resultado. O administrador foi um dos três brasileiros vencedores do concurso.
Chegou a hora da tão sonhada formatura na FGV, em 2004. Mas sem festa ou comemorações, de modo a economizar e também aproveitar outra oportunidade. Nessa época, Jefferson atuava como consultor na Bain & Company. De lá, seguiu carreira como gerente no Unibanco, aos 23 anos, onde ficou por dois anos. Em ambas as empresas, tomava conhecimento do currículo dos colegas de cargos mais altos e começou a cogitar cursar um MBA. Novamente, sabia que iria esbarrar na questão financeira, além da maratona de mais estudos, especialmente inglês e matemática. Mas por que não tentar?
Realizando o desejo da pós-graduação no Exterior
Mais uma vez voltou aos livros por conta própria. Seria preciso ter boas notas na proficiência em inglês e no exame GMAT, obrigatório para cursar um MBA no Exterior. Na primeira tentativa, o resultado veio abaixo do esperado. Conciliar com o trabalho estava mesmo complicado. Porém, em uma conversa com o chefe de sua esposa, que havia estudado em Harvard, veio o incentivo que faltava: se Jefferson fosse aprovado, podia contar com o curso pago por ele. Com um empurrão desses, hora de tentar mais uma vez.
— Escrever a aplication não foi difícil; difícil foi a minha vida — conta Jefferson, que no “essay” (ensaio) para as universidades se inspirou em uma frase do ator Christopher Reeve, , famoso pelo seu papel como Superman, que uma vez definiu herói como sendo apenas uma pessoa normal, capaz de procurar forças para persistir e resistir apesar de todos os obstáculos. Jefferson queria ser apenas esse tipo de herói, uma pessoa normal que servisse de inspiração e motivação para as pessoas ao seu redor.
A inscrição foi enviada somente para as principais instituições americanas e, Jefferson foi aprovado tanto em Stanford quanto em Wharton. Decidiu ir para a primeira e recebeu 60% de desconto em bolsa para o curso inteiro. Neste momento, para financiar outra parte da pós-graduação, Jefferson entrou para o processo seletivo do Instituto Ling e conseguiu também a bolsa, que considera essencial para garantir a temporada de estudos.
— Sou muito grato ao Instituto Ling até hoje e tento representar os valores que foram reforçados quando recebi a bolsa. Entendo que o aspecto financeiro é momentâneo, mas os valores são permanentes. A minha história, assim como a de outros bolsistas, têm em comum esse valor de retribuição. É algo que eu também valorizo.
Aqueles meses de MBA em Stanford são definidos pelo administrador como uma mudança de mindset. Acostumado até então a buscar ser o aluno número 1 em tudo, deparou-se com uma cultura diferente de aprendizado e resolveu aproveitar a experiência de forma mais prazerosa e relax, sem ultrapassar seus limites como fez por anos no Brasil.
Após o MBA, Jefferson focou em novo direcionamento de carreira. Da consultoria e do trabalho em banco de varejo migrou para a área de private equity. A primeira experiência foi no Banco Votorantim, seguido do cargo de senior associate no Banco de Investimento do Lazard (2012-2014). Recebeu convite para a BR Partners em 2014 como VP e tornou-se sócio em 2017. São quase 10 anos fazendo o que ama, vendo a empresa crescer e com orgulho de conquistas como fazer o IPO da empresa (abrir o capital para entrar na bolsa de valores) em 2021.
— Gosto muito de trabalhar nessa área: consigo conhecer inúmeros modelos de negócios, me relacionar com empresários e investidores e participar do ciclo de crescimento das empresas investidas. É um trabalho bastante analítico, mão na massa e que a todo momento você está construindo coisas novas.
Orgulhoso de ter participado de investimentos importantes ao longo da carreira, Jefferson recorda ainda o alívio que foi quando quitou todas as suas dívidas acumuladas por financiamentos.
— Dos 20 aos 38 anos convivi com dívida (estudantil e imobiliária) e me acostumei a dever. Eu não tinha insegurança com isso, sempre lidei bem, via mais como um investimento com alto retorno. Mas zerar todos foi uma conquista bastante relevante, senti que todo o investimento feito na minha formação valeu a pena.
Um conselho para quem também quer vencer obstáculos
Pai de dois meninos, Rafael (10 anos) e Felipe (8 anos), Jefferson vive em São Paulo com a esposa, que tem um histórico similar ao seu. Também estudou em escola pública, começou a trabalhar aos 16 anos e fez carreira no mercado financeiro, além de ter estudado na USP e ter duas pós-graduações na FGV e no Insper. Com este exemplo de ambos, Jefferson pretende que a trajetória seja uma inspiração para os filhos, despertando nas crianças a mesma vontade de estudar para progredir.
Entre as metas para o futuro, duas determinações. A primeira é ter mais equilíbrio entre vida profissional e pessoal: o histórico de virar madrugadas e finais de semana buscando se destacar na educação e na carreira resultou em um comportamento workaholic, que ainda tenta equilibrar. No tempo livre, gosta de jogar bola com amigos e ficar com a família fazendo qualquer tipo de atividade (assistir filmes, praticar esportes, jogar videogame e fazer viagens).
O outro projeto é seguir com seu perfil pro bono de retribuir as oportunidades recebidas. Desde ajudas pontuais a quem precisa de financiamento para estudar até os familiares próximos, passando ainda por instituições que no passado colaboraram com seus estudos, como a escola de inglês que lhe deu bolsa e hoje tem Jefferson no rol de conselheiros.
— Infelizmente o Brasil é um país de castas com baixíssima mobilidade social. Gosto de história de gente dedicada que desafiou o sistema através do estudo — destaca, e conclui com um pensamento inspirador a quem se identifica com sua história: — A vida realmente é uma maratona, onde a posição de largada é definida no nascimento. Para aqueles que largaram lá atrás e querem vencer, não há outro caminho senão correr mais que todos, trabalhar e estudar mais que todo mundo, e procurar ser o melhor em cada situação. Se for dedicado e determinado, as oportunidades irão se abrir primeiro para você.