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Sandro Felgueiras: rompendo o ciclo da desigualdade através da educação

Quando tinha 13 anos, o executivo Sandro Felgueiras Castro tomou uma decisão que mudaria seu futuro, com o objetivo de romper o ciclo da desigualdade na família. Agora, três décadas depois, aos 43 anos, avalia que sua trajetória profissional e pessoal foram profundamente transformadas pela educação. Desde a formatura na Engenharia Mecânica Aeronáutica do ITA, abraçou como propósito de vida atuar com impacto social.

Sandro Felgueiras: rompendo o ciclo da desigualdade através da educação

Para aperfeiçoar as habilidades como administrador, cursou MBA na prestigiada Kellogg School of Management, nos Estados Unidos, com bolsa do Instituto Ling, e retornou ao Brasil alternando experiências na iniciativa privada e no terceiro setor. Casado com Flavia, advogada e agora fotógrafa, autora das imagens que ilustram este texto, é pai do Alexandre, de 7 anos, e compartilha a seguir sua trajetória em detalhes para inspirar mais pessoas que também queiram superar desafios à base de muito esforço.

“Nasci em uma família bem humilde no interior do Rio de Janeiro. Meu pai era pedreiro, minha mãe dona de casa, cuidando de três filhos. Mas a recordação que tenho da infância é de que não faltava nada. Tive tudo o que era preciso para me desenvolver como ser humano. Nunca senti o estigma de ser pobre, pois brincava na rua com crianças da vizinhança. Hoje olhando para trás vejo que tudo era bem simples.

A começar pelos deslocamentos: vivíamos em Seropédica, a 100 km do centro do Rio. De ônibus, o transporte levava três horas. Meu pai viveu essa rotina por 40 anos. Nas férias escolares, como eu sempre passava de ano sem ficar em recuperação, ele levava eu e meu irmão junto para os canteiros de obra. Entendemos desde cedo que a vida seria dura se não fizéssemos nada para mudar aquela realidade.

Lembro que uma tia achava um absurdo as crianças indo junto. A verdade é que sou muito grato, pois meu pai é um homem carinhoso e soube passar a lição essencial: se você não estudar, essa é a vida que terá. Foi um estímulo muito poderoso para eu buscar a melhor educação possível.

Um cartaz colado no mural da escola mudou o meu destino. Lembro até hoje da imagem: uma foto aérea do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), onde aparecia a biblioteca toda envidraçada com seu telhado branco. Aliás, quando penso em paraíso, é a imagem da biblioteca que me vem à cabeça. Naquela hora meu professor de Matemática me viu hipnotizado pelo anúncio. Então me disse que, se eu quisesse ter sucesso na vida, era para lá que deveria ir.

Eu nem sabia onde esse ‘lá’ ficava, mas iria descobrir. São José dos Campos, em São Paulo, a top escola de Engenharia do país, virou meu objetivo. Eu já tinha um perfil mais nerd, era o único que prestava atenção nas aulas e sofria chacota por este comportamento. Montei um plano de estudos, do jeito que um adolescente de 13 anos faria. O professor me trouxe uma prova do vestibular do ITA de 1993 e comecei a me dedicar.

Primeiro eu precisava de um Ensino Médio mais forte. O plano A era estudar em um Colégio Naval, da Marinha, em Angra dos Reis. Lá, passei nas provas escritas, mas fui reprovado por ser daltônico. Que balde de água fria! Parti para os planos B e C. Passei para o curso técnico em Biotecnologia no IFRJ (Instituto Federal do Rio), que ficava no centro da cidade. Não tinha nada a ver com Engenharia, nem Biologia caía na prova do ITA, mas era a opção disponível.

Repeti o mesmo trajeto do meu pai, três horas para ir e três para voltar, todos os dias, pelos anos seguintes. Estudava de dia e trabalhava como técnico em um laboratório algumas horas. Passava todo o tempo livre estudando para o vestibular, trancado na biblioteca.

Encerrado o Ensino Médio, fiz prova para todos os cursinhos da região. Reprovei em todos. Até que consegui bolsa no Curso Roquette, pois em vez de aplicarem provas antigas, queriam saber o potencial do aluno por meio de exercícios de raciocínio lógico, e não de conhecimentos existentes. O professor me mostrou que eu tinha muitas defasagens de aprendizado e me convidou a fazer aulas no pré-vestibular de Medicina, o mais exigente, para reforço.

Passei a estudar literalmente nos três turnos. De manhã com os vestibulandos de Medicina, de tarde e de noite nas turmas focadas no ITA e IME (Instituto Militar de Engenharia). Dormia menos de quatros horas por dia devido aos deslocamentos. E totalmente sem grana: tinha dias que comia só um pacote de biscoito.

Na reta final eu estava cansado, mas cada vez que cogitava desistir eu pensava no que diria ao meu pai. A ideia morria. Tinha vergonha só de imaginar a conversa. Eu passava o dia sentado, enquanto meu pai subindo e descendo pegando peso, nem tinha comparação o cansaço.

Foram 11 meses e 13 dias assim. Havia passado as férias de inverno na casa da minha vó, revisando conteúdos sem descanso, e ela dizia: “meu neto vai ficar maluco assim, vai endoidecer”. Mas depois desse intervalo sem aulas é que tudo deslanchou. Passei a ocupar os primeiros lugares nos simulados. E então passei nos vestibulares do ITA e do IME em 2000. Isso descortinou um novo mundo para mim.

Tive a oportunidade de conhecer gente do Brasil inteiro, pessoas muito inteligentes. Quando me elogiam, respondo que sou esforçado. É diferente de ser inteligente. Com certeza é um valor, mas é outro valor. Nada foi fácil, nada nunca caiu do céu. Eu me esforcei e deu certo.

Havia idealizado tanto o ITA que cheguei lá achando que seria a Nasa (a agência espacial americana). Na prática era bem diferente. Onde mais me encontrei na faculdade foi participar das iniciativas dos alunos, como a ITA Jr (empresas júnior dos alunos do ITA). Fazíamos projetos para empresas da região. Eu nem sabia que isso era Engenharia também. E resolver problemas em equipe era o que eu gostava de fazer.

Uma iniciativa que marcou a minha carreira foi a oportunidade de ajudar outras pessoas como eu. Conheci o curso Alberto Santos Dumont (Casd Vest), um preparatório para pessoas carentes em São José dos Campos. Entrei de cabeça como voluntário. Um dia fui visitar o local e os alunos estavam de bobeira, sem aula, pois não tinha professor de redação. Pedi para todos voltarem para a sala e que cada um pegasse uma folha de papel e escrevesse um texto sobre as motivações para estudar.

Segui como educador até um desafio maior surgir em 2004. A sede do Casd era uma cessão temporária e chegara a hora de sair do prédio. Antevendo aquele momento, eu já havia montado o plano para construir uma sede. Iríamos pedir o terreno para a prefeitura e fazer captação de recursos. Virei presidente do cursinho e, junto a colegas, batemos de porta em porta nas empresas. Levei mais de 100 “nãos”, mas atingimos a meta! O prédio foi inaugurado em 2006, com capacidade ampliada para 500 alunos.

Segui a carreira corporativa por um tempo depois: fiquei dois anos como trainee do Itaú e mais três na BRmalls, a maior holding de shoppings da América Latina, como analista e depois coordenador, administrando setores e equipes. Em 2010, para realizar um sonho, decidi fazer um MBA. Queria muito a experiência de morar fora, viver como na época do ITA em uma escala global.

Voltei a estudar, desta vez focado no inglês para o TOEFL (teste de proficiência) e GMAT. Fiz várias vezes cada uma das provas até ter nota suficiente para as applications. De novo não foi fácil: o ano era 2009, eu tinha 29, morava no Rio e ia de ônibus aos finais de semana para São Paulo para as aulas do Megaron Test and Prep Admissions.

O esforço deu frutos: passei na seleção da Kellogg School of Management, na Northwestern University, onde morei de 2010 a 2012. Não conseguiria ter ido sem o apoio financeiro da bolsa do Instituto Ling, fundamental para ter segurança naquele período fora do país. A dívida com a universidade (custos de alojamento e mensalidades) foi paga ao longo de 10 anos. Concluí no ano passado e foi um alívio!

O sonho de atuar na educação ao retornar dos EUA foi realizado: após trabalhar um ano na consultoria McKinsey, fui convidado para ser gerente sênior da Kroton Educacional S/A, focada em ensino superior privado. Participei dos bastidores da fusão da Kroton com a Anhanguera, que gerou a maior empresa de educação do mundo na época, com 1 milhão de alunos.

De lá, saí para colaborar com o Instituto Sonho Grande, sem fins lucrativos, focado em desenvolver políticas para melhoria da educação pública brasileira. Quando começamos o projeto era uma folha de papel. E pela premissa non-profit, ganhava menos do que antes. Tudo pela causa! Ainda por cima nesta época minha esposa estava grávida do nosso filho. Mas eu sentia que ali era meu lugar, ainda sem saber nada de terceiro setor. Fomos aprendendo na prática.

Os aprendizados do MBA e da McKinsey nos nortearam na pesquisa. Fizemos um levantamento de tudo que já havia sido feito no mundo em termos de educação, sem descartar nada. Meses de estudo intensivo para não reinventar a roda. Mapeamos duas frentes importantes: a primeira é de que intervenções na Educação Infantil potencializam o aluno ao longo de toda sua vida escolar. A segunda é que o Ensino Médio, que no Brasil é um buraco, precisa ter uma visão integral. É um ciclo vicioso: o aluno chega com aprendizado estagnado desde o Fundamental, não vê sentido em continuar estudando e cai no subemprego.

Fiquei quatro anos no Sonho Grande como COO, desenvolvendo projetos, parcerias e estratégias na educação. Tivemos enormes avanços e até hoje o Instituto segue atuando fortemente. Para a minha vida pessoal, a dedicação intensa me custou a saúde, cheguei a desenvolver uma arritmia. Voltei para a iniciativa privada e trabalhei na Estácio de Sá/Yduqs, holding de educação, como diretor de operações e depois head de uma unidade de negócio até o fim da pandemia.

Em 2022 encerrei meu ciclo em educação, mas ainda está no meu DNA perseguir ações de impacto social. Como o período em que atuei no PicPay na área de Open Finance, democratizando crédito no Brasil, dando acesso a quem não tinha chance de ter contas bancárias. Agora estou analisando novas oportunidades profissionais, tocando em paralelo um projeto confidencial. Na vida pessoal, aproveito o tempo livre para aprender música, gosto de piano e violão como hobby. Estudo também Logosofia, uma ciência voltada ao conhecimento de si mesmo, e atuo como voluntário há 20 anos na Fundação Logosófica.

Conto minha história para que meu exemplo inspire outras pessoas, assim como sei que inspirou vários alunos e também meu irmão mais velho e minha irmã a buscarem a melhor qualificação possível para suas carreiras. Acredito que seja possível romper o ciclo da desigualdade no nosso país. Todas as pessoas devem ter o direito de evoluir e lutar por uma vida melhor.”

01.12.2023

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