Uma história de perseverança, determinação e geração de oportunidades
É com emoção à flor da pele que o administrador Cassius Leal recorda dos perrengues que passou até chegar aonde queria. A infância e a juventude difíceis foram motivação para buscar mais conhecimento, como nas duas pós- graduações, em Berkeley e Chicago. Rodou o mundo trabalhando no mercado financeiro, na Inglaterra, Espanha e Portugal. De volta ao Brasil, cofundou a ONG Primeira Chance e hoje estende a mão a empreendedores novatos.
Ler o currículo do administrador de empresas Cassius Leal pode dar a ideia de que tudo foi muito fácil e orgânico. Formado em Administração pela USP, com pós-graduações em Matemática Aplicada, Finanças pela Universidade da Califórnia – Berkeley e um MBA pela Universidade de Chicago, é também advogado e contador pela Universidade Anhembi Morumbi. Rodou o mundo trabalhando no mercado financeiro, na Inglaterra, Espanha e Portugal. E, quando bem-sucedido, decidiu retribuir através de uma ONG que apoia jovens com alto potencial acadêmico.
O que nenhum CV mostra, mas ele faz questão de compartilhar para inspirar outras pessoas, é a trajetória que o levou a cada conquista. A infância e a juventude difíceis foram motivação para buscar oportunidades melhores. É com emoção à flor da pele que Cassius recorda dos obstáculos que enfrentou para chegar onde queria.
Natural de Mogi das Cruzes, a 50 km de São Paulo, saiu de casa cedo para estudar técnico em informática em São José dos Campos. Pedia carona na estrada para visitar os pais aos finais de semana. A alimentação diária, invariavelmente, era à base de macarrão instantâneo. Não vislumbrava mudanças na rotina caso não tomasse alguma atitude.
“Eu tinha um sonho, que era ser rico, para ajudar minha família. Decidi que iria trabalhar em algum lugar que tivesse muito dinheiro. Onde tem dinheiro? Nos bancos. Então essa era a meta”, conta.
O começo da jornada
Estudou 12 horas por dia, durante um ano inteiro, por conta própria e realizou o item 1 da lista: passou em Administração na USP. Hora do segundo item: procurar emprego em bancos. Foram dezenas de bancos: todos o rejeitaram, dos pequenos aos grandes.
“Houve até um banco que fez uma análise psicológica com base na minha letra. Responderam que eu seria um bom soldado, nunca um general. Me desanimei depois de tantas negativas”.
Precisando de trabalho para ficar na Capital paulista, começou a dar aulas particulares. E graças a elas conseguiu sustento e muito mais. Certo dia, a mãe de um aluno do colégio Bandeirantes ligou desesperada, pois o filho estava prestes a rodar em Química. Lançado o desafio, o professor Cassius não só ajudou o rapaz a passar, mas também atingiu um recorde. O estudante havia tirado a nota mais alta de todo o colégio depois de uma semana.
“A mãe ligou chorando, super agradecida. Aquilo me deu uma injeção de ânimo. As palavras dela me tocaram. Decidi voltar ao meu sonho. E foi quando finalmente consegui um emprego em banco”, recorda o administrador.
Uma nova meta ambiciosa
Foram cinco anos neste primeiro emprego, e Cassius ainda sentia que estava empacado. Ganhava o equivalente a dois salários mínimos e não sabia como alavancar a carreira. Até que se deparou com uma reportagem na revista Exame sobre o universo dos MBAs, citando a melhor universidade de finanças do mundo - a Universidade de Chicago.
“Na hora decidi que iria fazer de tudo para estudar lá. Mas havia dois problemas: eu não falava inglês e não tinha dinheiro. Custava 100 mil dólares na época. Peguei livros de inglês por conta própria para estudar e fui atrás de financiamento, mas não consegui nada”, lembra.
Antes de dar tempo de desanimar, descobriu a existência do Rotary Foundation e as bolsas de estudo. Preparou-se para a seleção: eram 1.800 candidatos para duas vagas. No dia da entrevista, quem estava lá? A mãe do menino do Bandeirantes, da aprovação de quatro anos atrás. Sua recomendação para a bolsa foi decisiva. Cassius arrumou as malas para estudar em Berkeley, na Califórnia.
“Na cara e na coragem, consegui emprego em um banco de investimentos de lá. Mas ainda sonhava com Chicago. Pois me candidatei e entrei! Agora ninguém me segura”, pensava Cassius, que voltou ao Brasil fazendo contas e mais contas, pois a meta era altíssima.
Uma bolsa aqui e mais outra e mais outra
Rolou até vaquinha entre amigos para se capitalizar. Juntou o suficiente para pagar a matrícula do curso e mais três meses de aula, de um total de dois anos de MBA. Partiu mesmo assim para estudar em Chicago: o resto daria um jeito no meio do caminho. Mas esse “jeito” demorou a acontecer.
“Não tinha dinheiro para comer e para morar em lugar algum. Passei a dormir em um banco de rodoviária e comia restos do McDonalds. E o pior é que ninguém sabia, não contei para ninguém: nem colegas, nem familiares. Foram os três meses mais difíceis da minha vida”, narra Cassius, emocionado a cada palavra lembrando aquele tempo.
O medo de passar necessidades era maior do que levar outros “nãos”, então ele se jogou em várias oportunidades. Surgiu uma parceria da faculdade com uma universidade da Alemanha para quatro meses na Europa. Mais uma vez, o jovem embarcou sonhando com dias melhores. Ao mesmo tempo, ganhou uma bolsa parcial da própria faculdade e também passou na seleção de bolsistas do Instituto Ling: ambas garantiriam recursos para mais um período, porém somente no ano seguinte. O que faria até lá?
“Às vésperas de sair da Europa, eu não sabia o que fazer, como iria continuar. Decidi mandar um e-mail gigante, desesperado, para um colega de turma em Chicago, pedindo um fiador para um empréstimo. Ele me respondeu com uma frase: só sua palavra basta”, e aqui Cassius se emociona de novo, chamando o amigo de “anjo da guarda”, por garantir a segurança dos anos seguintes.
Crescimento na carreira até o auge
Encerram-se aqui os obstáculos, pois a partir de então só houve ascensão. Os 20 anos seguintes foram vividos intensamente no mercado financeiro. Atuou vários anos na Merrill Lynch na Inglaterra e Espanha, foi Tesoureiro do HSBC para Espanha e Portugal. Trabalhou depois como MD responsável pela área de derivativos estruturados de renda variável para a América Latina na Goldman Sachs.
Casou-se com a Carol (“Minha mulher é minha rocha, por ter me apoiado sempre”), é pai de três meninas – Nicole, Olívia e Jade – e padrasto da Lara e do Ricardo. Depois de ter batalhado tanto, seria esperado atingir uma certa idade e se aposentar tranquilo? Não, não para Cassius.
“Fiquei rico, como tanto queria, mas não estava feliz”, admite.
Passou a ter outro sonho: trabalhar com propósito. Ajudar outras pessoas virou uma meta. Assim, acabou sendo um dos fundadores da Primeira Chance (www.primeirachance.org), ONG que promove a transformação social de jovens com potencial, investindo em sua educação, a fim de causar impacto positivo para eles, suas famílias e comunidades.
“O Primeira Chance é muito mais que um projeto social, ele transforma vidas e gerações.”
Em 2013, ao convidar o Instituto Ling para ser um dos apoiadores do Primeira Chance, Cassius conseguiu um resultado ainda melhor: o estabelecimento da parceria entre as duas instituições para seguir ajudando os jovens após o término do Ensino Médio. Surgia o Programa VOAR, que concede bolsas de estudos aos egressos da Primeira Chance aprovados nas melhores universidades do Brasil. Desde 2014, 57 ex-bolsistas da organização receberam apoio do Programa Voar. Cassius segue como Conselheiro da Primeira Chance desde 2011 .
O amplo conhecimento do mercado financeiro o motivava a ir além. Começou a observar os principais problemas que atingiam empreendedores novatos, que sofriam por não terem como gerenciar todas as pontas de um negócio, como aspectos jurídicos e financeiros, principalmente. Para aprender ainda mais, hora de estudar novamente. Aos 45 anos, começou a faculdade de Direito. Aos 46, a de Contabilidade. Aos 47, em julho de 2016, surgiu a Advys: uma start-up para facilitar a vida do empreendedor, oferecendo contabilidade digital, consultoria e serviços de apoio a empresas. Por meio de planos de assinaturas, disponibiliza tecnologia ágil a preço justo. Já são 14 mil clientes.
Como se não bastasse tudo isso, ainda houve uma outra jogada ousada: Cassius se candidatou ao reality show Shark Tank Brasil. O programa de TV permite ao participante lançar suas ideias de negócios para grandes investidores – os “Tubarões" – na esperança de ter aportes financeiros. O empresário buscou um investimento de R$ 200 mil em troca de ceder 5% da empresa. E conseguiu convencer os Sharks de que a Advys é mesmo um bom negócio.
E há outros negócios: Cassius é dono de uma agência de publicidade, sócio em um fundo de fusões e aquisições e está prestes a assumir como CEO de uma holding educacional. O segredo de fazer tanta coisa ao mesmo tempo é aprender a trabalhar de forma inteligente, delegando tarefas, mas principalmente montando times eficientes.
“Em lugares de alta performance todo mundo é bom. É como ser técnico do Real Madrid: é tudo jogador de seleção”, compara. E, concluindo, ao fim do dia é tudo sobre CPFs, não CNPJs: “Negócios são feitos por pessoas, para pessoas, entre pessoas. Se soubermos identificar nossos colaboradores de uma forma mais adequada, podemos ajudá-los a crescerem e melhorarem”.