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As questões ético-filosóficas presentes em Máquinas como Eu, de Ian McEwan

Lançado em 2019 pelo aclamado autor britânico Ian McEwan, o romance Máquinas Como Eu é uma obra audaciosa e subversiva, recheada de questões sobre ética, moralidade, justiça e os limites entre o humano e o artificial.

 

Era uma aspiração religiosa abençoada pela esperança, era o Santo Graal da ciência. Nossas ambições eram tão sublimes quanto mesquinhas — a realização de um mito da criação, um monstruoso ato de amor-próprio. Tão logo se tornou factível, não nos restou alternativa senão perseguir aquele objetivo sem pensar nas consequências. Em termos mais elevados, tínhamos como meta escapar de nossa mortalidade, confrontar ou mesmo substituir a divindade por um eu perfeito. Do ponto de vista prático, tencionávamos criar uma versão melhorada e mais moderna de nós mesmos, exultando com a alegria da invenção e a excitação da maestria. No outono do século xx, isso por fim aconteceu, os primeiros passos rumo à realização de um velho sonho, o início de uma longa lição em que nos ensinaríamos que, por mais complicados que fôssemos, por mais defeituosos e difíceis de descrever em nossas ações e comportamentos menos complexos, podíamos ser imitados e aperfeiçoados. E lá estava eu, ainda jovem, um dos primeiros e ávidos entusiastas naquela frígida alvorada.

(Ian McEwan em Máquinas Como Eu, p. 9)

 

A OBRA

A história do livro Máquinas Como Eu acontece em um mundo distópico do nosso, em relação ao tempo e ao espaço, em uma Londres alternativa de 1982. Os Beatles ainda estão juntos e a tecnologia é bastante avançada, graças aos esforços do matemático Alan Turing, o pai da computação, que segue vivinho da Silva. Na vida real, Turing cometeu o suicídio em 1954, dois anos após a condenação por homossexualidade. O uso de smartphones é algo do cotidiano e o desenvolvimento da inteligência artificial chega em seu auge, com o aparecimento dos primeiros robôs, o mais perto possível de uma versão humana. A Grã-Bretanha acaba de perder a Guerra das Malvinas e a primeira-ministra Margareth Thatcher está em um momento delicado, devido à instabilidade gerada por esse fato e pela disputa política com Tony Benn.

Charlie é o narrador-protagonista, um homem de 32 anos que vagou entre diferentes áreas durante o seu período na universidade, enfim se formando em Antropologia. Sem um emprego fixo, seu sustento vem de investimentos na bolsa de valores, geralmente malsucedidos, ganhando apenas o suficiente para viver. No entanto, recebe um valor considerável de uma herança, que decide investir na compra de um dos primeiros lotes de um modelo de robô quase humano, tanto na aparência quanto nas possibilidades de programação... Adão (!), o robô, tem corpo másculo e é capaz de fazer rápidas pesquisas sobre qualquer tipo de informação disponível, além de se auto aprimorar.

Apaixonado por sua vizinha, 10 anos mais jovem e que cursa doutorado em História Social, Charlie vai usar Adão para se aproximar de Miranda e, a partir daí, o leitor acompanha todos os desdobramentos dessa história, que parte da relação cotidiana entre esses três personagens.

O livro traz à tona discussões ético-filosóficas envolvendo não somente a questão da inteligência artificial e dos avanços tecnológicos, mas o nosso próprio comportamento diante dos limites que nosso vão julgamento pode encontrar. Ao trazer questionamentos filosóficos importantes, desde a nossa percepção sobre o sentido da vida e a própria definição sobre o que é humanidade, Ian McEwan vai refutar a ideia de uma pura leitura de ficção científica, conforme esclareceu em entrevista: “Estou mais interessado em Adão como humano do que como máquina. Estou interessado no foco psicológico, em saber o que é a consciência da máquina. Se me perguntarem se é um livro de ficção científica, eu diria que não.” Assim, a obra nos coloca diante de diferentes situações cotidianas, recheadas de dúvidas, tensões e surpresas!

 

O AUTOR

Ian Russell McEwan, 21 de junho de 1948, Aldershot, Inglaterra. Estudou literatura inglesa nas universidades de Sussex e de East Anglia, onde teve aulas com  Malcolm Bradbury (romancista e crítico britânico). Logo em suas primeiras publicações recebeu grande destaque com os contos First Love, Last Rites (1975) e In Between the Sheets (1978). Outros títulos como O Jardim de Cimento, Amsterdam e The Cement Garden, entre outros, também se destacaram logo na primeira década de carreira.

McEwan é um escritor, romancista, contista e roteirista. Ao longo do tempo foi abordando temas de conflitos pessoais e sociais, obsessões e perturbações, com um senso de humor bastante ácido e satírico, que vai marcar sua escrita. Suas obras abrem espaço para discussões políticas, dramas familiares, crises climáticas, racionalidade científica, questões filosóficas e críticas aos fundamentalismos religiosos, entre outros assuntos que rodeiam nossas vidas no contemporâneo. Seus livros ficaram conhecidos pela atmosfera de suspense e reviravoltas surpreendentes. A soma de títulos aclamados, que contam com traduções para mais de 30 idiomas e alguns deles adaptados para o cinema e TV, contribuiu para a nomeação de Ian como um dos maiores ficcionistas de sua época, deixando seu legado para a literatura contemporânea.

 

PREMIAÇÕES

McEwan recebeu uma série de prêmios pelo seu trabalho, sendo alguns deles:

 

CURIOSIDADES

Você sabia que McEwan recebeu no começo da carreira o apelido de “Ian macabro” pelo seu tipo de escrita? O próprio já falou em entrevistas sobre a relação entre obra e autor e o quanto é difícil escapar de si mesmo. 

McEwan desenvolveu um longa relação com o cinema, entre adaptações e títulos escritos para o cinema, podemos destacar: Estranha Sedução (1990), O Inocente (1993), O Fardo do Amor (2004), Na Praia de Chesil (2018), Um Ato de Esperança (2017).

Um dos seus títulos mais conhecidos, Atonement, foi adaptado para o cinema: estrelado por Keira Knightley e James McAvoy, o filme Desejo e Reparação acabou vencendo o Oscar em diferentes categorias e alçando ao patamar de fenômeno editorial o livro de McEwan.

 

DICAS DO LING

Separamos alguns filmes adaptados de obras de Ian disponíveis para assistir online: Desejo e Reparação (Amazon Prime Video), Um Ato de Esperança (Telecine Play ou YouTube Filmes).

Ficou com vontade de ler Máquinas Como Eu? Essa e outras obras de Ian McEwan você encontra no site da Companhia das Letras. Você também pode adquirir a versão física na Livraria Bamboletras, de Porto Alegre.

Em 2016, a Companhia das Letras promoveu um encontro com os escritores Ian McEwan e David Grossman. Assista na íntegra no canal do YouTube da editora.

 

REFERÊNCIAS

Site oficial Ian McEwan. Disponível em: www.ianmcewan.com/

TENDINHA, Rui Pedro. Todo o cinema de Ian McEwan. Diário de Notícias. 2018. Disponível em: www.dn.pt/cultura/todo-o-cinema-de-ian-mcewan-9533640.html

Encyclopedia Britannica. Biografia de Ian McEwan. Disponível em: https://www.britannica.com/biography/Ian-McEwan

MAIRELES, Maurício. Ian McEwan investiga a natureza de máquinas e homens em livro. Folha de São Paulo. 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2019/06/ian-mcewan-investiga-a-natureza-de-maquinas-e-homens-em-livro.shtml

RÜSCHE, Ana. Ian McEwan e a versão perfeita de nós mesmos. Pernambuco Jornal Literário. Disponível em: https://suplementopernambuco.com.br/edi%C3%A7%C3%B5es-anteriores/72-resenha/2304-ian-mcewan-e-a-vers%C3%A3o-perfeita-de-n%C3%B3s-mesmos.html

Site do Fronteiras do Pensamento. Disponível em: https://www.fronteiras.com/conferencistas/ian-mcewan

DANIEL, Caroline. A reviravolta que fez Ian McEwan rever sua própria história. Valor Econômico. 2012. Disponível em: https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2012/09/11/a-reviravolta-que-fez-ian-mcewan-rever-sua-propria-historia.ghtml