As rupturas de tradição e as inovações do Modernismo
Em um mundo que, no curto espaço de tempo, viu monarquias, repúblicas e democracias ruírem, que viveu a ascensão do horror nazista na Europa e que assistiu a transferência do poder econômico e cultural da Europa para os Estados Unidos, não é de se surpreender que os artistas tenham perdido a fé no progresso e se desprendido da tradição.
CONTEXTO HISTÓRICO
O que chamamos de Modernismo ainda causa certa confusão quanto a seus marcos e limites e, por isso, recorremos a filósofa e crítica de arte Anne Cauquelin para favorecer algumas definições. Em linhas gerais, a arte moderna pode ser entendida como aquela praticada de 1860 até a intervenção da arte contemporânea, mas para entender um pouco mais traremos as ideias de moderno, modernidade e modernismo.
Moderno é geralmente sinônimo de atual, novo, aquilo que é do tempo presente. Modernismo pode ser entendido como um comportamento diante das inovações socioculturais. Modernista é, pois, aquele que é a favor da novidade. Modernidade é um conjunto de traços da sociedade e da cultura que pode ser detectado em determinado momento e local. Ou seja, existe a “modernidade de 2020”, na mesma medida que existiu a “modernidade de 1920”. Mas, a partir de Charles Baudelaire — que publicou, em 1863, o artigo O Pintor da Vida Moderna —, a noção de modernidade passa a ser aquilo que está na moda, aquilo que é “transitório, fugidio, o contingente” e é essa modernidade que deve guiar a estética. Então, quando o conceito de modernidade se funde à prática estética é o que chamamos de arte moderna.
E como já falamos em Baudelaire, você deve imaginar que o local em que a arte moderna surge é Paris — que da virada do século 19 e até o início da Segunda Guerra (1939) se torna a capital do mundo ocidental. É lá que a cidade urbana se desenvolve em seu esplendor: o relógio, a luz elétrica, a Torre Eiffel e as Feiras Mundiais, os estúdios de fotografia, as salas de cinema. É nesse cenário que, em 1874, acontece a exposição de certos “artistas independentes” no estúdio do fotógrafo Nadar. O que eles queriam? Com a invenção de um instrumento de apreensão mecânica da realidade, a máquina fotográfica, esses artistas desejavam reformular a essência da pintura, colocando em xeque a arte até então valorizada pelos salons (salões). Os impressionistas, como ficaram conhecidos, queriam a “ruptura com o antigo sistema de academicismo” (CAUQUELIN, 2005, p.52), que oferecia apenas uma escola — a de Belas-Artes —, um único salão — o de Paris — e um único júri que determinava quem era comissionado pelo Estado.
O rebuliço causado por eles fez com que o mercado da arte se expandisse e, de certo modo, se popularizasse, afinal, alguém precisava reconhecer e remunerar estes artistas. É nesta mesma Paris, pouco tempo depois, que outra ruptura é feita. Desta vez pelo pincel de Pablo Picasso (1881-1973). Sua ruptura tem a ver com a representação: ele contesta a quase-incontestável perspectiva renascentista. Essa onda de rejeição ao passado vai se espalhar por toda a Europa e nas Américas até encontrar seu expoente mais radical em Zurique e nos Estados Unidos — o dadaísmo. O “movimento Dadá é uma contestação absoluta de todos os valores, a começar pela arte” (ARGAN, 1992, p.353). É desta vanguarda que surge o objeto de arte mais contestador (e por que não irônico?) da arte moderna: A Fonte, de Marcel Duchamp (1887-1968). Ao deslocar um mictório de seu lugar original e apresentá-lo como obra de arte, com assinatura e tudo, Duchamp rasga as regras do jogo e muda a história da arte.
PRINCIPAIS EXPOENTES
Escolhemos alguns artistas e obras fundamentais do Modernismo para que você fique com gostinho de quero mais! Para visualizar as obras, basta clicar nos nomes sublinhados.
Impressionismo
Claude Monet (1840-1926): Nascer do sol, 1872, Museu Marmottan Monet, Paris, França
Pierre-Auguste Renoir (1841-1919): Dance at Le Moulin de la Galette, 1976, Musée d'Orsay, Paris, França
Édouard Manet (1832-1883): Almoço na Relva, 1863, Musée d'Orsay, Paris, França
Edgar Degas (1834-1917): A aula de dança, 1871-1874, Musée d'Orsay, Paris, França
Berthe Morisot (1841-1895): Child in the Rose Garden, 1881, Wallraf-Richartz Museum, Colonia, Alemanha
Mary Cassatt (1844-1926): Mother Combing Her Child's Hair, 1879, Brooklyn Museum, Nova Iorque, EUA
Pós-impressionismo
Paul Cézanne (1839-1906): As banhistas, 1898-1905, Philadelphia Museum of Art, Filadelfia, EUA
Van Gogh (1853-1890): A noite estrelada, 1889, MoMA, Nova Iorque, EUA
Paul Gauguin (1848-1903): As Mulheres do Taiti, 1891, Musée d'Orsay, Paris, França
Edvard Munch (1863-1944), O Grito, 1893, Galeria Nacional, Oslo, Noruega
Georges Seurat (1859-1891): Banhistas em Asnières, 1884, National Gallery, Londres, Inglaterra
Henri Matisse (1889-1954), La Danse II, 1910, Hermitage Museum, em São Petersburgo, Rússia
Expressionismo
Grupo Die Brücke (A Ponte):
Ernst Ludwig Kirchner (1880-1938): Pintura de rua em Berlim, 1913, Neue Galerie New York, Nova Iorque, EUA
Grupo Der Blaue Reiter (O Cavaleiro Azul):
Franz Marc (1880-1916): Cavalo azul, 1911, Lenbachhaus, Munique, Alemanha
Wassily Kandinsky (1866-1944): Fuga, 1914, Beyeler Fondation, Riehen, Suíça
Cubismo
Pablo Picasso (1881-1973): Les demoiselles d’Avignon, 1907, MoMA, Nova Iorque, EUA |
Violino e uvas, 1912, MoMa, Nova Iorque, EUA | Guitarra, 1913, MoMA, Nova Iorque, EUA
Guernica, 1937, Museo Reina Sofia, Madri, Espanha
Georges Braque (1882-1963): Garrafas e peixes, 1910-1912, Tate Modern, Londres, Inglaterra
Futurismo
Filippo Tommaso Marinetti (1876 - 1944): Manifesto Futurista, 1909
Umberto Boccioni (1882 - 1916): Formas únicas de continuidade no espaço, 1913, MoMA, Nova Iorque, EUA
Curiosidade: um dos heterônimos de Fernando Pessoa, Álvaro de Campos foi fortemente influenciado pelos futuristas. Exemplo disto são os poemas Ode Triunfal e Ode Marítima.
Dadaísmo
Tristan Tzara (1896-1863) e Hugo Ball (1886-1927): Manifesto dadaísta, 1916
Marcel Duchamp (1887-1968): A Fonte, 1917, Tate Modern, Londres, Inglaterra
Hannah Hoch (1889-1978): Pequeno Sol, 1969, Whitechapel Gallery, Londres, Inglaterra
Elsa von Freytag-Loringhoven, a Baronesa (1874-1927): foto da Baronesa, entre 1920-1925, Biblioteca do Congresso, Washington DC, EUA
Surrealismo
André Breton (1896-1966): Manifesto Surrealista, 1924
Joan Miró (1893-1983): O sorriso das asas flamejantes, 1953, Museu Reina Sofia, Madri, Espanha
Salvador Dalí (1904-1989): A persistência da memória, 1931, MoMa, Nova Iorque, EUA
René Magritte (1898-1967): A traição das imagens, 1928-1929, Los Angeles County Museum of Art (LACMA), Los Angeles, EUA
Maria Martins (1894-1973): O Impossível, 1945, MAM-Rio, Rio de Janeiro, Brasil
PARA ENTRAR NO CLIMA
Viaje para dentro das pinturas de Van Gogh através da exposição imersiva A noite Estrelada, realizada pelo Atelier des Lumières! Assista também ao longa metragem de animação Com amor, Van Gogh (2017), de Dorota Kobiela e Hugh Welchman. Disponível no Netflix, Google Play e YouTube.
Em Curtindo a Vida Adoidado, um dos filmes mais populares dos anos 80, os personagens principais passam o dia no Art Institute of Chicago. Nesta visita, eles se divertem entre icônicas obras do Modernismo e o personagem Cameron até para na frente d‘Uma Tarde de Domingo na Ilha de Grande Jatte, de Georges Seurat. A cena é inesquecível!
A Bauhaus foi uma das mais influentes escolas vanguardistas de arte, design e arquitetura na Alemanha entre 1919-1939. Tinha como propósito a criação de obras funcionais e até hoje é tida como inspiração para arquitetos e designers. Em comemoração ao centenário da Bauhaus, em 2019, tivemos o lançamento da série da HBO Bauhaus: A New Era, de Lars Kraume e o filme Bauhaus, de Gregor Schnitzler, que aborda a importância das mulheres na escola. Você pode se aprofundar mais no tema com o documentário Bauhaus: The Face of the 20th Century (1994), de Frank Whitford.
Já tentou imaginar como eram as aulas da Bauhaus? A youtuber Vivi Villanova fez um vídeo curtinho propondo alguns exercícios de criação que a famosa escola fazia. Você também pode conferir o vídeo em que ela fala sobre as vanguardas artísticas.
Conheça as mulheres incríveis que fizeram parte das vanguardas modernistas na série de vídeos também do canal de Vivi Villanova (Vivieuvi) no Youtube, que traz 5 nomes importantes de mulheres para cada movimento artístico: Impressionistas, Surrealistas, Bauhaus e Dadas.
Assista ao filme Um Cão Andaluz (1928), de Luis Buñuel. Considerado uma das obras mais emblemáticas do cinema surrealista, o roteiro do filme foi escrito por Buñuel e Salvador Dalí.
A Fonte, de Marcel Duchamp, é um dos objetos de arte mais importantes do último século. Mudou todas as regras do jogo e continua a inspirar artistas por todo o planeta! Em 2009, o Museu Nacional de Arte Moderna do Rein Unido colocou a obra num banheiro público de Liverpool e você pode ver a conversa interessante que rolou sobre essa ação em um vídeo no canal do YouTube da Tate.
REFERÊNCIAS
ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna: do Iluminismo aos movimentos contemporâneos. Tradução: Federico Carotti e Denise Bottmann. São Paulo: Cia. das Letras, 1992.
CAUQUELIN, Anne. Arte Contemporânea: uma introdução. Tradutora Rejane Janowitzer. São Paulo: Martins, 2005.
Aula sobre Vanguardas Históricas e Arte Contemporânea. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Otosj4-lMz0&list=PL-5888xShjYrhPDVOzMqrmVoMEAaPcB98&index=7