Foto: Bruno Cantini/Atlético Foto: Bruno Cantini/Atlético

O cotidiano nos versos de Adélia Prado

 

Domingo

 

Na minha cidade, nos domingos de tarde,

as pessoas se põem na sombra com faca e laranjas.

Tomam a fresca e riem do rapaz de bicicleta,

a campainha desatada, o aro enfeitado de laranjas:

‘Eh bobagem!’

Daqui a muito progresso tecno-ilógico,

quando for impossível detectar o domingo

pelo sumo das laranjas no ar e bicicletas,

em meu país de memória e sentimento,

basta fechar os olhos:

é domingo, é domingo, é domingo

 

Adélia Luzia Prado de Freitas nasceu em Divinópolis, Minas Gerais, onde vive até hoje. Escreveu seus primeiros versos em 1950, aos 15 anos, no período que seguiu o falecimento de sua mãe. Apesar de escrever desde jovem, foi aos 40 anos que publicou seu primeiro livro de poesia. Filósofa, professora, contista, escritora e poeta, talvez o segredo e também principal ensinamento de Adélia seja descobrir cada um o seu tempo e vivificar as coisas simples da vida. 

 

"Deus é mais belo que eu. E não é jovem. Isto sim, é consolo."

Adélia Prado

 

SOBRE A OBRA

De escrita simples, na forma de escrever e no conteúdo, a obra de Adélia vai trazer o aspecto da religiosidade, desligado de pregação ou moralismos. O luto, a memória da infância e o afeto pela cidade natal são outros elementos que também fazem parte de sua escrita. Adélia respira o lugar geográfico e o lugar psíquico e os coloca para fora, em verso. Os acontecimentos ordinários do dia a dia são verdadeiras joias para a poeta mineira. Essa vai ser a atmosfera de sua obra, que trata ainda do feminino sob diferentes faces – o próprio feminino, a sexualidade e os papeis sociais, culturais e históricos da mulher.

Em Com Licença Poética, ela literalmente pede licença ao seu grande mestre, Carlos Drummond de Andrade, e parafraseia um de seus conhecidos poemas, fazendo uma espécie de antítese ao Poema de Sete Faces.

Com licença poética, interpretado por Marília Gabriela para a Revista Bravo!

 

“O que interessa mesmo é a sua vidinha, porque você não tem mais que ela, você não tem mais do que as vinte e quatro horas do dia, ninguém tem mais do que isso. E é nessa experiência pequenininha, miserável, limitada, carente, que eu vou dar uma resposta ao absurdo da minha existência e do mundo.” (trecho de entrevista)

 

Com formato e linguagem livres, os versos de Adélia vão abusar do coloquialismo e da oralidade, associando a sua obra ao modernismo brasileiro.

 

“A poesia da mineira percorre dois caminhos muito importantes: de um lado o cotidiano, olhando para a simplicidade da vida e das coisas com as quais a vida dialoga; de outro, a metafísica, esse esforço de compreender o sobrenatural [no sentido cristão do termo] a partir do pensamento abstrato. Esses dois caminhos se cruzam o tempo todo em sua obra, fazendo com que a complexidade do metafísico ganhe imagens do cotidiano, e a vida ‘comum’ seja compreendida em toda a sua extensão. Adélia escreve em versos brancos e livres, numa atitude prosaica que lembra muitas vezes a obra de Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa, mas mantendo a força das imagens”, Fernando Brum, Doutor em Letras (UFRGS).

 

CURIOSIDADES

Revelada por Drummond em uma crônica no Jornal do Brasil em 1975, o poeta dizia que São Francisco de Assis estava ditando poemas para uma dona de casa da pacata cidade de Divinópolis, em Minas Gerais.

Outros grandes poetas inspiraram Adélia Prado, principalmente aqueles a quem chama de Santíssima Trindade: João Guimarães Rosa, Clarice Lispector e Carlos Drummond de Andrade. A esse último, a poeta agradece pelo uso de versos livres (que não possuem métrica) e versos brancos (que não possuem rima), pois, afinal, a poesia é ritmo.

 

PREMIAÇÕES

 

DICAS DO LING

Conheça mais sobre o pensamento da autora no especial feito pela Assembleia de Minas Gerais, em 2018. Na entrevista, disponível no YouTube, Adélia fala sobre sua obra, religiosidade, o feminino e o momento político do Brasil. 

Em Poesia Reunida (2016), encontram-se todos os poemas de Bagagem, O Coração Disparado, Terra de Santa Cruz, O Pelicano, A Faca no Peito, Oráculos de Maio, A Duração do Dia e Miserere. O livro também traz textos de Carlos Drummond de Andrade e Affonso Romano de Sant’Anna e posfácio de Augusto Massi. Disponível para compra em formato e-book na Amazon e Kobo.