Oliveira Silveira: conheça um dos idealizadores do Dia da Consciência Negra
Sou a bombacha de santo
Sou o churrasco de Ogum
Entre os filhos desta terra
naturalmente sou um.
Sou o trabalho e a luta
suor e sangue de quem
nas entranhas desta terra
nutre raízes também.
Versos do poema “Sou”, de Oliveira Silveira
VIDA
Um dos nomes mais representativos por trás do Dia Nacional da Consciência Negra, Oliveira Silveira nasceu no dia 16 de agosto de 1941 em Touro Passo, distrito de Rosário do Sul, no Rio Grande do Sul. Viveu no interior até os seus 18 anos, quando se mudou para Porto Alegre, em 1959. Chegando à capital gaúcha, começou a trabalhar na Editora Globo, ao mesmo tempo em que seguia os estudos no Colégio Estadual Júlio de Castilhos, onde também escrevia para o jornal da escola. Pouco tempo depois, ingressou no Curso de Letras da UFRGS e publicou o seu primeiro livro, “Germinou: poemas”, em 1962. Três anos mais tarde, no final de 1965, recebeu o título de licenciado em Língua e Literatura - Português e Francês. Casou-se com Julieta, com quem teve a única filha, Naiara, atualmente responsável pelo acervo do pai e pelo importante trabalho do Instituto Oliveira Silveira.
Ao longo de sua trajetória, o escritor exerceu o magistério em paralelo à produção literária e ao ativismo cultural e identitário das causas negras, se tornando um dos intelectuais mais importantes do movimento no Brasil. Integrante e um dos fundadores do Grupo Palmares, que atuou nos anos 1970, Oliveira Silveira participou ativamente da proposição do dia 20 de novembro como Dia da Consciência Negra. Alusiva à morte de Zumbi dos Palmares, a data foi defendida pelo grupo em contraposição ao 13 de maio, data da assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel, que abolia a escravidão mas não garantia os direitos humanos da população negra brasileira. Celebrada há 50 anos, foi a partir das pesquisas e da proposição do Grupo Palmares que aos poucos a data foi sendo assimilada e difundida pelo país, tornando-se enfim o Dia Nacional da Consciência Negra, através da Lei 12.519, de 2011.
Em 2021, Oliveira Silveira completaria 80 anos, celebrados com diferentes iniciativas culturais e educativas, entre elas a criação do Instituto Oliveira Silveira, que disponibiliza ao público toda a sua obra e trajetória a partir do endereço https://www.ufrgs.br/oliveirasilveira/ . O poeta nos deixou em 2009, aos 67 anos de idade.
Ser e Não Ser
O racismo que existe,
o racismo que não existe.
O sim que é não,
o não que é sim.
É assim o Brasil
ou não?
Oliveira Silveira
OBRA
A poesia de Oliveira Silveira carrega uma forte influência de autores modernistas como Aimé Césaire e Léopold Senghor, que trouxeram em seus textos as questões da negritude. Amigo de Oliveira Silveira, o também poeta e professor Ronald Augusto, comenta:
“(...) a poesia do Oliveira Silveira tem uma vertente que o Oswaldo de Camargo chama de afro-gaúcha, porque tem vários poemas em que ele acentua a condição do negro gaúcho e das contradições do que é ser um negro em um estado super racista como o nosso.”
Também vamos encontrar em sua obra uma vertente existencial e filosófica profunda, como destaca o escritor Jeferson Tenório em entrevista ao Jornal da UFRGS. O professor de literatura, Antônio Hohlfeldt, comenta ainda que a obra de Oliveira Silveira vai se caracterizar pela pluralidade de temas, para além das questões da negritude, como o erotismo, a questão feminina e o gauchismo. Para a poeta Lilian Rocha, ele era capaz de escrever poesias com um eu lírico extremamente profundo e intenso, conseguindo ser romântico mesmo em meio a sua vocação para os textos de cunho social.
Dono de versos ao mesmo tempo universais e que traziam aspectos muito próprios do contexto local e de suas origens, a obra de Oliveira Silveira oferece muitas leituras, demonstrando a riqueza e a originalidade de sua escrita.
À Africa
Às vezes te sinto como avó,
outras vezes te sinto como mãe.
Quando te sinto como neto
me sinto como sou.
Quando te sinto como filho
não estou me sentindo bem eu,
estou me sentindo aquele
que arrancaram de dentro de ti.
Oliveira Silveira
Durante sua vida, Oliveira Silveira publicou dez títulos individuais de poesia e participou de antologias e coletâneas, no Brasil e no exterior. Além disso, publicou artigos, reportagens, contos e crônicas. Escreveu também alguns textos teatrais, como cenas e montagens simples, assim como música popular, tendo seus poemas musicados por figuras como Wado Barcellos, Aírton Pimentel, Paulinho Romeu, entre outros.
Aqui a lista completa de sua obra individual:
Germinou: Poemas. Porto Alegre: Edição do Autor. 1962.
Poemas Regionais. Porto Alegre: Edição do Autor. 1968.
Banzo, Saudade Negra: Poemas. Porto Alegre: Edição do Autor. 1970.
Décima do Negro Peão. Porto Alegre: Edição do Autor. 1974.
Praça da Palavra: Poemas. Porto Alegre: Edição do Autor. 1976.
Pelo Escuro: Poemas Afro-gaúchos. Porto Alegre: Edição do Autor. 1977.
Roteiro dos Tantãs. Porto Alegre: Edição do Autor. 1981.
Poema sobre Palmares. Porto Alegre: Edição do Autor. 1987.
Anotações à Margem. Porto Alegre: Unidade Editorial Porto Alegre: Edição do Autor. 1994. (Coleção Petit POA)
Orixás: Pintura e Poesia. Porto Alegre: Unidade Editorial Porto Alegre: Edição do Autor. 1995. Pinturas de Pedro Homero.
Bandone do Caverá. Porto Alegre: Edição do Autor. 2008.
Em 2012, o poeta Ronald Augusto organizou a coletânea Oliveira Silveira - Obra reunida, pelo Instituto Estadual do Livro, reunindo os poemas escritos por Oliveira e sua bibliografia.
CURIOSIDADES
Integrante da terceira geração do movimento modernista, a poeta e teatróloga carioca Stella Leonardos comparou Oliveira Silveira ao também poeta James Mercer Langston Hughes, um dos idealizadores do Renascimento do Harlem, movimento cultural que atravessou os anos 1920, fazendo florescer diferentes expressões artísticas como uma nova militância na afirmação dos direitos civis dos negros.
Desde 2015, a Fundação Cultural Palmares promove a publicação de obras literárias inéditas relacionadas às culturas afro-brasileiras, por meio do Prêmio Oliveira Silveira.
O Conselho Universitário da Universidade Federal do Pampa aprovou, por unanimidade, no dia 04 de novembro de 2021, o título de Doutor Honoris Causa ao poeta Oliveira Silveira.
DICAS DO LING
Assista ao documentário SOU (2010), de Andreia Vigo. Um registro histórico-poético sobre a identidade afro-gaúcha, tendo como base a vida e a obra de Oliveira Silveira.
No próximo sábado, em comemoração ao cinquentenário do Dia da Consciência Negra, a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (OSPA) promove um concerto especial, que também terá transmissão online em seu canal de Youtube.
Confira a obra de Oliveira Silveira neste site.
REFERÊNCIAS
CHIDIAC, Paula. Oliveira Silveira ganha instituto para divulgar sua obra e o acervo que constituiu em Porto Alegre. GZH, 2021. Disponível em:
<https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/livros/noticia/2021/09/oliveira-silveira-ganha-instituto-para-divulgar-sua-obra-e-o-acervo-que-constituiu-em-porto-alegre-cktkl76z200700193zl892iq4.html> Acesso em 10 nov. 2021.
GLORIA, Rafael. A poesia universal do negro-gaúcho Oliveira Silveira. Portal Gelédes, 2020. Disponível em: <https://www.geledes.org.br/a-poesia-universal-do-negro-gaucho-oliveira-silveira/> Acesso em 10 nov. 2021.
JORGE, Frencieli. Unipampa concederá título Doutor Honoris Causa a Oliveira Silveira. UNIPAMPA.EDU, 2021. Disponível em: <https://unipampa.edu.br/portal/unipampa-concedera-titulo-doutor-honoris-causa-oliveira-silveira#:~:text=O%20Conselho%20Universit%C3%A1rio%20(Consuni)%20da,20%20de%20novembro%2C%20Dia%20da> Acesso em 10 nov. 2021.
MACHADO, Sátira. Quem foi Oliveira Silveira? (parêntese), 2021. Disponível em: <https://www.matinaljornalismo.com.br/parentese/nossos-mortos/quem-foi-oliveira-silveira/> Acesso em 10 nov. 2021.
OLIVEIRA SILVEIRA. literafro, 2021. Disponível em: <http://www.letras.ufmg.br/literafro/autores/353-oliveira-silveira> Acesso em 10 nov. 2021.
WOLFF, Mauricio. Oliveira Silveira. Ufrgs.br/oliveriasilveira, 2021. Disponível em: <https://www.ufrgs.br/oliveirasilveira/> Acesso em 10 nov. 2021.