Foto: Rogério Reis Foto: Rogério Reis

A poesia autobiográfica de Carlos Drummond de Andrade

 

“(...)

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde e lentamente passo a mão nessa forma insegura. Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se. Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico. É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.”

(trecho de A flor e a náusea)

 

 

BIOGRAFIA

Em 31 de outubro de 1902 nascia na pequena cidade de Itabira, no interior de Minas Gerais, aquele que se tornou um dos maiores poetas brasileiros, Carlos Drummond de Andrade. De origem abastada, ele era o nono filho do fazendeiro Carlos de Paula Andrade e de Julieta Augusta Drummond de Andrade. Durante a infância e juventude estudou em Itabira, Belo Horizonte e Rio de janeiro — nesta última, no Colégio Anchieta, onde foi expulso por “insubordinação mental”.

Em 1920, muda-se com a família para Belo Horizonte e pouco tempo depois publica seus primeiros trabalhos no jornal Diário de Minas; passa a frequentar o meio literário mineiro, tornando-se amigo de Aníbal Machado, Alberto Campos, Pedro Nava, Milton Campos, entre outros. Por pressão paterna, ingressa, em 1923, no curso de Farmácia, no qual gradua-se, mas nunca atuou profissionalmente na área. No ano seguinte, conhece, no Grande Hotel de Belo Horizonte, Tarsila do Amaral, Blaise Cendrars, Oswald de Andrade e Mário de Andrade — com este trocou inúmeras correspondências ao longo da vida —, que regressavam da famosa “expedição cultural” às cidades históricas de Minas Gerais.

Em 1925, junto com escritores como Manuel Bandeira e Mário de Andrade, Drummond vai publicar A Revista, periódico modernista que teve apenas 3 edições, criado para divulgar as ideias do grupo de jovens intelectuais. Nessa mesma época, se casa com Dolores Dutra de Moraes, sua companheira até o final da vida, com quem teve dois filhos, Carlos Flávio e Maria Julieta. O primeiro filho viveu por pouco tempo e inspirou um dos poemas mais tocantes de Drummond, O Que Viveu Meia Hora; já sua filha foi seu grande amor e tinham uma relação de amizade muito forte. Drummond considerava que sua vida não tinha grandes acontecimentos, pois levava uma vida comum e o que tinha para ser contado ele já havia transformado em poesia.

Nos anos 30, foi viver com a família no Rio de Janeiro, onde trabalhou por mais de uma década como chefe de gabinete de seu amigo de infância, Gustavo Capanema, no Ministério da Educação. Esse período foi importante para que Drummond pudesse perceber o governo por outras perspectivas e modificasse seu posicionamento político. Além de poeta, foi redator, professor, funcionário público, crítico literário, chegou a trabalhar em alguns programas de rádio entre os anos 1950 e 1960 e foi um grande amante do cinema.

Estátua de Drummond em Copacabana, no Rio de Janeiro. Foto: divulgação.

 

“Sinto-me um pouco sem assunto todas as vezes que alguém me pede para contar minha vida. Por dois motivos: primeiro, porque minha vida é realmente pobre de acontecimentos, do ponto de vista da história de quadrinhos, da biografia política ou pitoresca; segundo, porque o que há nela de assunto já está contado tão claramente em meus livros, que não sobra nada para a conversa. Se sobrasse, não deixaria de aproveitá-lo para mais alguns versinhos... Minha poesia é autobiográfica. [...]”

Entrevista concedida ao Jornal de letras em março de 1955 (trecho retirado do site Projeto Memória)

 

O ano de 1987 foi de perdas para família Drummond de Andrade, pois Julieta, filha do poeta, veio a falecer em decorrência de um câncer. Carlos — que era muito próximo a ela — faleceu apenas 12 dias depois, em 17 de agosto, por problemas cardíacos; e foi enterrado junto a filha. Seu último poema, Elegia a um tucano morto, foi publicado no livro Farewell, organizado por Drummond e lançado postumamente em 1996.

 

 

OBRA

Carlos Drummond de Andrade é, para muitos (muitos mesmo!), o maior poeta brasileiro. Entre estes muitos, Antonio Candido, um dos grandes críticos literários do país, que afirmava que a literatura brasileira nasceu nos anos 1930 e Drummond é o seu maior expoente. Com ele, a poesia lírica deixou de ser mero derramamento de lágrimas, caso dos poetas românticos; ou apenas empenho formal, caso dos parnasianos; ou, ainda, áspero embate com o passado, como os poetas modernistas de 1922. É a partir de Drummond que a poesia lírica passa a pensar originalmente no indivíduo e na história.

Drummond é o ponto máximo da lírica moderna no Brasil: ele se inspirou na tradição local  — não só de seus contemporâneos, Mário de Andrade e Manuel Bandeira, como também poetas brasileiros que vieram desde o romantismo — assim como bebeu dos grandes poetas europeus, como Baudelaire e Valèry. O uso do “verso livre abre a poesia para o mundo prosaico; o lirismo se articula com a narração do mundo cotidiano; a alta revelação se mistura à matéria da vida comum” (SANSEVERINO, 2008, p.6.), mas o poeta não fica preso à forma moderna, ele também faz uso do verso simétrico, bem como usa as formas consagradas no passado (ode, elegia, soneto). Sua linguagem inventiva e sugestiva também não se limita a ismos: ele bebe das inovações radicais da vanguarda (a expressão coloquial e prosaica) na mesma medida que absorve a tradição lírica ocidental (o tom sublime). O resultado disso é uma linguagem de infinitas faces, sua abundância de sentidos nunca para de surgir.

Em seu Antologia Poética, o próprio escritor enquadrou seus poemas em sete temas básicos: a reflexão existencial — que se divide entre a interpretação do eu e a do estar-no-mundo; o passado; a poesia social; o amor; a meta-poesia; o cotidiano; o cantar de amigos.

 

A obra de Drummond é vasta e a importância do poeta pode ser sintetizada por este trecho do crítico literário e membro da Academia Brasileira de Letras, José Guilherme Merquior.

 

“Ele dirigiu o olhar do lirismo para o significado humano do estilo existencial moderno. Desde então, tornou sua escrita extraordinariamente atenta a dois fenômenos de base da evolução histórica do país: o sistema patriarcal e a sociedade de massas. (...) Cantor da terra e da cidade, analista sutil da criação poética, escritor fascinado pelas paixões do homem e pela ordem do mundo, ele é  depois de Machado de Assis — com quem divide tanto o humor desiludido quanto a atitude lúdica no tocante à forma e ao verbo — o principal exemplo na literatura brasileira da obra literária voltada à problematização da vida.”

 

 

 

PREMIAÇÕES

1945 - Prêmio pelo Conjunto de Obra da Sociedade Felipe d’Oliveira

1963 - Prêmios Fernando Chinaglia da União Brasileira de Escritores e Luísa Cláudio de Sousa do PEN Clube do Brasil pelo livro Lição de coisas

1974 - Prêmio de Poesia da Associação Paulista de Críticos Literários

1975 - Prêmio Nacional Walmap de Literatura

1980 - Prêmios Estácio de Sá de jornalismo e Morgado Mateus (Portugal) de poesia

1982 - Título de Doutor honoris causa pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte

1993 - Prêmio Jabuti na Categoria Poesia pelo livro O amor Natural

1997 - Prêmio Jabuti na Categoria Poesia  pelo livro Farewell

 

Nota:

Carlos Drummond de Andrade recusou os prêmios: Brasília de Literatura (1975), oferecido pela Fundação Cultural do Distrito Federal, e o Troféu Juca Pato (1983), oferecido pela União Brasileira de Escritores. 

 

CURIOSIDADES

Você sabia que nosso querido Drummond já foi tema de samba-enredo? Em 1987, ele foi homenageado pela Estação Primeira de Mangueira no samba “No Reino das Palavras”. 

Que o Drummond tem uma estátua na beira da praia de Copacabana você já sabia, não é? Mas e que ele e Mário Quintana estão trocando um dedo de prosa bem no centro de Porto Alegre você sabia? O monumento em homenagem aos poetas foi feito pelos artistas Xico Stockinger e Eloisa Tregnago e está localizado no coração da Praça da Alfândega, local que abriga a famosa Feira do Livro da cidade. 

A poesia de Drummond já inspirou até desfile de moda! Em 2005, o estilista mineiro Ronaldo Fraga lançou a coleção de inverno Todo Mundo e Ninguém. As roupas tinham bordados e estampas feitas a partir de poemas de Drummond. Confira a coleção e saiba mais sobre o desfile.

Em 1926, Heitor Villa-Lobos compôs uma serenata sobre o poema Cantiga do Viúvo, escrito por Drummond e Osvaldo Lacerda. Escute na voz da soprano Maria Lúcia Godoy.

 

DICAS DO LING

Quer ler mais poemas do Drummond? Separamos alguns títulos para você:

 

Sentimento do Mundo | Boitempo - Esquecer para Lembrar | Boitempo - Menino Antigo |

 

Amar se aprende amando | Antologia Poética | A rosa do povo | Outros títulos 

 

Que tal ouvir a poesia de Drummond na voz inconfundível de Belchior? O cantor musicou 31 poemas do poeta no álbum As Várias Caras de Drummond (2004). Disponível no Youtube.

Selecionamos dois programas disponíveis no YouTube para você viajar com a gente pela vida e obra do poeta! Confira os especiais da TV Brasil e TV Cultura.

Assista ao documentário Drummond – Testemunho da Experiência Humana (2011), de Maria de Andrade realizado para o Projeto Memória

 

REFERÊNCIAS

GONZAGA, Sergius. Curso de Literatura Brasileira. Porto Alegre: Leitura XXI, 2004.

MERQUIOR, José Guilherme. II. KITSCH E EFEITISMO. Disponível em: https://www.academia.org.br/academicos/jose-guilherme-merquior/textos-escolhidos

SANSEVERINO, Antônio Marcos V. O Poeta e o Crítico, Diálogo entre Drummond e Candido. Curitiba: Editora UFPR. Revista Letras, Nº 74, 2008. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/169741/000723814.pdf?sequence=1&isAllowed=y

Sem autor: Drummond, Testemunho da Experiência Humana. Disponível em: http://www.projetomemoria.art.br/drummond/

WERNECK, Humberto. Cronologia do poeta: Carlos Drummond de Andrade. Disponível em: https://www.carlosdrummond.com.br/conteudos/visualizar/Cronologia