Fernando Pessoa Fernando Pessoa

Fernando Pessoa: seus muitos heterônimos e mais de 25 mil páginas de poesia, contos e críticas literárias

Autopsicografia

 

O poeta é um fingidor

Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dor

A dor que deveras sente.

 

E os que leem o que escreve,

Na dor lida sentem bem,

Não as duas que ele teve,

Mas só a que eles não têm.

 

E assim nas calhas de roda

Gira, a entreter a razão,

Esse comboio de corda

Que se chama coração.           

                  

                                               Fernando Pessoa. Autopsicografia. Presença, Coimbra, n°36, 1932.

 

VIDA

Fernando Antônio Nogueira Pessoa nasceu em Lisboa, no dia 13 de junho de 1888. Aos cinco anos, perdeu o pai, funcionário público e crítico musical, que faleceu de tuberculose. No ano seguinte, sua mãe se casa com o cônsul de Portugal em Durban, na África do Sul, onde Fernando Pessoa vai viver até os 17 anos.

Com apenas sete anos, Pessoa vai criar o seu primeiro heterônimo, Chevalier de Pas, e escrever o primeiro poema, “À Minha Querida Mamã”. Fernando Pessoa foi educado em língua inglesa, escrevendo seus primeiros textos em inglês e o colocando em contato com a produção de grandes escritores, como William Shakespeare, Edgar Allan Poe e Lord Byron. Aos 17 anos, o poeta vai retornar definitivamente à Lisboa, para cursar a faculdade de Letras, que abandona dois anos mais tarde.  

 

 

No início dos anos 1910 fez suas primeiras publicações, como o texto inicial de prosa criativa, trecho do Livro do Desassossego, e os poemas de adulto. Em 1912 estreou na revista “Águia” como crítico literário e, em 1914, como poeta na revista “Renascença”. No ano seguinte, passou a liderar o grupo de mentores da revista “Orpheu”, que possuía entre seus membros figuras como Mário de Sá-Carneiro, Raul Leal, o brasileiro Ronald de Carvalho, entre outros. A revista teve grande importância na defesa da liberdade de expressão no país, que após a instauração de sua primeira república, atravessava um momento de profunda repressão da imprensa por parte do governo. Ademais, ao final da década, publicou seus dois primeiros livros em inglês, “Antinous” e “35 sonnets”.

No início da década de 20, sua mãe se tornou viúva novamente e retornou para Portugal. Fernando Pessoa então aluga uma casa para morar com toda a família, em Lisboa, incluindo sua mãe, a meia irmã, o cunhado e os dois filhos do casal. O prédio hoje abriga a Casa Fernando Pessoa, fundação que mantém exposição fixa sobre a vida e a obra do poeta, além de uma biblioteca de acesso livre com foco no trabalho de Pessoa e poesia mundial.

 

Créditos: Pedro Simões disponivel em http://www.flickr.com

 

Em 1921, fundou a empresa Olisipo, que tinha como objetivo promover a cultura e o comércio português no exterior e divulgar os clássicos da literatura em Portugal. O plano de Fernando Pessoa era atingir estabilidade econômica para que pudesse se dedicar exclusivamente à escrita. Pouco mais de dois anos depois, a Olisipo provocou polêmica com as publicações de António Botto e Raul Leal, acusadas de imoralidade por grupos de extrema-direita e do governo da época. Como forma de protesto, Pessoa escreve manifestos contra a censura que sofrera e que acabou levando à extinção da Olisipo.

Além da poesia, Pessoa foi também tradutor, escreveu ensaios, peças de teatro, novelas e estudou astrologia, além de crítico literário e publicitário. Ao longo de toda a sua trajetória profissional ele desempenhou esses papeis, envolvido também com projetos culturais e editoriais. Descrito como reservado, porém afetuoso e bem-humorado, Fernando Pessoa criou diferentes heterônimos e personagens para dar conta do essencial da vida, ao longo de seus curtos 47 anos. Faleceu em 1935, de cirrose hepática.

 

 

OBRA

 

“Esta tendência para criar em torno de mim um outro mundo, igual a este mas com outra gente, nunca me saiu da imaginação”. 

Carta de Fernando Pessoa para Adolfo Casais Monteiro sobre a gênese dos heterônimos, de 13/01/1935.

 

Fernando Pessoa escreveu desde a infância até a morte. Considerava que ser poeta e escritor não se constituía de uma profissão, mas sim de uma vocação. Adulto, levava uma vida bastante normal e pacata, como tradutor e correspondente comercial. A poesia era o seu prazer e talvez a forma de viver por ele encontrada para dar conta de todo o seu ser e criação.  

Em vida, publicou apenas cinco livros, sendo os quatro primeiros escritos em inglês e somente um em português. Ao mesmo tempo, empenhado em alargar a criticidade do homem diante da aventura da existência, Pessoa empreendeu nas Letras e sempre esteve envolvido com algum projeto dessa ordem. Participou de diferentes revistas literárias e jornais, publicando críticas, ensaios e poesia. Foi na revista Orpheu que publicou pela primeira vez com o heterônimo de Álvaro de Campos.

Por sinal, foi pela heteronímia que Fernando Pessoa se tornou conhecido, criando outras vidas dentro da sua. Foram três personalidades criadas, cada uma delas bem definida, com biografias e sentimentos próprios: além de Álvaro de Campos, também Ricardo Reis e Alberto Caeiro. Embora tenha assinado seus textos com dezenas de outros nomes diferentes, para o autor apenas esses três possuíam independência em relação a ele.

Álvaro de Campos nasceu em Portugal em 1890 e era o poeta moderno de Pessoa, o qual estudou Engenharia Naval na Escócia, porém odiava a vida de escritório. Com um temperamento instável, seus versos possuíam tom de revolta e manifestos poéticos revolucionários. Escreveu o famoso poema “Tabacaria”.

Ricardo Reis nasceu também em Portugal, porém em 1887, estudou medicina e seguia os ideais monarquistas. Se exilou no Brasil devido às ferrenhas discordâncias com a Proclamação da República Portuguesa e fora um grande admirador da cultura clássica.

Alberto Caeiro, também português, nascido em 1889, era órfão de pai e mãe, tendo vivido grande parte de sua vida no campo com uma tia. Apaixonado pela natureza e com valores ingênuos, Alberto era objetivo e simples. Escreveu o poema “O Guardador de Rebanhos”.

Na sua poesia, repleta de lirismo e subjetividade, explorou diversos temas, como a solidão, a mulher, a vida e frequentemente a sua Lisboa, cidade natal. Embora sua importância seja indiscutível para a literatura e a cultura de forma geral, foi postumamente que o reconhecimento chegou, algo que o próprio Pessoa de forma muito lúcida profetizou no Livro do Desassossego, escrito por Bernardo Soares, seu semi-heterônimo: “Um dia, lá para o fim do futuro, alguém escreverá sobre mim um poema, e talvez só então eu comece a reinar no meu Reino."

Fernando Pessoa deixou um reino vasto, com mais de 25.000 páginas escritas e encaixotadas em uma arca de madeira. São escritos de poesia, contos, críticas literárias, traduções, textos políticos, entre outros trabalhos; espólio sob a salvaguarda da Biblioteca Nacional de Lisboa.

Enigmático, Fernando Pessoa segue como fonte inesgotável, com inúmeros textos ainda por publicar. Certeiro em sua grandiosidade, ninguém questiona que sua verdadeira pátria foi de fato a língua portuguesa. As suas últimas palavras foram escritas a lápis, em inglês, na véspera da sua morte: I know not what tomorrow will bring - Eu não sei o que o amanhã trará.

 

CURIOSIDADES

Um dos filmes preferidos de Fernando Pessoa era Gold Rush, de Charlie Chaplin. O clássico que teve estreia na época do cinema mudo e depois recebeu uma segunda versão, sonorizada, pode ser conferido aqui.

Além da arca com seus milhares de escritos, faz parte do espólio de Fernando Pessoa a sua biblioteca. A Casa Fernando Pessoa organizou o catálogo com mais de 1.300 títulos ( a metade deles em inglês ) e disponibilizou na íntegra em seu site. Confira o Fernando Pessoa leitor!

 

DICAS DO LING

Leia a carta escrita por Fernando Pessoa sobre as origens de seus heterônimos.

Nesta entrevista concedida por Fernando Pessoa em 1923, você confere a opinião do autor sobre a crise política que vivia Portugal na época.

Neste trecho do documentário O Vento Lá Fora (2014), a professora universitária e especialista em literatura portuguesa, Cleonice Berardinelli, e a gigante da música brasileira Maria Bethânia, apresentam a leitura de poemas de Fernando Pessoa. 

 

REFERÊNCIAS

DIANA, Daniela. Fernando Pessoa. Disponível em: <https://www.todamateria.com.br/fernando-pessoa/> Acesso em: 01. out. 2021

FRAZÃO, Dilva. Fernando Pessoa. EBiografia, 2021. Disponível em: <https://www.ebiografia.com/fernando_pessoa/> Acesso em: 01. out. 2021

Site Casa Fernando Pessoa. Disponível em: <https://casafernandopessoa.pt/pt/cfp> Acesso em: 01. out. 2021

Site Modern!smo. Disponível em: <https://modernismo.pt/index.php> Acesso em: 01. out. 2021

Sem autor: BIOGRAFIA Fernando Pessoa. Portal da Leitura. Disponível em: <https://www.portaldaliteratura.com/autores.php?autor=339> Acesso em: 01. out. 2021

SOUZA, Warley. Fernando Pessoa. Disponível em: <https://mundoeducacao.uol.com.br/literatura/fernando-pessoa.htm> Acesso em: 01. out. 2021