Foto: Marcelo Buainain Foto: Marcelo Buainain

Surrealismo pantaneiro na poesia de Manoel de Barros

 

 

Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:

a) Que o esplendor da manhã não se abre com faca

b) O modo como as violetas preparam o dia para morrer

c) Por que é que as borboletas de tarjas vermelhas têm devoção por túmulos

d) Se o homem que toca de tarde sua existência num fagote, tem salvação

e) Que um rio que flui entre dois jacintos carrega mais ternura que um rio que flui entre dois lagartos

f) Como pegar na voz de um peixe

g) Qual o lado da noite que umedece primeiro.

etc

etc

etc

Desaprender oito horas por dia ensina os princípios

 

BIOGRAFIA

Em 19 de dezembro de 1916, nascia em Cuiabá (Mato Grosso), Manoel Wenceslau Leite de Barros, um dos maiores nomes da poesia contemporânea brasileira. Ele viveu sua infância e juventude entre a casa da família e o internato, onde estudou até os 17 anos. Depois mudou-se para o Rio de Janeiro onde concluiu seus estudos ginasiais e secundários e, logo depois, ingressou na faculdade de Direito, tornando-se bacharel em 1941. Paralelo ao curso de direito, Manoel escrevia seus sonetos e publicou seu primeiro livro de poesia em 1937, produzido em edição artesanal.

Após terminar a graduação, atuou por um tempo como advogado para o Sindicato dos Pescadores, no Rio de Janeiro, mas sua vontade era viajar e estudar outros assuntos. Em 1943, parte rumo a Nova York, onde frequenta cursos de cinema e pintura no MoMa (Museu de Arte Moderna). Nessa fase, Barros entra em contato com a obra de importantes escritores como García Lorca, T. S. Eliot, Ezra Pound e Stephen Spender. Fica um longo período fora do Brasil e viaja para Bolívia, Peru, França, Itália e Portugal.

 

“Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.”

Manoel de Barros

 

Quando retorna ao Brasil, o poeta conhece Stella dos Santos Cruz, com quem se casa em 1947 e tem três filhos. No final dos anos 50, devido ao falecimento de seu pai, Manoel volta a viver na região do Pantanal, no Mato Grosso, onde assume a fazenda herdada por sua família. Dedica-se à escrita e à vida tranquila em meio a natureza, inspiração para muitos de seus poemas. O poeta faleceu aos 97 anos, em 13 de novembro de 2014.

 

Foto: Marcelo Buainain

 

OBRA

Apesar de ser muito conhecido hoje em dia, o reconhecimento de Manoel de Barros foi tardio. Tendo publicado seu primeiro livro em 1937, foi somente na década de 1980 que grandes nomes como Antonio Houaiss, Millôr Fernandes e Ênio Silveira entraram em contato com a sua poesia no livro Arranjos para Assobio. Desde então, vem despertando o interesse do público e da crítica; e já foi premiado inúmeras vezes, incluindo o Jabuti, prêmio literário mais significativo do país.

Manoel de Barros construiu uma linguagem inovadora, repleta de neologismos, que beira a agramaticalidade e, ao mesmo tempo, relaciona-se com a língua portuguesa de maneira intensa. Sua profunda admiração pela obra de Pe. Antonio Vieira é o que faz com que sua fala poética seja carregada de imagens visuais:

 

“Eu aprendera em Vieira que as imagens pintadas com palavras eram para se ver de ouvir”.

Manoel de Barros

 

Escreveu poesia a vida inteira e publicou mais de 15 livros. Seu primeiro foi Poemas concebidos sem pecado (1937). Longos períodos de tempo separaram uma publicação da outra: Face imóvel (1942), Poesias (1956), Compêndio para uso de pássaros (1960), Gramática expositiva do chão (1966), Matéria de poesia (1970), Arranjos para assobio (1980), Livro de pré-coisas (1985), O guardador de águas (1989), Poesia quase toda (1990), Concerto a céu aberto para solo de aves (1991), O livro das ignorãças (1993), Livro sobre nada (1996), Retrato do artista quando coisa (1998), Ensaios fotográficos (2000), Tratado geral das grandezas do ínfimo (2001). Também teve publicações voltadas ao público infantil, como Exercício de ser criança (1999), O fazedor de amanhecer (2001), Poeminhas pescados numa fala de João (2001), Memórias inventadas: a primeira infância (2003), Cantiga de por um passarinho à toa (2003), Poemas Rupestres (2004), Memórias inventadas: a segunda infância (2006) e Poeminha em língua de brincar (2007).

 

 

O poeta buscou no cotidiano do Pantanal sua fonte de expressão poética. É este local em que animais silvestres e seres minúsculos reinam, que estabelece o cenário de sua poesia. A natureza torna-se humana, o homem torna-se natureza. A poesia hiperbólica de Barros salienta as miudezas, desvia a atenção para o que antes era secundário. O poeta desconstrói o mundo que conhecemos e nos faz entrar no universo que ele próprio construiu, em que formigas geram vagalumes, homens tornam-se árvores, etc, e nós entramos sem titubear, porque temos uma “crença absoluta no desenrolar — ainda que absurdo — dos acontecimentos”. (CARPINEJAR, 2001, p. 13).

 

Jorge Larossa — escritor espanhol e tradutor da obra do poeta — fala sobre a criação poética de Manoel de Barros: 

 

“A obra de Barros é inexplicável como o milagre, como qualquer obra de arte quando é genuína. É um poeta por necessidade, por dom… Do estado de ruína do mundo à inevitável fragmentação do sujeito, sua obra reflete o desmoronamento de uma cultura e de uma forma de humanidade. Seu universo pantaneiro aparece poeticamente filtrado por pontos de vista humanos, animais, vegetais e minerais altamente elaborados: um mundo intocado e profundamente humanizado, um mundo poético, encantado”.

 

CURIOSIDADES

O artista Carlos Vergara, que já expôs aqui no Instituto Ling, publicou um vídeo em que lê o poema Fontes, do livro Memórias Inventadas, e escreveu um pouco sobre sua relação com a poesia de Manoel de Barros. Confira no Instagram de Vergara!

A artista Anico Herskovits fez uma série de xilogravuras, chamada Pantanal: Terra de Sonhos, inspirada nos poemas de Manoel de Barros e nas músicas de Almir Sater. 

Você sabia que existe a Fundação Manoel de Barros? Fundada em 1998, a FMB atua na realização de trabalhos sociais no estado do Mato Grosso do Sul e na região do Pantanal. 

Em 2019, Manoel de Barros foi o homenageado do programa Ocupação Itaú Cultural. Para a exposição foi realizada uma série de vídeos com poemas e depoimentos de familiares e amigos do poeta. 

 

PREMIAÇÕES

Prêmio Orlando Dantas do Diário de Notícias pelo livro Compêndio para uso dos pássaros (1960);

Prêmio Nacional de Poesia pela obra Gramática expositiva do chão (1966);

Prêmio da Fundação Cultural do Distrito Federal por Gramática expositiva do chão (1969)

Prêmio Jabuti de Literatura (categoria poesia) pelo livro O guardador de águas (1989);

Prêmio Jacaré de Prata (Secretaria de Cultura de Mato Grosso do Sul): recebeu como melhor escritor do ano (1990);

Prêmio Alfonso Guimarães da Biblioteca Nacional pela obra Livro das ignorãças (1996);

Prêmio Nestlé de Poesia por Livro sobre nada (1997);

Prêmio Nacional de Literatura do Ministério da Cultura: recebeu em 1998 pelo conjunto da obra;

Prêmio Odilo Costa Filho da Fundação do Livro Infanto Juvenil com o livro Exercício de ser criança (2000);

Prêmio Academia Brasileira de Letras por Exercício de ser criança (2000);

Prêmio Jabuti de Literatura (categoria livro de ficção) por O fazedor de amanhecer (2002);

Prêmio APCA 2004 de melhor poesia com o livro Poemas rupestres (2005);

Prêmio Nestlé de Literatura Brasileira com o livro Poemas rupestres (2006).

 

DICAS DO LING

Veja o poeta Manoel de Barros lendo três de seus poemas: O Livro das Ignorãças, Mundo Pequeno e Autorretrato. Disponível no Youtube.

Confira a cantora Maria Bethânia lendo o poema Ruína, de Manoel de Barros. 

Escute as poesias musicadas de Manoel de Barros no álbum Crianceiras (2011), uma parceria do poeta com o compositor e cantor Márcio de Camillo. Disponível no Spotify e YouTube!

Assista ao documentário Só Dez Por Cento é Mentira (2008), sobre a vida e obra de Manoel de Barros! Disponível no Telecine Play e YouTube.

Você pode adquirir as principais obras de Manoel de Barros no site da Companhia das Letras. Disponíveis em e-book e versão física. 

 

REFERÊNCIAS

CAMILO, Camila. Manoel de Barros: vida e versos para todas as idades. Nova Escola, 2014. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/1314/manoel-de-barros-vida-e-versos-para-todas-as-idades

CARPINEJAR, Fabrício. Teologia do traste : a poesia do excesso de Manoel de Barros. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/3053

FRANK, Julie. Uma didática da invenção, de Manoel de Barros. Disponível em: https://www.escoladeescrita.com.br/uma-didatica-da-invencao-de-manoel-de-barros/

PEREZ, Luana Castro Alves. Manoel de Barros. Disponível em: https://mundoeducacao.uol.com.br/literatura/manoel-barros.htm

Sem autor: O Poeta. Fundação Manoel de Barros. Disponível em: http://www.uniderpfm.com.br/fmb/o-poeta

VIEIRA, Tania Regina. Traduzindo Manoel de Barros: Horizontes Pantaneiros em Terras Estrangeiras. Disponível em: https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/26/o/taniaregina_completo.pdf