exposição

Ling Apresenta: Gustavo Assarian

06/08/2022 às 10h30 até 05/11/2022 às 20h

Ling Apresenta: Gustavo Assarian

O Instituto Ling recebeu o artista visual porto-alegrense Gustavo Assarian para uma intervenção ao vivo em uma das paredes do centro cultural. De 6 a 12 de agosto de 2022, o público pôde acompanhar gratuitamente a criação em tempo integral da nova obra, observando as escolhas, os gestos e os movimentos do artista. Após a finalização do trabalho, o artista comentou a experiência e o resultado em bate-papo com o público e a curadora.

A exposição ficou em cartaz até 5 de novembro de 2022.

 

Ling Apresenta: Ver o mundo outra vez

Apresentar: mostrar; expor; tornar público; oferecer (alguma coisa) a (alguém); pôr diante ou na presença; dar a conhecer. Ling Apresenta: Ver o mundo outra vez é a primeira edição de um novo projeto, como pede o novo tempo – esse, que é essencialmente o mesmo, mas não pode ser, pois passamos por muito.

A ideia central é trazer ao Instituto Ling novos – ou outros – nomes da arte contemporânea. Não são descobertas, porque eles já estão no mundo, trabalhando, cada um a seu modo, buscando a inserção em um sistema complexo de legitimação. Uma busca que, cabe dizer, é incessante. Uma exposição não legitima um artista, mas joga luz sobre a sua obra e permite aquilo que há de mais importante quando se produz: dialogar com o público.

Compartilhar um nome, um trabalho e o fazer artístico é o que forma o cerne desse projeto. O convite é para que os artistas façam uma intervenção diretamente em uma das paredes do Instituto. Uma parede que conduz o visitante até o fundo do espaço, que é contemplada por quem se senta no café, e é vista da rua pelos passantes. Durante uma semana, o público será convidado a acompanhar a produção dessa parede-obra. Enquanto o artista trabalha, o público observa: escolhas são feitas, gestos e movimentos acontecem, materiais se sobrepõem, uma obra vai tomando forma.

Ao longo de 2022, serão apresentados quatro artistas, em diferentes momentos de suas carreiras, com distintas produções e temáticas. O que os conecta é justamente uma não-conexão, ou melhor, a conexão mais geral que poderia haver: são artistas, trabalham com afinco, produzem em diferentes meios, levantam questões contemporâneas, provocam reflexões e nos fazem olhar sempre e de novo – mas não para o mesmo.

 

Luísa Kiefer

Início do outono, 2022

 

 

 

 

Denúncia poética

por Luísa Kiefer

Inverno de 2022

Ver o Gustavo Assarian pintando é acompanhar o processo da imagem não apenas se formando, mas tornando-se mais nítida a cada minuto que passa. Um pouco como quando voltamos do oftalmologista com as pupilas dilatadas e com o passar do tempo as imagens vão se redefinindo, recobrando seu brilho e sua nitidez.

Assarian tem método no que ele faz. O trabalho começa muito antes de chegar à parede — ou ao papel, meio geralmente utilizado pelo artista. A autorrepresentação é uma marca da sua poética. Tudo nasce de uma cena ou momento traumático vivido por ele: assalto, abordagem policial, doença, briga, e a lista segue. Momentos que o marcam e precisam ser elaborados. Assim começa um trabalho, pelo processo de reavivamento de memórias, como ele chama. Primeiro ele faz um esboço, em seguida solicita a ajuda de outra pessoa para reencenar o fato e fotografar. A partir das fotografias e de suas lembranças é que nasce a cena a ser desenhada. O local em que o fato ocorreu não vemos. No suporte, ele se faz presente pela subtração, são as zonas em branco que, apesar de nos remeterem a zonas de ausência, de espaço ou de respiro, deixando as figuras soltas no espaço, criam a coerência compositiva.

Na parede do Instituto Ling temos uma cena de violência. As duas figuras das pontas, representadas por autorretratos, colocam o artista nos dois lados do acontecimento, aquele que sofre a violência e aquele que a pratica. Assarian comenta que isso é também uma forma de se colocar no lugar do outro e a partir desse lugar pensar como o outro enxerga a sua imagem. No centro da composição, vemos dois homens-porcos, de terno e gravata, com semblantes tranquilos, até simpáticos. Aliás, à primeira vista, a obra de Assarian talvez capture o espectador pela sua beleza, precisão, habilidade manual e certo humor. É difícil não se impactar pelos claros e escuros, pelos contrastes e noções de profundidade e volume. Portanto, é mesmo aos poucos, conforme o olhar percorre a parede, que é possível perceber outros elementos, como o que o artista nomeia de indicativo de problema — o objeto preto, pontiagudo e longo, empunhado por um dos homens-porco. Pode ser um cassetete, pode ser algo perfurante, pode ser o mastro de uma bandeira. Cada olhar fará a sua leitura conforme perceber os outros símbolos que ali estão.

A potência do seu trabalho emerge desse detalhamento e atenção. “Meu trabalho é uma denúncia”, afirma o artista. Eu digo que são várias, a depender da consciência e disponibilidade de quem estiver diante da parede em encontrar e refletir sobre os seus muitos significados. Não há aqui apenas encantamento técnico, aptidão extrema em retratar figuras de forma hiperrealista. Há muito mais. Há um Brasil que precisa urgentemente refletir sobre suas figuras de poder, sobre seus preconceitos, sobre suas populações marginalizadas e encarar seus traumas para, assim como o artista, elaborá-los e superá-los, mas sem jamais esquecê-los.

 

Sobre a curadora:

Luísa Kiefer (Porto Alegre/RS, 1986)

Jornalista, pesquisadora e curadora independente. É doutora em História, Teoria e Crítica de Arte pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do Instituto de Artes da UFRGS. Em 2017, foi pesquisadora visitante no departamento de fotografia do Centre for Research and Education in Art and Media (CREAM) da University of Westminster, Londres, Inglaterra. É Mestre em História, Teoria e Crítica de Arte pelo mesmo programa e jornalista formada pela PUCRS. Nos últimos anos, realizou a curadoria de exposições, individuais e coletivas, em diferentes espaços como Fundação Ecarta, Goethe-Institut Porto Alegre, Instituto Ling, Espaço Cultural ESPM-Sul e Fundação Vera Chaves Barcellos. Desde 2018, coordena, junto com Eduardo Veras, o projeto de catalogação da obra da artista plástica Gisela Waetge. Em 2019, foi curadora geral do Linha, espaço independente de artes visuais, em Porto Alegre. Em 2021, recebeu o XIV Prêmio Açorianos de Artes Plásticas na categoria Jovem Curadora/Aliança Francesa. 

 

O Ling Apresenta tem realização do Instituto Ling e Ministério do Turismo, com patrocínio de Crown Embalagens e Fitesa.


ficha técnica da exposição

  • Artista

    Gustavo Assarian

  • Curador

    Luísa Kiefer

  • Identidade Visual

    Adriana Tazima

  • Produção Executiva

    Laura Cogo

  • Programa Educativo

    Camila Salvá


Sobre o Artista

Gustavo Assarian
Foto: Divulgação

Gustavo Assarian (Porto Alegre/RS, 1993)

Vive e trabalha em Porto Alegre. Possui bacharelado em Artes Visuais pela UFRGS e atualmente está cursando licenciatura em Artes Visuais pela mesma instituição. Trabalha majoritariamente com a linguagem do desenho, investigando a representação autobiográfica. O artista pesquisa os infortúnios cotidianos, pensando questões do controle e urgência ao representá-los. Teve uma exposição individual na Galeria Ecarta, em 2018, chamada “Os infortúnios nos são úteis”. E participou de exposições coletivas como "Presença negra no MARGS" (2022), no MARGS; “O que resta após” (2020), na Pinacoteca Rubem Berta; “No eStúdio” (2017), no MARGS; e “Pintura e desenho - a novíssima geração” (2012), vencedora do Prêmio Açorianos de melhor exposição coletiva.