Estratégia com impacto: a liderança de Natália Paiva em prol da diversidade racial
Uma oportunidade que mudou completamente sua vida: assim Natália Paiva define seu antes & depois do MBA na IE Business School (Espanha), proporcionado pela bolsa Jornalista de Visão em 2011. À época jornalista de Economia na Folha de S. Paulo, cursou a pós-graduação e deu início a uma carreira que inclui cargos de liderança em empresas como Meta/Instagram, McKinsey e Transparência Brasil. Hoje lidera a Mover, coalizão de empresas com objetivo de aumentar a diversidade racial no mercado. Também é fundadora e sócia da Alandar, consultoria especializada em políticas públicas e tecnologia. Mãe de três crianças, ama literatura e já lançou três livros infantis.
Pode parecer que o dia de Natália tem mais de 24 horas, como comentamos nesta conversa para o site do Instituto Ling, atualizando as novidades da sua carreira. É com espírito de equipe e rede de apoio que ela se alterna entre os múltiplos papéis, conciliando as habilidades profissionais em áreas de impacto na sociedade. Aqui, compartilhamos sua história e as inspirações para o sucesso na transição de carreira.
Mudança de rota: um MBA no meio do caminho
Nascida em Fortaleza, no Ceará, Natalia cursava o fim do Ensino Médio quando começou a se inquietar com diversos assuntos. Suas reflexões sobre notícias viravam textos de opinião, que em um mundo ainda sem blogs (2001) eram distribuídos de forma analógica, impressos para passarem de mão em mão. A escolha pelo Jornalismo parecia óbvia, e assim se concretizou com a aprovação para a Universidade Federal do Ceará. Não ficou por aí: também se inscreveu para a faculdade de Economia, que cursou por três semestres em instituição privada.
— O sonho era escrever sobre política e economia para jovens, então precisava tentar entender o mundo e contar isso de forma acessível — recorda.
Após a formatura, começou a trabalhar no jornal O Povo como repórter de cultura. Uma de suas reportagens sobre narrativas populares rendeu tantos frutos que, um ano depois, Natália mudou-se para São Paulo, apaixonada pelo mestrado em Semiótica na PUC-SP. Em paralelo, participou da seleção como trainee da Folha de S.Paulo e entrou para o time de jornalistas do veículo, na área de Economia.
Estava atuando no jornal havia três anos quando recebeu a indicação para o recém-criado Jornalista de Visão do Instituto Ling. Natália havia sido apontada pelo editor Guilherme Barros para participar do processo seletivo do segundo ano do programa. Nos meses seguintes, conheceu outros colegas de profissão participando da mesma dinâmica e foi uma das escolhidas para cursar pós-graduação no Exterior.
A bolsa recebida estava destinada para o mestrado em Jornalismo Digital na IE Business School em Madri, na Espanha. Porém, a turma do ano seguinte não teve número suficiente de alunos. O coordenador da instituição fez outro convite, baseado no currículo prévio e no potencial da futura aluna: quem sabe gostaria de cursar um MBA?
— Jornalistas em geral têm um mindset mais fechado sobre suas próprias habilidades e capacidades. Quem faz Jornalismo, o que mais pode fazer além disso? Sabia que queria outra coisa, mas não estava muito claro. Já no primeiro ano de MBA entendi que não voltaria ao que fazia antes — conta Natália, que viajou aos 27 anos, em 2011. — Foi um presente e mudou minha vida completamente.
Engenheiros, economistas e administradores formavam a turma de Natalia, vindos de dezenas de nacionalidades e com históricos de vida pessoal, profissional e acadêmica bem distintos. O convívio com tanta diversidade cultural “abriu a cabeça em vários sentidos”, destaca Natália. E suas próprias experiências também contribuíram para endereçar os desafios por outra ótica, por exemplo, com um background diferente, comprovando o poder da diversidade.
— O MBA foi um divisor de águas para mim. Por colocar a possibilidade de gerar impacto de outra maneira e pelas ferramentas que me foram dadas, fundamentais para desenvolver minha carreira.
Foco nas ações de políticas públicas
O desejo de atuar com propósito e impacto não tardou a se concretizar. Ao término do MBA, surgiu a oportunidade de trabalhar na organização Transparência Brasil, diretamente com o fundador, Claudio Weber Abramo, nome fundamental para avanços regulatórios como aprovação da Lei de Acesso à Informação e Lei da Ficha Limpa. Natalia entrou como diretora de operações e depois seguiu como diretora-executiva, somando três anos na entidade sem fins lucrativos.
De lá saiu para trabalhar na consultoria McKinsey, em cargo de consultora para políticas públicas, onde ficou por dois anos até receber uma oferta para o time da Meta/Instagram. Na empresa, criou e liderou a área de políticas públicas da marca para a América Latina, sendo responsável pela estratégia regulatória, gestão e aconselhamento sobre políticas públicas de produtos digitais.
A liderança de cinco anos no segmento a motivou, junto com uma colega recém-saída do Twitter, a criar a pioneira Alandar, consultoria com foco em políticas públicas para grandes empresas de tecnologia, especializada em regulamentação da Internet. Além das duas sócias-fundadoras, a empresa já soma um time de 8 colaboradores atendendo a grandes empresas como Google, YouTube, Nubank, Amazon e Netflix, entre outras.
— Somos a única empresa de consultoria em políticas públicas criada e liderada por mulheres, dentro de uma realidade em que o setor é predominantemente masculino, branco e elitista. Nossa proposta é atender aos nossos clientes aliando propósito e impacto, ou seja, pensar a agenda regulatória do cliente e casar com uma geração de impacto social e alinhamento de propósito — detalha.
Mover: promover diversidade com intencionalidade
Em paralelo à criação da Alandar, um novo desafio surgiu: o convite para ser diretora-executiva da Mover: Movimento pela Equidade Racial. Coalizão de 49 empresas do setor privado, o Mover tem como objetivo aumentar a diversidade racial entre as lideranças corporativas. Natália explica as duas principais metas da organização: até 2030, criar 10 mil posições de liderança para pessoas negras no setor privado e gerar 3 milhões de oportunidades para a comunidade negra. Tudo isso precisa ser feito no setor corporativo por meio de ações intencionais, destaca:
— É um valor muito grande para a sociedade e que pode ganhar ainda mais escala em parcerias com o setor público. Acredito muito nessa triangulação, é boa para todo mundo, pois buscamos impactar toda a sociedade para espaços mais equitativos.
Diversos projetos e iniciativas compõem o plano estratégico para o Mover alcançar as metas propostas, como bolsas de estudo, programas de promoção de lideranças e incentivos para inclusão de empreendedores negros na cadeia de valor. É com brilho nos olhos que Natalia comenta as iniciativas da coalizão.
— Em toda a minha carreira, nunca ignorei o fato de que sou uma mulher negra nos espaços onde estou. Mas toda a minha trajetória foi feita antes de se pensar como hoje pensamos sobre a necessidade de diversidade e inclusão. É um trabalho muito complexo e estou muito feliz de poder usar minha expertise e experiência para gerar este impacto.
Três filhos, três livros: a maternidade como inspiração
Os livros sempre fizeram parte da infância de Natália em Fortaleza. Eram companhia constante da menina, filha de pais médicos — a mãe pediatra e agora psiquiatra após os 60 anos, o pai anestesista, falecido quando Natália era criança. Por ter sido sempre muito leitora, havia aquele sonho de também ser escritora, mas estava adormecido.
— A maternidade reabriu essa porta que estava lá esquecida há bastante tempo para mim — conta.
A primogênita, Serena, agora está com 6 anos. O segundo filho, Martín, nasceu no começo da pandemia, em 2020. Natália buscou uma válvula de escape durante o lockdown; assim surgiu a ideia do primeiro livro e depois do segundo, escritos rapidamente. Procurando editoras que estivessem alinhadas com o perfil das obras, encontrou a Solisluna, da Bahia.
Publicou ambos em 2021: “A Incrível Serena Contra O Temível Aspiraldo” e “Martim Barulim”, que juntos alcançaram o incrível número de 30 mil cópias vendidas. A chegada da caçula, Nina, que completou um ano em dezembro, também motivou o lançamento do terceiro livro, “Nina Dorminhoca”. Assim como os anteriores, este livro traz o protagonismo de crianças e bebês negros, em famílias negras cheias de amor, cuidado e beleza, como descreve em seu perfil no Instagram, A Louca dos Livros Infantis (@aloucadoslivrosinfantis).
Para exercitar as habilidades de escrita, também em 2021 Natália se inscreveu no curso de formação de escritores do Instituto Vera Cruz. E na mesma época começou a escrever um romance, agora pausado “porque não consigo fazer mais nada”, comenta. P.S.: Nós aqui já estamos no aguardo!
02.02.2024