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Augusto dos Anjos: O Poeta do Eu

 

BUDISMO MODERNO

 

Tome, Dr., esta tesoura, e...corte

Minha singularíssima pessoa.

Que importa a mim que a bicharia roa

Todo o meu coração, depois da morte?!

 

Ah! Um urubu pousou na minha sorte!

Também, das diatomáceas da lagoa

A criptógama cápsula se esbroa

Ao contato de bronca destra forte!

 

Dissolva-se, portanto, minha vida

 Igualmente a uma célula caída

Na aberração de um óvulo infecundo;

 

Mas o agregado abstrato das saudades

Fique batendo nas perpétuas grades

Do último verso que eu fizer no mundo!

 

ANJOS, Augusto dos. Eu e outras poesias. 42. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.

 

 

O poeta Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos nasceu em 20 de abril de 1884, no município de Sapé, na Paraíba. Foi educado em casa, pelo pai, que era advogado, realizando mais tarde os estudos secundários no Liceu Paraibano, onde depois atuaria como professor. Sua família era proprietária do Engenho Pau d’Arco, onde passou a maior parte de sua breve vida. À medida que crescia, sob os cuidados de sua ama-de-leite Guilhermina, Augusto dos Anjos pôde assistir a decadência dos negócios, com a transição dos latifúndios para as grandes usinas de açúcar.

Em 1903, nosso “Poeta do Hediondo”, como ele se dizia, ingressa na Faculdade de Direito de Recife, concluindo o bacharelado quatro anos depois. Foi no período da faculdade que entrou em contato com o pensamento cientificista e as doutrinas materialistas e evolucionistas que tanto inspiraram seus versos. Não exerceu a profissão de advogado: lhe atraía o magistério. De volta à Paraíba, lecionou Literatura Brasileira no Liceu Paraibano, na capital. Nessa época, Augusto dos Anjos começa a publicar poemas nos jornais O Comércio e A União. Em 1910, casa-se com Ester Fialho e, no mesmo ano, mudam-se para o Rio de Janeiro, após desentendimento de Augusto dos Anjos com o governador do seu estado, João Lopes Machado. Na capital carioca, seguiu no magistério, lecionando literatura e geografia, e seguiu também publicando seus versos nos jornais locais.

 

Augusto dos Anjos. Pintura: Flávio Tavares.

 

Em 1912, reuniu 58 poemas na sua única publicação, EU. Recheada de versos que surpreendiam pelo vocabulário científico e pelos temas sombrios, frequentemente tratando da finitude da vida, da decomposição da matéria, da tristeza e dos desgostos, talvez daí a razão de não ter conseguido apoio para realização desse projeto, a não ser pelo financiamento feito pelo irmão Odilon dos Anjos e que permitiu a impressão de 1.000 exemplares. O livro, como se pudéssemos supor, não foi bem recebido pela crítica e pelos poucos leitores da época. Se tratava de uma obra muito diferente dos padrões conhecidos e que só passou a ser notada com a devida atenção na década seguinte, já sem a presença de seu autor.   

Incompreendido, em 1913 o “cantor da poesia de tudo o que é morto” vai mudar-se pela última vez, indo para Leopoldina, Minas Gerais, onde assumiu a direção do Grupo Escolar Ribeiro Junqueira. Por sinal, é notável o envolvimento de Augusto dos Anjos com a pauta da educação ao longo de toda a vida, que também nesse período mineiro vai seguir lecionando em aulas particulares de reforço, motivado pelas deficiências que via no ensino público.

Nosso herói gótico pré-modernista vai encontrar o fim de sua travessia em 1914, tendo vivido por apenas 30 anos. Com Ester teve três filhos, sendo o primeiro morto prematuramente e à quem dedicou o soneto de título literal: “Ao meu primeiro filho nascido morto com 7 meses incompletos”. Morreu de pneumonia, em 12 de novembro, deixando a esposa e os filhos Glória e Guilherme.

 

 

CURIOSIDADES

Você sabia que o pé de tamarindo que inspirou o poema Debaixo do tamarindo continua vivo? A árvore na qual o poeta viveu diversos momentos da infância à juventude, pode ser visitada no Memorial Augusto dos Anjos.

O poeta foi ocupante da cadeira n°1 da Academia Paraibana de Letras!

Conheça a carta de Carlos Drummond de Andrade com sua opinião sobre a obra de Augusto dos Anjos. 

 

DICAS DO LING

A obra Eu e Outras Poesias, de Augusto do Anjos, está disponível em Domínio Público. 

Conheça o Memorial Augusto dos Anjos, localizado na casa onde o poeta nasceu, no município de Sapé (antigo Engenho do Pau D'Arco, na Paraíba). O espaço é aberto para visitação e você pode conferir um pouquinho sem sair de casa no tour virtual.

Na coleção Poesia Falada, o autor Othon Bastos dá voz a 36 poemas de Augusto dos Anjos. Escute no Spotify e Youtube Music!

 

REFERÊNCIAS

ANJOS, Augusto dos. Eu e Outras Poesias. Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv.00054a.pdf

ANJOS, Augusto dos. Todas as obras. Disponível em: http://www.biblio.com.br/conteudo/AugustodosAnjos/molduraobras.htm

CONY, Carlos Heitor. “Eu” - o monossilábico que fala. Folha de São Paulo, 2012. Disponível em: https://www.academia.org.br/artigos/eu-o-monossilabo-que-fala

CORTES, RAFAELA. Augusto dos Anjos: Quem foi? Biografia e Obras. Gestão Educacional. Disponível em: https://www.gestaoeducacional.com.br/augusto-dos-anjos-quem-foi/

DIANA, Daniela. Biografia de Augusto dos Anjos. Toda Matéria. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/augusto-dos-anjos/

FOGAL, Alex Alves. O Eu de Augusto dos Anjos: a ciência, a filosofia e o prosaico como elementos da fatura estética. Disponível em: https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/viewTrabalhoConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=3713307

MARCELLO, Carolina. 18 grandes poemas de Augusto dos Anjos. Cultura Genial. Disponível em: https://www.culturagenial.com/poemas-augusto-dos-anjos/

MOREIRA, Edilane Rodrigues Bento. PARA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DO AMOR:A representação do amor na poesia de Augusto dos Anjos. Disponível em: https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/viewTrabalhoConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=155300#

ROXETTE, Danilo. Monólogo de uma sombra (Augusto dos Anjos). YouTube, 13 jun 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=tVJMAzjoziM

Sem autor: Augusto dos Anjos, "o poeta da morte". Universidade Federal de Pernambuco, 2018. Disponível em: https://www.ufpe.br/arquivoccj/curiosidades/-/asset_publisher/x1R6vFfGRYss/content/augusto-dos-anjos-o-poeta-da-morte-/590249