No Clube de Leitura, um amor que demorou mais de cinquenta anos para ser vivido
“Se entregou sem medo, sem dor, com a alegria de uma aventura de alto mar, e sem vestígios da cerimônia sangrenta além da rosa da honra no lençol. Ambos o fizeram bem, quase como um milagre, e continuaram a fazê-lo bem de noite e de dia e cada vez melhor no resto da viagem, e quando chegaram a La Rochelle, se entendiam como amantes antigos."
Um amor que esperou mais de cinquenta anos para ser vivido.
Gabriel García Márquez costumava dizer que “todo bom romance deveria ser uma transposição poética da realidade”. Em O Amor Nos Tempos do Cólera, García Márquez utiliza a sua própria vivência amorosa e a de seus pais, para criar um romance inspirado nas angústias do primeiro amor e na potência desse sentimento. Uma história que não é incomum aos nossos ouvidos e existência. Talvez seja isso que faça deste livro um dos grandes romances da literatura universal.
O LIVRO
Lançado em 1985, o livro é ambientado na transição dos séculos 19 e 20 na cidade fictícia inspirada em Cartagena de Las Índias, e narra a história do amor de Florentino Ariza por Fermina Daza. Este foi o primeiro romance escrito por García Márquez depois da premiação do Nobel de Literatura por Cem Anos de Solidão, em 1982, e marca o rompimento do autor com a sucessão de obras influenciadas pelo realismo mágico. A longa espera de Florentino, que passa mais de meio século ávido por sua amada, é permeada pela implacável passagem do tempo.
O autor abre o livro com uma frase que nos faz refletir: “Era inevitável: o cheiro das amêndoas amargas lhe lembrava sempre o destino dos amores contrariados.” Os mais atentos talvez saibam que amêndoas amargas cheiram a cianeto (também conhecido como cianureto), veneno que aparece em muitos clássicos da literatura mundial — O Estranho Caso de Dr. Jekyll e Mr. Hyde, de Robert Louis Stevenson, e Um brinde de cianureto, de Agatha Christie, são alguns exemplos. Que jeito peculiar de começar uma história de amor...
O título do livro também nos deixa com uma pulga atrás da orelha: é possível amar nos tempos do cólera? O cólera é uma doença intestinal, transmitida por bactéria, que causa diarréias violentas e pode, inclusive, levar à morte. É mais comum em países pobres, sem acesso à água potável e saneamento básico. Quando se troca o artigo (a cólera), a palavra designa a raiva, a fúria e, se comparada ao texto, pode ser associada às guerras civis que tomaram conta da Colômbia durante o período retratado no livro. É possível, então, acontecer uma história de amor no meio de uma epidemia e de uma guerra?
Gabo, como é popularmente conhecido García Márquez, fala da decrepitude, da morte, do suicídio e da doença na mesma medida em que fala do desejo, do erótico, do amor. Gabriel vê beleza na crueza da realidade, nas cotidianices, no ordinário e consegue transpor isso para o seu texto.
"Então ele a olhou, viu-a nua até a cintura, tal como a imaginara. Tinha os ombros enrugados, os seios caídos e as costelas forradas de um pelame pálido e frio como o de uma rã. Ela tapou o peito com a blusa que acabava de tirar, e apagou a luz. Ele então se refez e começou a se despir na escuridão, jogando nela cada peça de roupa que tirava e que ela devolvia morta de rir." (Trecho de O Amor Nos Tempos do Cólera)
O AUTOR
Através de sua literatura, Gabriel García Márquez levou a América Latina para o mundo. Traduzido em 36 idiomas e com mais de 40 milhões de livros vendidos, o escritor colombiano deixou seu nome registrado na literatura mundial de diferentes formas.
Nascido em 1927, na caribenha Aracataca, foi o mais velho de 11 irmãos. Passou grande parte de sua infância com os avós maternos, cercado pelas histórias do avô veterano de guerra e das crenças no além-morte de sua avó, uma de suas inspirações para a literatura, junto de Faulkner e de Kafka.
“(...) foi Kafka, que, em alemão, contava as coisas da mesma maneira que a minha avó. Quando li aos 17 anos A Metamorfose descobri que seria escritor. Ao ver que Gregor Samsa podia despertar certa manhã transformado em um gigantesco escaravelho, eu disse para mim mesmo: ‘Eu não sabia que era possível fazer isto. Mas se é assim, escrever me interessa’.” (trecho de entrevista de García Márquez)
Jornalista, escritor, editor, ativista. Gabo fez parte do grupo de escritores do boom latino-americano, no final dos anos 1960, que reunia nomes como Jorge Luis Borges, Julio Cortázar e Mario Vargas Llosa. Foi um dos criadores do realismo mágico, corrente literária que traz na sua narrativa elementos mágicos ou fantásticos costurados à realidade, como parte de uma normalidade entre os personagens.
Entre tantos títulos festejados, teve 30 livros publicados ao longo de sua trajetória. Reconhecido como um dos mais importantes autores do século 20, recebeu o prêmio Nobel de Literatura em 1982, pela obra-prima Cem Anos de Solidão.
CURIOSIDADES
"O amor nos tempos do cólera é uma obra escrita na maturidade de Gabo, que tinha 57 anos quando o livro foi lançado, mas o autor já tinha tentado contar sua história em A Revoada (ou O enterro do diabo, como foi publicado no Brasil anteriormente), seu romance de estreia. Mais tarde deu-se por conta que, naquele momento, ainda lhe faltava “aprender muito sobre a arte de escrever” (relato de García Márquez em Viver Para Contar, de 2003).
O romance ganhou as telas e os palcos, sendo adaptado para o cinema na produção estadunidense e colombiana Love in the Time of Cholera (Mike Newell, 2007). O filme foi a primeira adaptação de um livro do autor produzida por um estúdio hollywoodiano. No teatro brasileiro, a obra inspirou a criação da peça Gardênia do grupo de teatro El Otro.
- Você pode conferir mais sobre a vida e obra do autor no documentário Gabo: A Criação de Gabriel García Márquez, de 2015, disponível no Netflix;
- Conheça La Gabodeca: espaço virtual da Biblioteca Nacional da Colômbia dedicado aos trabalhos do autor;
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