Conheça Luiz Fernando Toledo, especialista em dados públicos, diretor da Abraji e cofundador da agência Fiquem Sabendo
Contemplado na 10ª edição do programa de bolsas de estudo Jornalista de Visão, em 2019, Luiz Fernando Toledo atualmente está cursando Data Journalism (Jornalismo de Dados) na Columbia University, em Nova Iorque. Além do mestrado, este jornalista de 30 anos atua como diretor da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, ajudando a criar e executar projetos que monitorem o funcionamento da Lei de Acesso à Informação, e é cofundador da Fiquem Sabendo, agência especializada em dados públicos.
Jornalismo na veia
Luiz Fernando Toledo tem 30 anos e descobriu-se jornalista ainda na infância. Apaixonado por jogos de videogame, costumava ler revistas especializadas e nessa época brincava de escrever suas próprias opiniões sobre o tema. Chegou a unir-se a colegas do ensino fundamental e juntos criaram uma revista. O gosto por ler e escrever só aumentou e, quando chegou a vez de escolher uma profissão, o jornalismo era uma certeza.
Em 2009, ingressou na Faculdade de Sorocaba e não demorou para se interessar por política. Aprofundou-se no assunto com muita leitura e, após formar-se jornalista, fez uma pós-graduação em Ciência Política na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), em 2013. Ficou especialmente interessado nas aulas que falavam sobre a participação política e estratégias de engajamento de pessoas comuns em assuntos de interesse público. Durante esse curso, mesmo sem querer, plantou a semente daquilo que seria seu principal foco de trabalho dentro do jornalismo.
Nessa mesma época, entrou como trainee no jornal Estado de São Paulo, onde ficou por cinco anos, que considera a maior escola de jornalismo que teve. Foi no Estadão que aprendeu a achar histórias, entrevistar pessoas, trabalhar em equipe, sob pressão e com prazos apertados.
Foi lá também que descobriu o espaço em aberto que existia no acesso a dados públicos e na discussão sobre transparência pública. “Muitos repórteres se baseiam em fontes exclusivas e acesso privilegiado a órgãos públicos para escrever - o que obviamente é grande parte das nossas funções e um dos diferenciais de ser jornalista - mas eu senti que havia muito espaço para aprender e usar dados públicos em busca de boas reportagens também. O Estadão era um ótimo lugar para aprender sobre o tema, já que foi pioneiro no jornalismo de dados, com o núcleo Estadão Dados”, comenta.
Dados públicos e transparência
Segundo Luiz Fernando, a transparência dos dados públicos nunca foi muito bem coberta pela imprensa, porém é uma pauta importantíssima e que impacta não apenas quem trabalha como jornalista, mas principalmente os cidadãos comuns.
Uma prova disso foi quando ele publicou, em 2017, uma reportagem que inicialmente era de relevância local, mas despertou o interesse de muita gente. Através de provas em áudio, dados e documentos, ele mostrou que o alto escalão da Prefeitura de São Paulo usava estratégias deliberadas para esconder dos jornalistas dados públicos, com o intuito de manter a imagem da Prefeitura preservada. Embora não seja segredo que essa é uma prática comum em órgãos públicos, ao dar luz a provas tão explícitas desse comportamento, Luiz Fernando foi aclamado e teve seu trabalho citado em artigos e por entidades jornalísticas como a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e a Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca), sendo citado inclusive em relatórios internacionais, o que ajudou a embasar mudanças na aplicação da LAI (Lei de Acesso à Informação) pelo Governo Federal, em relação à identidade de quem faz os pedidos de informação.
Lei de Acesso à Informação
A pauta citada acima chegou até Luiz Fernando em um momento em que um grupo, formado por ele e dois colegas – um do Grupo Globo e outro do Grupo Folha –, incomodava muito o governo de São Paulo com pedidos sobre dados, feitos por meio da Lei de Acesso à Informação.
“Fiquei em cima também do Governo Federal. Até o ano passado, fui o cidadão brasileiro que mais enviou pedidos de informação, segundo dados da Controladoria-Geral da União, com quase 5 mil solicitações. Ao ver o potencial do assunto, comecei a incorporar ainda mais o uso da LAI e dados públicos no meu trabalho, percebendo também que eu poderia trabalhar em parceria com pessoas que tinham fontes que eu não tinha, mas não possuíam os dados. Isso foi crescendo internamente e eu cheguei a ter um blog no Estadão sobre o uso da LAI e transparência em geral, o Públicos. Vi que esse trabalho, embora tenha durado pouco, chamou muito a atenção de pessoas que tinham problemas parecidos com os meus no acesso às informações de órgãos públicos”, conta.
Transparência é tudo
Conforme os anos passaram, Luiz Fernando foi tendo convicção de qual caminho deveria seguir. Sentiu que traria algo útil ao jornalismo ao aprofundar-se na área de transparência, dados e registros públicos. Se deu conta que existem jornalistas especializados em muitas áreas, mas não existe um "setorista de transparência", considerado por alguns um tema chato ou de pouca relevância. Ele destaca, entretanto, que em países como os Estados Unidos, onde a Lei de Acesso à Informação é mais antiga, grandes jornais como Washington Post e New York Times possuem editores especializados no assunto. A BBC em Londres possui seu próprio especialista em transparência pública. Foi aí que ele pensou: Por que não fazer isso no Brasil também?
Como nasceu a agência Fiquem Sabendo
Em 2018, Luiz Fernando ganhou uma mini-bolsa do International Center for Journalists (ICFJ), um centro de fomento a iniciativas jornalísticas baseado em Washington D.C., nos Estados Unidos, onde passou 45 dias estudando empreendedorismo em jornalismo digital. A experiência o inspirou a criar um projeto que ajudasse jornalistas a conseguir dados públicos e fazer melhor proveito da LAI, até então usada por um pequeno nicho de jornalistas investigativos mais experientes. Durante esse período de estudos, conheceu duas ideias incríveis: o Muckrock, um site que facilita o acesso a dados públicos e cria projetos relacionados à Freedom of Information Act (a LAI dos EUA, também conhecida como FOIA), e a ProPublica, uma redação que usava a lei de transparência para projetos de meses ou até anos e possuía uma ferramenta interna para facilitar o fluxo e compartilhamento de pedidos de informação entre os jornalistas.
Ao retornar ao Brasil, por uma feliz coincidência, foi chamado para uma conversa com os jornalistas Léo Arcoverde e Maria Vitória Ramos, que queriam dar início a uma organização especializada na Lei de Acesso à Informação. Léo já havia criado um site sobre LAI chamado Fiquem Sabendo, até então um projeto solo em que ele publicava diariamente reportagens com dados obtidos pela lei. Após essa reunião, o trio uniu forças e criou um grupo, que se tornou uma associação sem fins lucrativos, com CNPJ.
Como nada acontece por acaso, nesse mesmo período, em 2018, Luiz Fernando recebeu um convite para participar de uma chapa, que acabou sendo eleita, e assim ocupou a diretoria da Abraji.
Para quem não conhece essa entidade, ela esteve à frente da luta para a aprovação da LAI no Brasil. Dentro da Abraji, Luiz Fernando ajuda a criar e executa projetos que monitorem o funcionamento da LAI e que equipem jornalistas para que façam o melhor uso da lei. Ele foi o responsável por produzir diversos relatórios sobre cumprimento da LAI, além de montar e executar uma pesquisa nacional com jornalistas e realizar dezenas de cursos sobre dados com estudantes e profissionais do jornalismo.
A repercussão
Logo após a sua criação, a organização Fiquem Sabendo tinha como principal produto um boletim de notícias online (a famosa newsletter), com a curadoria de dados obtidos pela equipe por meio da LAI e outras fontes públicas. Rapidamente ela se espalhou pelo meio jornalístico, e a associação virou uma das principais referências em dados públicos, com milhares de reportagens publicadas usando o seu conteúdo. A Fiquem Sabendo já foi usada como fonte por todos os grandes meios de comunicação brasileiros, sem exceção, e por centenas de veículos regionais e sites independentes., assim como veículos internacionais como a BBC, Reuters, Deutsche Welle, El País e Mongabay.
A repercussão foi tão grande que a Fiquem Sabendo ganhou espaço fora do jornalismo, quando um dos cofundadores e advogado, Bruno Morassutti, convenceu o Tribunal de Contas da União (TCU) a obrigar o Governo Federal a abrir os dados de pensionistas civis e militares, informação que estava em sigilo há décadas, sendo pauta de dezenas de reportagens.
Qual a importância da LAI para a sociedade?
Perguntado sobre a importância da Lei de Acesso à Informação para o cidadão comum, Luiz Fernando respondeu: “Quando pensamos em acesso à informação, muita gente acha que estamos falando de planilhas complicadas ou documentos de milhares de páginas. Não precisa ser assim. Qualquer cidadão tem o direito de saber sobre o processo de reforma de uma quadra da escola do filho. Todos têm o direito de saber se falta médico em um posto de saúde ou como o dinheiro público está sendo gasto. Quanto mais gente estiver fazendo perguntas, mais os órgãos públicos terão de pensar em formas de respondê-las, e isso passa pelo aperfeiçoamento dos dados e registros e possivelmente das políticas públicas envolvidas”.
A verdade é que a LAI pode ser usada por todos nós. Ela nos dá direito de acesso às informações públicas, e qualquer cidadão ou entidade, se assim decidir, pode se engajar e incomodar até conseguir uma resposta. Isso pode fazer toda a diferença para pequenas comunidades e para a sociedade como um todo.
Ficou interessado sobre a Fiquem Sabendo? Leia o relatório de impacto de 2021, com as principais iniciativas da associação.
Jornalismo investigativo
Além de seu trabalho junto à Abraji e à associação Fiquem Sabendo, Luiz Fernando manteve-se ativo dentro de grandes veículos jornalísticos. Além do Estadão, trabalhou como produtor de jornalismo de dados na TV Globo de São Paulo e depois como produtor em uma equipe de jornalismo investigativo e de dados na CNN Brasil. Em 2021, ganhou uma bolsa da Universidade de Oxford/Reuters Institute for the Study of Journalism para pesquisar LAI e dados públicos por um semestre. Começou então a trabalhar como o primeiro editor de um consórcio internacional de jornalismo investigativo chamado OCCRP - Organized Crime and Corruption Reporting Project, com o objetivo de fazer reportagens investigativas que relacionassem crimes e corrupção no Brasil a outros países. Em uma de suas matérias, mostrou, em parceria com a Revista Piauí, como criminosos exportam ipê amarelo ilegalmente para os Estados Unidos, em uma operação mais lucrativa do que a exportação de cocaína.
A relevância da bolsa na Columbia University
Como bolsista do Instituto Ling, Luiz Fernando está em Nova Yorque cursando o mestrado em Data Journalism (Jornalismo de Dados) na Columbia University. Por lá, aprendeu a automatizar pequenas tarefas, como ler milhares de arquivos em PDF e produzir uma planilha que mostra todos os casos em que o governo negou acesso a determinadas informações em poucos segundos.
Também se aprofundou na análise de dados com Python e desenvolve formas de ser mais transparente com os seus projetos, mostrando o passo a passo da análise até chegar nas conclusões apresentadas em um texto, por exemplo. Em seu curso, aprende a traduzir os números das reportagens em uma redação mais leve, permitindo que mais pessoas compreendam o assunto. Segundo ele, ao estar nos Estados Unidos, entende como os americanos lidam com a Lei de Acesso à Informação e pode refletir sobre como podemos melhorar a versão brasileira que, em alguns pontos, considera melhor do que a americana.
A experiência também permite a ele falar sobre as questões do Brasil para uma audiência externa, com conversas que ajudam a aprimorar a forma como pensa na estrutura de uma reportagem, seja pela abordagem, dados usados ou fontes ouvidas. Ele destaca que, embora trabalhe com dados há muitos anos, nunca conseguiu estudar com dedicação exclusiva. Além dos cursos citados anteriormente, fez um mestrado em Administração Pública na FGV com bolsa integral enquanto trabalhava na CNN Brasil, fez ainda uma pós-graduação em Ciência Política quando trabalhava no Estadão.
Essa é a primeira vez em que pode se dedicar exclusivamente aos estudos, o que permite refletir sobre o próprio fazer jornalístico e adquirir conhecimentos específicos que facilitam e melhoram o seu trabalho com dados, seja na Fiquem Sabendo ou em outros projetos. Além disso, as conexões que está criando durante o curso são extremamente importantes para pensar em novos formatos, pautas e ideias que melhorem o jornalismo e a transparência pública. Sem a bolsa de estudos, ele dificilmente conseguiria ter uma oportunidade como essa, de dedicar um ano inteiro ao estudo de um assunto que ama tanto e que faz enorme diferença em sua vida e na de outras pessoas.
Programa Jornalista de Visão
O Instituto Ling oferece bolsas de estudo para profissionais de diversas áreas, e um dos programas oferecidos chama-se Jornalista de Visão, que proporciona a jovens dessa área a oportunidade de fazer um mestrado ou especialização nas melhores universidades dos Estados Unidos e da Europa. Dessa forma, a entidade incrementa a formação de talentosos profissionais ao mesmo tempo que contribui para o fortalecimento da imprensa brasileira, como é o caso de Luiz Fernando Toledo.
01.05.2022