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Construindo pontes entre o Brasil e o mundo: o jornalismo político para Ana Luiza Albuquerque

Com apenas 32 anos, a repórter da Folha de São Paulo já carrega no currículo a passagem como jornalista por seis países. Dos textos no jornal ao projeto de podcast Autoritários, Ana leva adiante sua missão de transformar os meandros da política nacional e internacional em matérias que considerem os impactos das decisões na vida cotidiana do público. Formada pela UFRJ e mestre em Jornalismo Político pela Universidade de Columbia, em Nova York, a repórter planeja aprofundar cada vez mais seu estudo sobre a crise democrática global e, no caminho, ajudar seus leitores a entenderem qual modelo de sociedade desejamos para o futuro.

Construindo pontes entre o Brasil e o mundo: o jornalismo político para Ana Luiza Albuquerque

Ao falar de sua profissão, Ana Luiza Albuquerque é categórica: “Não consigo lembrar de um momento da minha vida que tenha pensado em ser outra coisa que não jornalista”. A carioca de 32 anos é exemplo do tipo de profissional para quem o trabalho não é mera escolha, mas vocação.

Não chegou sequer a sustentar dúvidas durante o período de vestibular. “Com 11 anos eu já dizia que queria ser jornalista. No ensino médio, ficava ansiosa para entrar logo na faculdade e poder trabalhar com isso”, lembra. Formada em 2016 pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ana Luiza carrega na bagagem nove anos de experiência como repórter de política na Folha de São Paulo e seis países carimbados no passaporte durante coberturas. 

Em 2020, a repórter foi contemplada pelo programa Jornalista de Visão, do Instituto Ling, com uma bolsa para fazer mestrado em uma universidade de sua escolha. A pós-graduação em Nova York representou mais um passo na direção da missão que Ana considera sua no jornalismo: trazer em seu trabalho uma conexão entre a política nacional e internacional com o cotidiano de quem lê – ou escuta – suas matérias. Seu projeto mais recente, o podcast narrativo Autoritários, nasceu durante o mestrado em Jornalismo Político que cursou na Universidade de Columbia. 
 

Política do texto ao áudio

“Vou te contar a história de líderes autoritários muito influentes nos tempos atuais e das pessoas afetadas por eles”, promete Ana Luiza no trailer de Autoritários, lançado na Folha de São Paulo no início de 2024.

Nos oito episódios da série, a repórter leva o ouvinte para conhecer sete países onde a democracia sofre ameaças frente à ascensão de líderes autoritários. Mas o foco não fica nos governantes, e sim, nas vidas de ativistas exilados, de pessoas que perderam familiares para a violência política, de um jornalista perseguido pelas autoridades e de outras pessoas que foram diretamente afetadas por práticas de cerceamento de liberdades. 

“Quase sempre, se fala de democracia de uma maneira teórica, conceitual. A ideia era trazer as vítimas para o centro para conseguir criar empatia em quem está escutando: ao ouvir o que aconteceu com essa outra pessoa, posso pensar que poderia ser eu ali também”, explica Ana.

Foram seis meses de viagem para fazer as entrevistas que compõem o podcast e mais um semestre de trabalho sobre o extenso material coletado. O objetivo? Usar o jornalismo como ferramenta para levar a cobertura política do imediatismo das matérias de texto diárias para uma análise mais aprofundada da crise da democracia que ocorre mundo afora. 

O projeto foi também a primeira incursão de Ana, jornalista de texto desde o início da carreira, no mundo do áudio. E o retorno do público mostra que a estreia neste formato foi um sucesso: pessoas dos mais variados espectros políticos responderam com interesse – e preocupação – ao material. 

“Eu queria construir uma mensagem didática sobre esse processo histórico, e queria que esse projeto chegasse ao máximo de pessoas possível. Daqui a muitas décadas, vamos olhar esse período e enxergar a crise da mesma forma que vemos os anos pré-fascismo no século 20.”

Seja nos Estados Unidos, na Hungria, na Nicarágua, na Índia ou mesmo no Brasil, a crise democrática que afeta instituições como o Congresso e o Supremo se instaura também no jornalismo. Por isso, trabalhar com temas políticos exige repensar o papel da imprensa na vida das pessoas. “Ao mesmo tempo que estou cobrindo a crise, faço parte disso. É um desafio enorme, sem soluções fáceis. Para contornar, vejo que a única coisa que posso fazer como jornalista é tentar fazer meu trabalho da forma mais equilibrada, aprofundada e objetiva que eu conseguir”, responde Ana.

 

A porta de entrada para o mundo da política

A curiosidade e o caráter decidido que guiaram a carioca ao jornalismo a acompanharam no momento em que decidiu quais eram seus temas de interesse. Quando foi admitida para o programa de trainee da Folha de São Paulo, o texto de apresentação anunciava: “Ana Luiza Albuquerque tem 23 anos e já sabe em qual editoria quer trabalhar: Poder.”

Quando se formou na graduação, outra certeza que levava era a de que precisava deixar sua cidade natal. “Me sentia muito limitada no Rio, e a Folha sempre foi um lugar que admirei e me via trabalhando.”

A aprovação para o programa da Folha em 2016 foi só a primeira de uma série de boas notícias que sabia que mudariam sua vida. “Lembro que estava em São Paulo visitando uma amiga e a editora me ligou para contar que eu tinha passado. Eu tinha certeza de que aquela ligação ia mudar minha vida para sempre.”

Um ano depois do treinamento, já trabalhava como repórter efetiva na Folha. Desde então, passou por três cidades no rastro da cobertura de política. Aos 25 anos, foi escalada para acompanhar a Operação Lava Jato, em Curitiba. A experiência já foi capaz de lhe dar o “gostinho” de ver a história da política se desenrolar bem na sua frente.

O ano de 2018 trouxe o retorno para sua cidade natal: foi designada para cobrir direitos humanos e segurança pública no Rio de Janeiro. A experiência como repórter garantiu que voltasse para a capital carioca com um olhar diferente para problemas que são velhos conhecidos da cidade.

O período no Rio reforçou a conexão que é marca do trabalho de Ana: uma visão ampla da política, nacional e internacional, sempre aliada às implicações concretas no cotidiano dos moradores. “Perdi a conta de quantas vezes tive de entrar em favelas depois de operações e conversar com familiares de pessoas que haviam sido mortas pela polícia. Profissional e pessoalmente, foi uma cobertura que me ensinou a lidar com o trauma das pessoas, a fazer entrevistas em meio a isso, algo que precisei fazer de novo no Autoritários”.

 

De São Paulo a Nova York

A alegria de ser selecionada para trabalhar na Folha de São Paulo se repetiu em 2020, quando o programa Jornalista de Visão selecionou Ana para receber uma bolsa de mestrado. “Era um sonho estudar em Columbia, mas nunca pensei que pudesse acontecer, que fosse viável. A bolsa teve um impacto imensurável para mim, abriu muitos caminhos”. 

Apaixonada pela cidade grande, Ana descobriu novos roteiros para sua carreira ao realizar o antigo sonho de morar em Nova York. “Desde adolescente eu falava que queria morar em Nova York e ser correspondente. Agora que já morei lá, ser correspondente internacional é um projeto para daqui a algum tempo”, revela.

Foi durante o mestrado em Jornalismo com concentração em Política que a repórter teve a inspiração para criar o projeto Autoritários. Com a orientação de um repórter da renomada revista New Yorker, foi para a Hungria no final de 2022 escrever a tese de final de curso, que investigava como o presidente Viktor Orbán capta os interesses de professores estadunidenses fornecendo bolsas de pesquisa. 

“Me deixava muito curiosa como esse país pós-comunista tinha se tornado uma referência para a extrema direita global”, explica. A curiosidade rendeu uma publicação na revista Foreign Policy e a ideia de um projeto para descobrir como políticas similares de líderes autoritários se desenvolviam ao redor do globo.

No mesmo dia de sua formatura no mestrado, recebeu mais uma ligação com o poder de mudar sua trajetória: o aviso de que tinha ganhado uma bolsa do instituto Pulitzer Center para fazer uma cobertura sobre líderes autoritários em ascensão globalmente. 

Além do caso da Hungria, os oito episódios veiculados entre 8 de fevereiro e 15 de maio de 2024 abordam casos em países como Índia, Venezuela, El Salvador, e até EUA e Brasil.

 

Os planos para o futuro, dentro e fora das páginas de jornal

Se Ana Luiza nunca se viu sendo outra coisa que não jornalista, isso não significa que este seja seu único papel. Em 2025, ela se prepara para assumir mais um: ser mãe. E embora a experiência de quase uma década tenha minado o idealismo com que via a profissão na adolescência, Ana segue acreditando que, coletivamente, o jornalismo pode mudar o mundo – seja para as fontes que ela entrevista ou para a pequena Clarice, que chegará em breve. 

“Trabalhar no Autoritários é também trabalhar para evitar um mundo que não quero que seja o mundo onde ela cresça”, pensa Ana Luiza. “Gostaria que ela vivesse num mundo onde a democracia é firme, um mundo mais justo e equânime, com menos desigualdade e violência”, resume.

Para os próximos anos, vislumbra escrever um – ou mais – livros e transformar o podcast em um projeto de texto. Mas sua atração pelo estudo acadêmico também promete um retorno para as universidades: a jornalista não descarta um doutorado, e planeja se especializar ainda mais para ampliar sua atuação para o áudio e a TV. 

“O podcast dá a oportunidade de fazer comentários e análises. Espero conseguir continuar me aprofundando nesse tema da crise da democracia a longo prazo, quero estar cada vez mais preparada para fazer análises, e seria um ângulo que eu gostaria de me dedicar mais no futuro.”

Entre diferentes possibilidades de atuação, algo é certo: ser jornalista é a grande vocação de Ana Luiza. “Acho que nunca vou conseguir me desvencilhar dessa missão, da vocação de ser repórter”, resume.

Na investigação das estratégias políticas de conquista e manutenção do poder de líderes autoritários, Ana encontrou um modelo de sociedade que fica bem distante do que ela sonha para o futuro. E mesmo que o jornalismo, sozinho, não mude o mundo, a profissão pode apontar caminhos. “Esse mundo, onde as pessoas tenham os direitos humanos defendidos e as liberdades preservadas, é o que eu gostaria que existisse para todas as crianças que estão nascendo hoje, não só aqui, em Higienópolis, mas em lugares menos privilegiados, como em uma das casas sem água onde estive na Índia".

 

Para acessar Autoritários, clique aqui. 

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