Desafiadora e incrível: a jornada de Talita Abrantes desde a gestação até a vida em outro país
Pouco depois de iniciar o processo seletivo do Jornalista de Visão, Talita Abrantes recebeu um outro resultado positivo - o teste da gravidez - como motivador extra para impulsionar seus sonhos. E assim que a pandemia deu um tempo, mudou-se com marido e filho pequeno para Londres para cursar o mestrado em Marketing Internacional pelo King's College London, com a dissertação concluída com distinção.
Olhando de fora, é uma coincidência que tanto a gestação quanto o processo seletivo da bolsa do Instituto Ling tenham 9 meses de duração. Período que foi vivido com ansiedade e felicidade ao mesmo tempo. O desejo de ter filhos já existia, mas Talita achava que demoraria para engravidar. Só que, como diz o ditado popular, a vida não está nem aí para o seu planejamento.
– Me inscrevi no processo de seleção do Programa Jornalista de Visão, na semana seguinte fui fazer o TOEFL (teste de proficiência em inglês) e já estava grávida. Quando descobri a gravidez, a primeira reação foi de muita alegria, mas a segunda foi de incerteza. Quando que vão dar uma bolsa de mestrado para uma mulher esperando um bebê? – conta.
Talita foi aprovada em todas as etapas do processo seletivo, incluindo uma presencial em Porto Alegre, da qual se lembra até hoje de todos os detalhes, incluindo o que estava vestindo. E não porque moda seja sua prioridade, e sim porque nas vésperas de viajar, já com cinco meses de gestação, a barriga “despontou”, como costuma acontecer a muitas mulheres.
– Em vez de ficar me preparando para a etapa presencial, tive que correr para procurar roupa de gestante. E lembro de ter pensado que homem não tem que passar por isso. Mas foi uma experiência muito interessante porque ninguém perguntou ou comentou nada. E olha que era difícil não notar a barriga já bem saliente – recorda.
Reação bem diferente da que testemunhou quando contou no trabalho que estava esperando um bebê. Chegou a ouvir que sua carreira iria estagnar após o nascimento do bebê. A vida profissional da jornalista seguia em progressão, bem-sucedida e encaminhada. Talita somou 10 anos de Editora Abril desde 2008, tendo começado como estagiária na revista Info e depois evoluindo como repórter no site da revista EXAME, editora-assistente e editora de praticamente todos os canais do site da revista, incluindo Brasil, Gestão e Carreira. Em 2012, ganhou o Prêmio Abril de Jornalismo Roberto Civita, que reconhece jornalistas que se destacaram com uma viagem educacional para o exterior. No ano seguinte, Talita completou o programa de educação executiva Yale Publishing Course.
Natural de Americana (SP), o primeiro gostinho de Talita pelo Jornalismo veio quando ganhou um concurso de redação aos 13 anos. A visita à redação da TV Globo da região a encantou. Anos depois, aos 17, veio a confirmação. Como aluna de uma Escola Técnica Estadual, teve seu projeto de Ensino Médio selecionado para a Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace), sendo premiada com uma menção honrosa e com a chance de acompanhar os bastidores da emissora. Dessa vez, em São Paulo.
No ano seguinte, foi aprovada no vestibular de Jornalismo da USP (Universidade de São Paulo) -- na época, mais concorrido do que Medicina. Os anos de faculdade foram de muita dedicação, inclusive com vários créditos extras para aproveitar a oportunidade. Algum tempo depois, também concluiu uma pós-graduação em Comunicação Digital pela mesma universidade.
Mestrado e vida nova em Londres
Aos 8 meses de gravidez, Talita recebeu a tão esperada ligação comunicando o resultado do processo seletivo do programa Jornalista de Visão do Instituto Ling. No evento de premiação dos bolsistas, um café da manhã em São Paulo, a gestação chegava a 36 semanas. Samuel nasceu duas semanas depois.
– “Seu filho estará caminhando quando você for viajar”’, me disse a Gisele Nunes (líder de projetos na área de bolsas) naquele telefonema. Fico até emocionada só em lembrar. Ela e o Instituto Ling entenderam que era uma questão muito importante para mim.
Os planos eram fazer o mestrado em 2020, quando Samuel tivesse um ano. Mas aí estourou a pandemia. Nem deu tempo de começar a selecionar universidades para fazer inscrição. A boa notícia era que daria para fazer tudo com calma, pois o prazo de cursar a pós-graduação era de 3 anos.
Ao voltar da licença-maternidade de quatro meses, Talita abraçou uma vaga de emprego na comunicação corporativa do Nubank. Um dos motivos que a encantou foi a infra-estrutura da nova empresa em acolher as mães, desde o clima geral até os detalhes, como o espaço para colocar as fotos dos filhos na salinha de amamentação.
Nesse período, a jornalista passou a pesquisar quais cursos poderia fazer no eExterior. O ponto de partida foi decidir o país, pensando pelo ponto de vista já de mãe com criança pequena. Assim, elegeu a Inglaterra como destino da família.
No Reino Unido, Samuel teria algumas horas por semana custeadas pelo governo para ficar em uma escolinha; os pais complementariam a mensalidade das horas restantes para que Talita conseguisse conciliar a rotina do mestrado. O astral de Londres foi decisivo também. “Uma vibe de cidade de interior em cada bairro”, na definição de Talita. Era essa a experiência que desejavam para o filho. A escolha do mestrado também foi certeira: marketing internacional no King’s College, o passo seguinte desejado para a carreira.
Samuel tinha 3 anos quando os pais embarcaram. E ainda que todo mundo diga que criança se adapta facilmente a qualquer situação, o processo não foi imediato, especialmente pela língua.
– A adaptação foi desafiadora, pois em português ele já chegava nos lugares puxando papo, falando com todo mundo. Mas agora já está 100% inserido na cultura, conversa com todos e é por isso que decidimos ficar por aqui, pelas oportunidades para nosso filho – explica.
A rotina de estudante que Talita citou era puxada: em muitos dias, chegava a mais de 8 horas presenciais na universidade, somando as aulas, as palestras, e dedicação para desenvolver projetos e solucionar estudos de caso em grupo, para além dos estudos em casa. Para conseguir equilibrar as demandas da maternidade, muitas vezes trazia os colegas de classe para a própria casa.
– Tenho até uma foto desses momentos. Meu filho voltou da escola no meio da tarde e ficou brincando de carrinho do meu lado, com a turma em volta enquanto fazíamos análise de dados e cálculos. Tenho certeza de que esse contato com culturas diferentes vai ser muito relevante para a vida toda dele. Acredito que será uma pessoa muito mais empática, no sentido de entender o outro, por ter tido acesso a essa diversidade.
Ser mãe, reforça a jornalista, realmente trouxe uma experiência do mestrado muito diferente em relação à dos colegas. E não só pelos desafios. Mas, principalmente, pelas oportunidades que a maternidade ofereceu. Além dos amigos da universidade, a vida com filho pequeno abriu outro mundo, como o convívio com as famílias das crianças da escolinha. Sem falar no acesso ao próprio repertório cultural de outro país, como as músicas infantis e os livros tradicionais que a professora compartilhou com Talita para ensinar inglês a Samuel.
Para a conclusão do curso, Talita desenvolveu uma pesquisa sobre como os CEOs famosos moldam as expectativas e percepções do consumidor sobre o produto. O trabalho final foi aprovado com distinção. E não apenas isso:
– Ler os comentários do avaliador de que o texto estava "bem escrito" foi um elogio encorajador para um falante não nativo de inglês como eu.
Após dois anos de Nubank, Talita foi convidada para atuar na startup de saúde Alice, como head de comunicação corporativa. Com a conclusão do mestrado, passou a trabalhar como consultora de comunicação e marketing para pequenas empresas e startups. Ela também é editora de conteúdos premium na startup brasileira Think Work.
Um projeto recente acabou espelhando a própria experiência pessoal dos últimos anos. Talita integrou a equipe que produziu uma das mais completas pesquisas sobre parentalidade no mercado de trabalho no Brasil. O estudo da Think Work revela que mais da metade dos profissionais já tiveram de abrir mão de oportunidades profissionais por terem filhos.
– Acredito que, sempre que uma mãe dá passos corajosos, uma nova geração fica mais empoderada. Estudar fora com uma criança pequena foi uma decisão muito corajosa nossa. E o fato é que ser mãe é justamente o meu principal motor para não me conformar. Quero que meu filho aprenda que devemos sempre almejar o crescimento, por mais desafiadoras que sejam as circunstâncias.