Josyara canta e encanta na batida do violão
São muitos os atributos que colocam a cantora, compositora e violonista baiana Josyara entre as grandes revelações da música popular brasileira contemporânea. Um deles é o destaque ao fato de ela ser também instrumentista. Indica tratar-se de uma artista incomum. Em suas mãos, o violão não é um mero acompanhante da voz potente. É protagonista. Com um virtuosismo no qual delicadeza e vigor se somam na construção de uma batida percussiva e harmoniosa, Josyara segue o caminho de mestres como João Gilberto, Baden Powell, Toquinho e João Bosco.
Na primeira passagem pela Capital, em abril de 2019, ela promovia o elogiado álbum Mansa Fúria, lançado no ano anterior, com o qual estabeleceu sua identidade sonora. Apresentava-se ao Brasil como um talento emergente a ser acompanhado – o trabalho a colocou nas mais importantes listas e premiações da temporada e lhe valeu o prêmio de artista revelação do Women's Music Events Awards (WME). Para Josyara, Mansa Fúria foi seu real trabalho de estreia, pois o primeiro disco, Uni Versos (2012), teve circulação restrita – e não está disponível nas plataformas de streaming.
Gravado entre novembro de 2021 e maio de 2022, em Salvador, São Paulo e no Rio de Janeiro, Àdeusdará traz as marcas do período em que o mundo parou por conta da pandemia do coronavírus. Josyara, como outros artistas, teve de interromper projetos e viagens. Aproveitou para experimentar novas texturas sonoras nas vastas possibilidades da música eletrônica: “Quando deparei com os medos e ansiedades que a pandemia me trouxe, tive que encarar com toda força para não paralisar”, explica em entrevista ao Instituto Ling. “Busquei outros meios de sobreviver criando. A ideia de usar a máquina para produzir sons e bases me deixou um tanto apaixonada. Com toda a dificuldade do momento, consegui me guiar lembrando o que queria alcançar. Acho que a maior diferença entre os meus dois trabalhos é que em ÀdeusdarÁ experimentei a solidão, devaneei demasiado o futuro. A maior semelhança é a resistência de realizar o que é preciso”.
Tradição e modernidade
As dez faixas de ÀdeusdarÁ são carregadas de uma brasilidade pulsante, com Josyara percorrendo os caminhos que lhe deixaram impressões afetivas e musicais em 30 anos de vida. Do interior à metrópole, do samba de roda aos beats eletrônicos, do intimismo à exuberância. A tradição é a fonte para inovar e experimentar. Suas letras falam de amor, desejo, pertencimento, raízes, saudade, negritude, religiosidade, meio ambiente e crítica social. Além de compor, cantar e tocar violão em todas as canções, ela assina também os arranjos, a direção e a produção do álbum.
Nascida em Juazeiro, como João Gilberto, Josyara refez a rota de tantos outros artistas nordestinos antes dela em direção ao centro do país. Nasceu e cresceu no sertão baiano, amadureceu como artista sob a brisa do mar de Salvador e escolheu viver cercada pelo concreto de São Paulo. “Na minha experiência como retirante foi muito necessário esse êxodo Nordeste/Sudeste. Os recursos financeiros ainda se concentram totalmente em São Paulo e Rio. É triste, porque se houvesse incentivos bem distribuídos pelo resto do país teríamos muito mais apoio aos movimentos culturais incríveis que acontecem nas cidades. Não falta artista interessante. As mídias não são suficientes, pois elas trabalham para a máquina. Ou seja, se você não paga seu som, não chegará em todo mundo”, diz Josyara.
O violão como extensão do corpo e da voz
Ainda menina, em Juazeiro, teve seu primeiro contato com o violão. O instrumento era de seu avô. Dedicou-se a explorar o mundo que se abria no dedilhar das seis cordas. Começou a se apresentar pela região e tomou gosto. Mudou-se para Salvador, estudou música e aprendeu a ler partitura transitando entre o erudito e o popular. Começou a investir no seu próprio repertório e a chamar atenção do público e da crítica no circuito de shows e festivais.
O domínio do violão tornou-se um indissociável complemento à sua performance. Dois mestres baianos do instrumento, Marília Sodré e Roberto Mendes, foram figuras inspiradoras para Josyara: “O violão brasileiro como um todo é o grande mestre pra mim. São muitos jeitos de tocar e isso é lindo. Roberto me apresentou um novo jeito e fiquei impactada com o tambor de corda. A partir desse momento, comecei a querer copiá-lo, sem sucesso (risos). Desse modo, fui me entendendo e juntando minhas outras referências, para que minha canção ou aquela que venha interpretar soe com a minha cara, para que meus sentimentos apontem um caminho”.
Sobre o que vem antes no seu processo de criação, a música, a batida ou a letra, explica: “Não tenho muito um método fixo de compor. Às vezes, vem tudo junto, às vezes não. Demoro um tanto e repito até cansar”. Josyara diz ainda que a fusão entre o som acústico do violão e as camadas de sons eletrônicos e samples segue um processo muito intuitivo: “Me sinto por vezes uma cientista misturando frequências, estragando coisas até chegar em algo que eu julgue ser o que estava procurando. Em muitos momentos nem sei o que quero! Vou fazendo e sentindo. Gosto de ser livre”.
Já o processo de escrita das letras, conta ela, combina a inspiração que brota de forma espontânea com o desejo de falar de algo que lhe é urgente: “Depende muito. Acontece dos dois jeitos. Em Ouro e Lama, por exemplo, quis denunciar o descaso com meio ambiente e citar os crimes da mineração e o caso de Brumadinho. Fiz pensando nisso. Já em Clarão descrevo um sonho que tive com Iansã, trazendo elementos dessa entidade, lembrando das coisas que vivi em Salvador”.
Influências e parcerias
No caldeirão de influências em que bebe, entre nomes famosos e nem tanto, Josyara pesca algumas referências: “Gilberto Gil, Caetano Veloso, Juliana Linhares, Giovani Cidreira, Lenine, Cátia de França, Roberto Mendes, Margareth Menezes, Timbalada…”. Desde o começo de sua trajetória, Josyara espraia seu trabalho em parcerias com artistas de diferentes gêneros e gerações. Em ÀdeusdarÁ, tem como convidada, na faixa ladoAlado, a cantora Margareth Menezes. A canção MAMA tem como coautora Juliana Linhares, outro nome de destaque na nova onda de jovens talentos da música nacional. O álbum conta ainda com a participação de dois integrantes do grupo BaianaSystem: Ícaro Sá, no arranjo das percussões, e Seko Bass, coprodutor de três faixas.
É a continuidade de uma rotina de encontros. A convite de Pitty, Josyara regravou com a roqueira o hit Anacrônico, lançado como single em 2020. Neste mesmo ano, apresentou com Giovani Cidreira o álbum Estreito. Em 2019, registrou com Ceumar uma versão de Espiral de Ilusão, de Criolo. São encontros regrados pelo afeto: “Tenho que gostar, me emocionar, achar bonito. É simples, escuto e bate um desejo de cantar, de me juntar”.
DICAS DO LING
Ouça Josyara no Spotify. A plataforma musical disponibiliza os álbuns solo ÀdeusdarÁ e Mansa Fúria e projetos em parceria como, entre outros, Estreite, gravado com Giovani Cidreira.
Videoclipes e playlists, entre outros, conteúdos, podem ser vistos e ouvidos no canal da artista no YouTube.
O programa Cultura Livre apresentou em 2019 uma performance ao vivo de Josyara.
Josyara mostra no canal Amplifica sua versão para Na Hora do Almoço, de Belchior.
REFERÊNCIAS
CARTA CAPITAL. Josyara se impõe com voz firme, violão percussivo e canções com novos olhares
Disponível em https://www.cartacapital.com.br/cultura/josyara-se-impoe-com-voz-firme-violao-percussivo-e-cancoes-com-novos-olhares/
NOIZE. Josyara sintetiza percussão baiana no disco ÀdeusdarÁ
Disponível em https://noize.com.br/entrevista-josyara-sintetiza-percussao-baiana-no-disco-adeusdara/#1
VOGUE. Furacão baiano: Josyara é a artista que você precisa incluir na playlist já
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https://centrodaterra.org.br/josyara
https://noize.com.br/entrevista-josyara-sintetiza-percussao-baiana-no-disco-adeusdara/#1