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Lições sobre ambição e poder em Macbeth

Ross

Ai, pobre pátria,

Quase com medo de reconhecer-se. Ela não é

Mais nossa mãe, mas nosso túmulo; onde ninguém,

Exceto aquele que nada sabe, é visto a sorrir;

Onde suspiros, lamentos e brados de romper o ar

Soam e não são notados; onde a dor violenta parece

Uma aflição trivial. Dobram os sinos pelos mortos

E mal se pergunta por quem, e os homens bons

Expiram antes que as flores em seus chapéus

Percam o frescor e feneçam.

 

Macduff

Que relato

Tão acurado e tão verdadeiro.

 

Malcolm

Qual a mais recente desgraça?

 

Ross

Contar a última é zombar do narrador,

Pois cada minuto gera uma nova.”

 

A que ponto um homem pode chegar para alcançar o poder? E para mantê-lo? É necessário sacrificar quantas vidas para que um tirano sacie sua ambição?

 

Um clássico da literatura dramática, Macbeth é uma das mais importantes reflexões de William Shakespeare sobre os perigos da mente humana. Sua obra mais sombria é também uma conversa com os dias que vivemos.

A tragédia se passa na Escócia medieval. Três bruxas encontram Macbeth, general que estava lutando em favor da coroa escocesa numa revolta contra o Rei Duncan, e preveem que ele será nomeado Thane de Cawdor (um título da nobreza escocesa), sendo em seguida Rei da Escócia. As bruxas desaparecem e cavalheiros se aproximam para avisar que Macbeth fora nomeado Thane de Cawdor, o que faz com que Macbeth entenda a anunciação das bruxas como uma profecia. Ele escreve a sua esposa o que acabara de acontecer. Ao perceber a ambição do marido, Lady Macbeth invoca espíritos malignos para que eles a encham de crueldade e, assim, possa ajudá-lo em sua ascensão à coroa. Macbeth mata o Rei Duncan, torna-se o novo rei e, completamente embebedado pelo poder, continua cometendo uma série de assassinatos para se manter no trono da Escócia.

Macbeth, ao falar sobre o desejo, traz a ruptura entre o mundo medieval que encena e o mundo moderno em que foi escrita. Afinal, o que é ser humano: é desejar e concretizar o desejo (mundo moderno) ou desejar e saber o limite deste desejo (mundo medieval)? Dizer não ao que se deseja não é tirar o que há de mais humano em nós?

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Lady Macbeth

(...) Temes

Ser o mesmo em teus atos e coragem,

Como eras em desejos?”

 

O apaixonado casal Macbeth se une na ambição, mas, a partir da primeira morte, parece dividir-se. Macbeth, que antes titubeava sobre suas ações sanguinolentas, passa a ignorar qualquer sentimento que o impeça de alcançar seu objetivo; Lady Macbeth, que outrora encorajava o marido e até punha em cheque sua masculinidade quando ele se mostrava indeciso do regicídio, encontra sua própria consciência e enlouquece ao se arrepender dos inúmeros crimes cometidos.

 

“Quem pensa que o teatro de Shakespeare tem um efeito moral, e que a visão de Macbeth repele irresistivelmente a pessoa do mal da ambição está enganada. (...) Aquele que é realmente possuído por uma ambição furiosa vê esta imagem com alegria; e se o herói perece por sua paixão, esse é precisamente o tempero mais agudo do caldo quente dessa alegria.” (Nietzsche em Aurora)

 

Na adaptação cinematográfica Macbeth: Ambição e Guerra (2015), do diretor australiano Justin Kurzel, gravada na Escócia, somos transportados para o medievo escocês contado por Shakespeare. Um universo carregado por uma beleza sombria representada no filme através de sua fotografia, que optou por uma paleta de cores frias, tendo de vivo apenas tons de sangue e fogo. O roteiro foi adaptado por Jacob Koskoff, Michael Lesslie e Todd Louiso com objetivo de manter a essência dos diálogos e monólogos do texto original.

O general Macbeth é interpretado por Michael Fassbender, que transita entre conturbadas emoções que tomam conta do personagem: ele passa de um sentimento de remorso e compaixão para um desejo desmedido pelo poder, sendo consumido pelo medo do futuro previsto pelas três bruxas. Compartilhamos da ansiedade de Macbeth, que nunca está satisfeito com o que tem. A mudança de comportamento do personagem é marcada pela presença de Lady Macbeth e seu poder transgressor. A personagem vivida pela atriz francesa Marion Cotillard é quem inspira a ambição do personagem, e sua ruptura de valores é marcada pelo assassinato do rei Duncan, que ocasiona sua ascensão ao status de rei.

O filme foi apresentado no 68º Festival de Cannes, em 2015, e indicado ao prêmio Palma de Ouro, sendo mais uma adaptação de Macbeth a entrar para a história junto a tantas outras de sucesso feitas por renomados diretores como Macbeth (1948), de Orson Welles, Trono Manchado de Sangue (1957), de Akira Kurosawa, e Macbeth (1971), de Roman Polanski.

 

QUEM FOI SHAKESPEARE?

William Shakespeare (1564-1616) nasceu em Stratford-upon-Avon, ao noroeste de Londres, Inglaterra, no dia 23 de abril de 1564. Faleceu na mesma cidade e no mesmo 23 de abril, mas em 1616. Escreveu 38 peças, 154 sonetos e muitos poemas. Suas peças são conhecidas por sua inventividade e grandeza poética na linguagem, por uma profundidade filosófica e pela complexa construção de personagens. É tido como o inventor do humano pelo renomado crítico inglês Harold Bloom e é considerado um dos maiores autores de todos os tempos.

Filho de um rico comerciante, John Shakespeare, e de Mary Arden, vinda de uma família prestigiada na região. Sabe-se muito pouco sobre a infância e a juventude de Shakespeare, mas é sabido que casou-se com Ann Hathaway, filha de um fazendeiro, em dezembro de 1582. Tiveram três filhos.

No ano de 1594, Shakespeare já tinha escrito algumas de suas grandes obras, como Henry VI, Richard III, Titus Andronicus, The Two Gentlemen of Verona (Dois cavalheiros de Verona), Love’s Labour’s Lost (Trabalhos de amor perdido, The Comedy of Errors (A comédia dos erros) e The Taming and the Shrew (A megera domada). Em 1596, ano em que seu filho Hamnet faleceu, Shakespeare escreveu uma de suas peças mais famosas, Romeo and Juliet, e também A Midsummer’s Night Dream (Sonho de uma noite de verão), Richard II e The Merchant of Venice (O mercador de Veneza). Entre 1597 e 1598, escreveu Henry IV, peça em que aparece seu famoso personagem cômico, Falstaff. Em dezembro de 1598, a companhia teatral na qual Shakespeare fazia parte construiu a casa de espetáculos Globe Theatre. Nos anos que seguiram, Shakespeare escreveu Henry V, As You Like It (Como gostais), Jules Cesar, Troilus and Cressida, The Merry Wives of Windsor (As alegres matronas de Windsor), Twelfth Night (Noite dos Reis) e a célebre Hamlet.

Com a morte da Rainha Elizabeth I, em março de 1603, assume o trono o rei James, que contrata permanentemente a companhia de Shakespeare. Eles passam a serem chamados de King’s Men (Homens do Rei). Vieram All’s Well that Ends Well (Bem está o que bem acaba), Measure for Measure (Medida por medida), Othello, Macbeth, King Lear, Anthony and Cleopatra e Coriolanus.

Shakespeare diminui seu ritmo de escrita a partir de 1601. Em 1608, a King’s Men comprou um teatro privado em Blackfriars. Lá as peças eram encenadas em um ambiente fechado e o ingresso custava mais caro, ou seja, o público não era tão popular. Parece ser nesta época que Shakespeare abandona os palcos, pois seu nome não aparece mais nas listas de atores. Voltou a viver em sua cidade natal, onde era considerado um dos mais importantes cidadãos. Escreveu quatro peças tragicomédias, subgênero que ganhava fama na época: Péricles, Cymbeline, The Winter’s Tale (Conto de inverno) e The Tempest (A tempestade), última a ser encenada na corte em 1611.

O prestígio de William Shakespeare em Stratford era tamanho que foi enterrado na parte reservada ao clero na Igreja da Santíssima Trindade.

 

CURIOSIDADES

Você sabia que a palavra assassination foi criada por Shakespeare na peça Macbeth? Já existiam outras palavras para dar nome ao ato de assassinar alguém, mas o uso mais comum foi cunhado pelo Bardo. Existe até um termo para se referir a todas as palavras criadas por Shakespeare: é Williamisms (algo como Williamismos ou Williamnices em português). 

Shakespeare desfrutou seu tremendo sucesso ainda em vida. Em 1598, ele já era considerado o mais importante dramaturgo da língua inglesa! Além de terem sido vistas por milhares de espectadores, suas peças eram impressas e vendidas em publicações, inclusive pirateadas! E nós acreditando que conseguir o PDF de um livro era novidade do mundo contemporâneo…

Você sabia que nos teatros elisabetanos não havia cenário? E que a plateia ficava de pé? Isso mesmo, os teatros de madeira eram construções simples, a céu aberto. No fundo do palco ficavam duas portas, em que os atores (apenas homens podiam ser atores) entravam e saíam. Objetos simples e peças de roupa eram de extrema importância, pois ajudavam o público a compreender a história. 

Shakespeare escreveu a maioria dos papéis principais de suas tragédias para Richard Burbage, sócio e ator da sua companhia teatral.

Os atores Michelle Terry e Paul Ready, que interpretaram o casal Macbeth em 2018, falaram sobre essa experiência em um episódio do podcast Such Stuff, criado pelo Shakespeare’s Globe. 

Os aclamados atores Ian McKellen e Judi Dench interpretaram, em 1976, o casal Macbeth para a Royal Shakespeare Company.

Em 1992, tivemos no Brasil duas relevantes montagens de Macbeth no teatro: Macbeth, de Ulysses Cruz, e Trono de sangue, de Antunes Filho. A primeira adaptada por Ulisses Cruz, contava no elenco com atores de sucesso da TV aberta como: Antônio Fagundes, Vera Fischer, Paulo Goulart e Stênio Garcia. A peça viajou por vários estados sendo um sucesso comercial e foi gravada para transmissão televisiva. Já a versão de Antunes Filho foi inspirada na adaptação cinematográfica da peça, Trono Manchado de Sangue (1975), do diretor japonês Kurosawa.

 

DICAS DO LING

 

REFERÊNCIAS

A tragédia de Macbeth = The tragedy of Macbeth / William Shakespeare; Tradução Rafael Raffaelli. – Florianópolis: Ed. da UFSC, 2016. 255 p. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/187471/A%20trag%C3%A9dia%20de%20Macbeth%20e-book.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 05/06/2020.

Trabalhos de amor perdidos. William Shakespeare; tradução de Beatriz Viégas-Faria. Porto Alegre: L&PM, 2007. 136 p.; 18 cm. (Coleção L&PM Pocket Plus)

SMITH, Cristiane Busato. O belo e o feio em cena e nos bastidores: duas montagens de Macbeth no Brasil turbulento de 1992. Tradução em Revista 14, 2013/1, p. 100-112. Disponível em: https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/22053/22053.PDFXXvmi=. Acesso em: 09/06/2020.

CASTRO, Eliana de. Macbeth – Ambição e Guerra: ode à beleza sombria de Shakespeare. Site Fausto Mag. 2016. Disponível em: https://faustomag.com/macbeth-ambicao-e-guerra-ode-a-beleza-sombria-de-shakespeare/

Macbeth: Ambição e Guerra. Site Adoro Cinema. Disponível em: www.adorocinema.com/filmes/filme-221172. Acesso em 12/06/2020.