Jornalismo e Tecnologia andam juntos - conheça Natália Mazotte

Natália Mazotte (JV 2017) decidiu ser jornalista a partir da vontade de narrar histórias, mas foi seu encantamento pela tecnologia que determinou os rumos de sua trajetória. Co-fundadora da Escola de Dados no Brasil e da publicação Gênero e Número, Natália foi uma das pioneiras no jornalismo de dados no país. Com a carreira consolidada em veículos de imprensa, organizações do terceiro setor e também na academia, precisou se adaptar ao mundo corporativo em 2022 quando juntou-se ao time da Google. Hoje, à frente da área de relacionamento com a indústria jornalística, usa a experiência adquirida ao longo dos anos para impulsionar novos veículos, contribuindo para o fortalecimento da imprensa brasileira.

Jornalismo e Tecnologia andam juntos - conheça Natália Mazotte

Muitas das nossas escolhas são pautadas consciente e inconscientemente pelas nossas vivências. Com Natália, não foi diferente. Ela conta que a sua opção pelo jornalismo se deu de uma forma natural e em virtude dos exemplos que teve em casa. Seu pai, um engenheiro eletrônico, possuía um negócio no qual vendia e fazia manutenção de computadores para grandes empresas. “Aos onze anos, eu já explorava o universo da internet, que ainda era discada. Daí surgiu o encantamento que moldou meu caminho profissional”, conta.

Por um lado, o amor pela tecnologia vindo do pai, por outro, a influência da mãe, produtora cultural. “Cresci frequentando o teatro e me apaixonei pela atuação desde os cinco anos. Continuei no teatro até os 22 anos, mas observando o quanto minha mãe se dedicava ao trabalho, sempre ocupada e sem muito tempo para a família, comecei a ter receios sobre seguir uma carreira na dramaturgia”, lembra. Assim, ao escolher o curso universitário, enxergou na comunicação uma forma de seguir contando histórias.

Quando entrou na faculdade de jornalismo, em 2005, já sabia que queria incorporar a tecnologia a sua profissão. Não demorou muito para que começasse a participar de grupos de e-mails de ciberativismo. “Ainda se tinha muita inocência sobre como a internet poderia apoiar movimentos sociais, mas havia grupos muito conhecidos, como o Transparência Hacker, que pensava formas de usar a internet para avançar políticas públicas e pensar questões sociais coletivamente”, explica.

Durante um intercâmbio aos Estados Unidos, em 2008, ela conheceu o então chamado jornalismo assistido por computador (computer assisted reporting), precursor do jornalismo de dados. “Foi uma grande descoberta, usar o computador para melhorar as reportagens. Aqui no Brasil essa ideia ainda caminhava. Eu fiquei apaixonada pelo assunto e comecei a pesquisar sobre isso”, relembra. Essa vertente se alinhava perfeitamente com sua vontade de incorporar a tecnologia ao jornalismo e, ao retornar ao Brasil, começou a aprofundar os estudos na interseção entre dados abertos, tecnologias cívicas e jornalismo.

 

O mergulho no Jornalismo de Dados

Nessa época, Natália, que tinha feito seu primeiro estágio na Globo, foi contratada para trabalhar no IBASE – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas. “Fiquei lá por três ou quatro anos, no cargo de estrategista digital. Meu papel era criar uma estratégia digital para todo o conteúdo produzido pela entidade, que ainda estava, em sua maioria, em relatórios impressos. Eram dados e estudos super relevantes para a sociedade que estavam restritos a poucas pessoas. Minha função era disseminar esse conhecimento no ambiente digital, ampliando seu alcance”, relembra. “Acredito no poder dos dados para promover a transparência e capacitar as pessoas a irem além das estatísticas e relatórios impressos guardados em armários”.

Em 2012, em um encontro sobre transparência governamental, organizado pela Open Government Partnership em Brasília, conheceu Everton Zanella, que estava se organizando para fundar o capítulo brasileiro da Open Knowledge. Foi ele quem lhe apresentou o trabalho da School of Data, programa vinculado à Open Knowledge do Reino Unido voltado a ensinar jornalistas e ativistas a usarem dados de forma efetiva no trabalho de investigação e de apoio a agendas sociais. Fascinada com a perspectiva de terem algo semelhante por aqui, combinaram que quando a Open Knowledge Brasil começasse a atuar, Natália coordenaria a Escola de Dados brasileira. “Minha paixão pelo jornalismo de dados me levou a mergulhar de cabeça no projeto de criar recursos para jornalistas interessados em usar dados em suas histórias e impactar políticas públicas”, conta.

No final de 2014, quando cofundou a Escola de Dados, o assunto ainda era muito pouco estudado nas universidades brasileiras. Assim, coube à organização o papel de criar e desenvolver uma grande comunidade de jornalismo de dados, produzindo materiais que até hoje são referência no ensino de dados no país. Para Natália, “a Escola de Dados acabou se tornando um espaço de formação técnica que fez com que o ecossistema da imprensa desse um grande salto, ampliando muito sua qualidade”.

Em 2015, Natália foi convidada a participar de um novo projeto envolvendo dados. A ideia era lançar uma revista digital que discutiria questões de gênero para qualificar o debate público e influenciar políticas públicas, contribuindo para a redução das desigualdades de gênero. “Assim fundamos a Gênero e Número, da qual me orgulho muito. Já no terceiro mês da publicação, uma reportagem investigativa baseada em dados sobre candidatas fantasmas para as eleições daquele ano nos colocaram no centro do debate nacional”, lembra. Hoje, a Gênero e Número evoluiu para uma associação de mídia independente que produz, analisa e dissemina dados especializados em gênero, raça e sexualidade para apoiar a garantia dos direitos de mulheres, populações negra, indígena e LGBTQIA+.

Em 2016, ainda à frente da Gênero e Número, Natália foi procurada pelo então Diretor Executivo da Open Knowledge Brasil e convidada a assumir a gestão da entidade. A OKBR estava, então, enfrentando conflitos internos e muitas dificuldades financeiras que colocavam em cheque sua continuidade. Apesar dos problemas enfrentados pela organização, Natália não hesitou em aceitar o desafio de reestruturar suas operações.

Dentro de pouco tempo, abriu novas frentes de atuação, criou programas de advocacy e pesquisa, e trouxe ainda um importante parceiro para desenvolver um projeto de inovação cívica, que tinha o objetivo de ampliar a participação dos cidadãos e o acesso à informação a partir de dados para melhorar a transparência dos governos. “Acabamos desenvolvendo vários projetos premiados”, conta Natália, que permaneceu no cargo até agosto de 2019 e passou o bastão adiante, deixando para trás uma Open Knowledge Brasil em pleno funcionamento.

 

Bolsas de estudos e as oportunidades para ampliar os horizontes

Quando recebeu a bolsa do Instituto Ling, em 2017, já tinha um mestrado e uma carreira sólida no jornalismo de dados, mas sentia a necessidade de expandir seus conhecimentos em áreas que pudessem complementar sua formação, como política e negócios. “Quando fui contemplada, tinha acabado de assumir a Direção Executiva da Open Knowledge Brasil e queria cumprir um mandato de no mínimo dois anos. O Programa Jornalista de Visão se encaixava perfeitamente nos meus planos, pois oferecia a possibilidade de usufruir da bolsa em três anos”, explica.

No meio do caminho, em 2018, Natália aplicou para mais uma bolsa de estudos - a John S. Knight Journalism Fellowship, oferecida pela Universidade de Stanford - e foi aprovada. “A bolsa JSK não dava um degree, mas oportunizava o acesso a disciplinas de qualquer escola da universidade, o que era uma grande oportunidade para explorar novos conhecimentos. Acabei fazendo alguns cursos na escola de negócios e fiquei com gostinho de quero mais”, lembra.

Em seu retorno de Stanford, passou a procurar programas na área de gestão que pudessem contemplar sua pretensão com a bolsa do Jornalista de Visão. Foi então que ela descobriu o Programa de Desenvolvimento de Liderança (PLD) da Harvard Business School, que é visto como um "pocket" do MBA. Apresentou a ideia ao Instituto Ling, explicando que, embora não fosse um mestrado tradicional, o PLD forneceria os conhecimentos necessários para avançar na direção que buscava para sua carreira. Considerando a trajetória até então percorrida por ela e seu propósito de carreira, o Instituto Ling aprovou seu pleito.

Natália iniciou o PLD de Harvard em 2021. Em 2022, antes mesmo de concluir o programa, assumiu a presidência da ABRAJI - Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, para um mandato de dois anos. Desde 2020, já compunha a diretoria da entidade, que atua na defesa da liberdade de expressão, oferecendo cursos de segurança para jornalistas e acompanhando casos de censura judicial e violência contra profissionais da área. Na presidência, conta que trabalhou com os demais diretores para implementar projetos relevantes, como a integração do jornalismo investigativo com tecnologia e dados.

Sua gestão, entretanto, teve de ser encurtada quando recebeu o convite para integrar o time da Google, seis meses depois. Apesar do pouco tempo na presidência, conta com orgulho o seu principal legado: “Formamos a primeira liderança 100% feminina (presidência e vice-presidência) na história da ABRAJI, e uma chapa  bastante diversa, onde trouxemos mais jornalistas negros e negras e mais representatividade regional”.

 

Google e o desenvolvimento de novos canais de jornalismo

Desde 2022, Natália ocupa o cargo de News Industry Relations Manager na Google News Initiative, divisão do Google voltada ao relacionamento e fomento de veículos de comunicação. “Antes de entrar no Google, meu foco era treinar jornalistas para utilizarem dados de forma eficaz em seus trabalhos. Agora, o foco da minha atividade são os negócios. É outra abordagem, sem deixar de ser uma oportunidade de continuar o trabalho que eu já vinha fazendo, de apoio ao jornalismo, fomentando a inovação e a qualificação da imprensa”, afirma.

Atuando com o desenvolvimento de start ups e meios de comunicação em estágio inicial de atuação, Natália conta que seu público são os veículos locais e de nicho. “É incrível fomentar iniciativas que diversificam e dão voz a comunidades muitas vezes esquecidas pela grande imprensa. É um trabalho importante, especialmente em desertos de notícia, onde a desinformação é um problema. É fundamental contribuir para que esses pequenos veículos se desenvolvam a se tornem sustentáveis”, comenta.

Ao rever sua trajetória até aqui, Natália, que ainda concilia a carreira corporativa com a academia, dando aulas na pós-graduação do INSPER nas áreas de jornalismo e políticas públicas, reflete: “A maior parte da minha trajetória foi feita no terceiro setor aliando duas grandes paixões: a tecnologia e a vontade de contar histórias. Passei por diversas organizações, cofundei algumas iniciativas que tiveram sucesso e me consolidaram como uma liderança nesse ecossistema de jornalismo de dados. Minha carreira me levou a um espaço dedicado ao apoio ao jornalismo, à promoção da inovação e à capacitação dos profissionais da área. Vejo o trabalho como um espaço onde posso encontrar propósito e contribuir com minha rede de contatos, compartilhando conhecimento e ajudando os outros”.

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