Anna Virginia Balloussier: religião também é notícia

A carioca Anna Virginia Ballousier (JV 2013) sempre soube que o jornalismo era sua vocação. O que ela não imaginava é que, ao ser escalada para acompanhar cultos religiosos durante uma cobertura das eleições presidenciais de 2010, estava se tornando pioneira no tratamento dado a temas ligados à religião. Hoje referência nacional na área, traz na bagagem um período de estudos na Universidade de Columbia e, além de jornalista, é autora de livros. Há pouco, lançou sua segunda obra, “O Púlpito”, em que propõe um novo olhar sobre os assim chamados crentes e sua fé.

Anna Virginia Balloussier: religião também é notícia

Anna conta que, em casa, não teve uma formação religiosa sólida. Apesar de ter sido batizada, sua família não era exatamente praticante, e familiares próximos se identificavam com religiões diversas, aguçando sua curiosidade por esse universo.

“Muitas vezes me perguntam sobre meu interesse em estudar e pesquisar sobre religião. Acho que começou na infância, quando li pela primeira vez o Livro das Religiões e tive o primeiro contato com crenças até então totalmente desconhecidas para mim. Isso me fascinou”, relembra.

Mas foi através do jornalismo, e quase por acaso, que passou a se aprofundar no tema. Em 2010, aos 23 anos e recém chegada à Folha de S.Paulo, foi designada para cobrir cultos e missas para investigar o posicionamento dos candidatos sobre o aborto. Foi nesse momento que ela começou a perceber a importância de estudar a religião de forma mais aprofundada, e seu impacto na vida política, social e cultural do Brasil. Chegou até a comandar um blog do veículo sobre o tema, chamado de Religiosamente.

 

O impacto da bolsa de estudos

Em 2013, Anna concorreu a uma bolsa do Programa Jornalista de Visão e foi contemplada com um semestre de estudos no BRIC Lab da universidade de Columbia. Até então, apesar de se interessar por temas como política, sociedade e direitos humanos, ainda não tinha uma área de especialidade definida. “Na época, tentava me situar na carreira. E foi numa aula que tive na escola de jornalismo de Columbia que amadureci esse interesse e entendi o meu nicho”, comenta.

Dois anos após retornar de seus estudos nos Estados Unidos, Anna Virginia foi convidada a ser correspondente da Folha de S.Paulo em Nova Iorque, para cobrir as eleições presidenciais no país. Essa porta, segundo ela, só foi aberta por causa da bolsa de estudos que recebeu do Instituto Ling. “Minha família não tinha recursos que me permitissem fazer um curso de inglês, então tive que aprender sozinha, mas o período de estudos em Columbia foi fundamental para desenvolver a fluência. Além disso, a Folha buscava alguém que tivesse algum conhecimento sobre a cidade de Nova Iorque, então ter recebido a bolsa poucos anos antes me colocou no lugar certo, na hora certa”, comenta.

“Cobrir a eleição de Donald Trump me ajudou a orientar algo muito importante no meu trabalho: a tentativa de olhar para um segmento muitas vezes negligenciado pela mídia mainstream e com o devido respeito, e não com um olhar julgador. Essa experiência me permitiu entender fenômenos políticos que se espalharam pelo mundo, incluindo a eleição de Jair Bolsonaro no Brasil, e moldou minha forma de exercer o jornalismo”, conta.

 

A consolidação da carreira

Ela lembra que há algum tempo, as coberturas ligadas a grupos religiosos eram em páginas policiais sobre casos de abuso em diversas áreas, como financeira, sexual e cultural. No entanto, percebe que a religião exerce cada vez mais influência em todos os aspectos da sociedade, seguindo a linha da "teologia das sete mãos", que engloba educação, entretenimento, saúde, política, família e outros temas.

“Antes, a cobertura sobre religião tendia a focar em escândalos e crimes envolvendo líderes religiosos, o que considero um retrato preconceituoso e superficial do campo. Eu vejo a religião como um aspecto fundamental da sociedade que merece ser estudado com seriedade e respeito e meu papel é trazer uma abordagem menos preconceituosa e simplista sobre o assunto. Acho que minha maior contribuição é levar, através de um dos maiores jornais do país, uma análise mais aprofundada sobre um fenômeno tão importante quanto é a ascensão dos evangélicos”, comenta.

Recentemente, Anna Virginia lançou, pela editora Todavia, o livro "O Púlpito: Fé, Poder e o Brasil Evangélico", em que explora diferentes questões relacionadas à influência evangélica no país, em capítulos sobre temas como política, poder, empreendedorismo, sexo e aborto - este último, aliás, um dos assuntos mais debatidos no Brasil em junho, dada a tramitação no Congresso do polêmico projeto de lei (PL 1904/24).

O feedback do livro até o momento tem sido positivo, recebendo  destaque em grandes veículos de comunicação do país, extrapolando sua relação direta com a Folha de S.Paulo. “O objetivo do livro é ampliar o debate e promover o diálogo entre diferentes visões e setores da sociedade, evitando a polarização e contribuindo para uma compreensão mais ampla e empática do cenário religioso no Brasil”, enfatiza.

 

Outros projetos

Casada com o também jornalista, Victor Ferreira, e mãe da Violeta (4) e Pérola (4 meses), Anna Virgínia já havia escrito um livro anteriormente, com uma abordagem bem mais pessoal. Na obra "Talvez Ela Não Precise de Mim: Diários de uma Mãe em Quarentena", publicado pela mesma editora (Todavia) ela compartilha suas experiências e reflexões sobre a maternidade durante um período desafiador de isolamento social.

Isso porque sua primeira filha veio ao mundo em março de 2020, nove dias antes de a OMS declarar a pandemia. “Ele vai além do comum, é um relato pessoal, não se encaixa no padrão dos livros de não-ficção clássicos. Os primeiros 40 dias da Violeta coincidiram com o período de isolamento, foi praticamente uma soma de quarentenas”, conta.

Já o segundo livro foi concebido durante a segunda gravidez e lançado ainda durante sua licença-maternidade, em abril de 2024. Perguntada sobre planos futuros, Anna brinca com a coincidência e assegura que filhos, não pretende ter mais, mas já há um novo livro no forno. Sobre este projeto ela diz que ainda não pode revelar detalhes, mas adianta que já está em fase final de negociação com a editora.

28.07.2024

leia também

Jornalismo e tecnologia andam juntos – conheça Natália Mazotte

Natália Mazotte (JV 2017) decidiu ser jornalista a partir da vontade de narrar histórias, mas foi seu encantamento pela tecnologia que determinou os rumos de sua trajetória. Co-fundadora da Escola de Dados no Brasil e da publicação Gênero e Número, Natália foi uma das pioneiras no jornalismo de dados no país. Com a carreira consolidada em veículos de imprensa, organizações do terceiro setor e também na academia, precisou se adaptar ao mundo corporativo em 2022 quando juntou-se ao time da Google. Hoje, à frente da área de relacionamento com a indústria jornalística, usa a experiência adquirida ao longo dos anos para impulsionar novos veículos, contribuindo para o fortalecimento da imprensa brasileira.

Ler mais

Guilherme Valadares: masculinidade saudável para um mundo melhor

O que existe em comum entre um jornalista com o sonho de ser diretor de redação da revista masculina Playboy e o que tem a missão inspirar mudanças positivas e promover a desconstrução de uma sociedade machista e patriarcal? Bom, eles são a mesma pessoa, com um detalhe: 17 anos separam um do outro. Cofundador da plataforma Papo de Homem, Guilherme Valadares é um dos profissionais à frente do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento e Florescimento Humano, uma iniciativa dedicada à transformação e impacto social em diversos territórios.

Ler mais

Repórter, autor de livros, gestor no Ministério do Planejamento: conheça João Villaverde

Um curioso por natureza, é assim que João Villaverde se define. Foi a inquietação intelectual que o fez, aos 17 anos, optar pelo vestibular de jornalismo. Desde então, teve passagem pelas principais redações de economia do país, até ser repórter do prestigiado Estadão. Ao concorrer à bolsa Jornalista de Visão, descobriu qualidades em si que o encorajaram a ir além. Autor de livros, professor e agora Secretário de Articulação Institucional do Ministério do Planejamento e Orçamento, João usa as ferramentas de jornalista nos desafios diários como gestor público.

Ler mais