Isabel Pimenta, prática médica aliada à excelência na gestão
A convicção de que o pensar moderno desenvolvido por economistas e administradores ainda não havia sido totalmente absorvido pelo setor de saúde levou a médica Isabel Rocha Pimenta a buscar, em 1999, o MBA da Kellogg, a escola de negócios da Northwestern University, em Chicago, uma das escolas mais conceituadas na área de gestão voltada para este setor. “Os médicos são encarregados e responsáveis por gerir um volume significativo de recursos – o setor de saúde corresponde a 9,7% do PIB no Brasil – e os cursos de medicina não preparavam o profissional para um pensar o sistema”, avalia.
Formada na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), a médica trabalhava no Hospital de Clínicas em uma carreira convencional, mas se incomodava ao verificar que existiam situações em que, por falta de uma gestão eficiente, ao invés da instituição tratar, por exemplo, três pacientes, tratava apenas um. Até chegar à conclusão que deveria buscar o aprendizado do instrumental para trazer as inovações em gestão para a medicina via MBA, Isabel tinha no currículo algumas atividades de liderança dentro do contexto acadêmico médico, fator que contribuiu decisivamente para ganhar a bolsa do Instituo Ling.
Ao concluir o MBA, Isabel trabalhou em uma empresa de consultoria em Boston. De lá, foi para o Banco Mundial como especialista do setor de saúde, com a atribuição de articular uma visão que promoveria o desenvolvimento econômico e a redução de pobreza através da melhoria da saúde populacional. “Este profissional deve ter a capacidade integrativa multidisciplinar para desevenvolver e negociar com representantes de cada país uma proposta de financiamento para desenvolver o setor de saúde, munido de análise econômica e de impacto, entre outras, e debater o plano, fazer contrapropostas. Para dar um exemplo facil de entender, às vezes o governo pode querer construir 20 hospitais e o consultor do banco tem que ter a capacidade de avaliar se aquilo é viável ou propor que se construa 10 e que se garanta a operação dos empreendimentos, pagamento de médicos, medicamentos, luz etc.”
Segundo Isabel, em desenvolvimento econômico é muito importante entender o impacto social de um projeto. Por exemplo, a princípio um novo reservatório hídrico pode ser um ótimo investimento em um país que precisa aumentar a capacidade de produção de energia para cumprir metas de crescimento. Por outro lado, este mesmo reservatório pode causar o deslocamento de uma minoria desprotegida, e o impacto social é tão negativo que chega a inviabilizar o projeto. “Então o banco precisa de um profissional que consiga trabalhar em várias camadas, de análise econômica direta, de análise social e política e, no caso de saúde, de como fazer o setor funcionar dentro de uma lógica que melhore a situação da população”, diz.
“Você começa dentro de uma estrutura como o Banco Mundial devagar, como analista, e à medida que vai ganhando mais experiência, vai sendo promovida a cargos de maior responsabilidade. Quando saí, estava supervisionando uma parcela do portfólio do banco no setor de saúde no Brasil.” O que era para ser uma experiência de seis meses no banco acabou se tornando seu trabalho por dez anos. Neste período, a médica foi responsável, entre outros projetos, pela construção de infraestrutura para melhorar a saúde em Tabatinga, na tríplice fronteira Brasil-Peru-Colômbia, um lugar extremamente remoto na Floresta Amazônica.
Um dos projetos mais interessantes, e nada convencional, que Isabel atuou foi na Índia, onde fez um levantamento na época em que explodiu a epidemia de AIDS e o governo estava ainda no processo de montar uma resposta do porte necessário. “Trata-se de uma doença comportamental e a cultura do país não permite, é tabu, que se fale na mídia sobre sexo, se faça propaganda sobre as formas de transmissão ou que a população tem que usar preservativo, diferente do Brasil, onde estes assuntos podem ser discutidos e dessa forma a resposta foi muito boa”, esclarece. “Tínhamos que pensar de uma forma culturalmente apropriada a criativa de como informar o comportamento da população. Podíamos utilizar canais como a televisão e o cinema, que é muito desenvolvido no pais, e os ídolos muito venerados. Em vez de sentarmos com ministros, o projeto era ir para Bollywood conversar com atores, diretores, que têm um carisma imenso, para ver se eles topavam trabalhar em um projeto deste tipo.”
Depois destas experiências, em 2012, Isabel levou a vivência adquirida de volta para a medicina, o objetivo que a havia levado a fazer o MBA. Após atualizacao da residência na Johns Hopkins Hospital, em Baltimore, passou a integrar o quadro de médicos da instituição, dividindo seu tempo entre atividade clínica propriamente dita e de gestão.
Aos 55 anos, Isabel se orgulha de trabalhar naquela que é considerada uma das melhores instituição hospitalares dos Estados Unidos e de poder aplicar na prática os conhecimentos adquiridos no mestrado e no decorrer da sua carreira. Durante a pandemia da Covid-19, por exemplo, foi diretora de saúde populacional em um dos seus hospitais, e Associate Chief Medical Officer para a Força COVID do Estado de Maryland, um parceria público-privada entre a Universidade de Maryland (que é estadual) e a Johns Hopkins. Atualmente, busca unir as práticas de economia e gestão às novidades em TI e Inteligência Artificial, para aprimorar processos, aumentar a eficiência e equidade e contribuir para a melhor gestão de recursos. Além disso, atualmente é professora assistente da Johns Hopkins University.
E o que Isabel faz quando não está nesta rotina intensa de trabalho? Quem poderá responder é sua filha Coco, de 10 anos, com quem a médica curte seus momentos de folga.
Parte deste texto foi extraído de artigo de autoria de Clarissa Edelwein, publicado na revista comemorativa aos 20 anos do Instituto Ling (Editora Pubblicato, 2015)