Crédito: Museu Villa-Lobos Crédito: Museu Villa-Lobos

Conheça a música de concerto das Américas e seus principais compositores

ERUDITO COM RAIZ POPULAR

Quando falamos de música de concerto, é comum lembrarmos de compositores como Johann Sebastian Bach, Frédéric Chopin, Wolfgang Amadeus Mozart e Ludwig van Beethoven, todos europeus.

Mas e a produção musical das Américas? Incorporando elementos da herança cultural e musical dos povos indígenas, africanos e europeus, compositores como Heitor Villa-Lobos, Chiquinha Gonzaga, Ernesto Lecuona, Astor Piazzolla, entre outros, moldaram a música de concerto do continente americano.

As composições eruditas desses grandes mestres foram inspiradas por ritmos populares como a habanera, o maxixe, o joropo, a valsa peruana, o ragtime, os tangos e o jazz, dando vida a uma nova identidade musical, nacionalista, dentro do continente americano.

 

UM POUCO DE HISTÓRIA

Depois que o navegador e explorador italiano Cristóvão Colombo descobriu as Américas, em 1492, o continente foi colonizado pelos governos da Holanda, França e Inglaterra, que ocuparam principalmente a América do Norte e países caribenhos. Portugueses e espanhóis tomaram conta de grande parte dos países sul-americanos, como Brasil e Argentina, além do México.

Antes desse período, a música produzida nas Américas é considerada mesoamericana, incorporando sonoridades dos rituais astecas, maias e incas, que contavam com instrumentos de sopro, percussão e canto.  

Com a ocupação dos territórios, os europeus trouxeram seus costumes e cultura. Os nativos povos indígenas foram doutrinados por membros da Igreja Católica, especialmente na América do Sul.  Quando os africanos foram trazidos para realizar trabalho escravo, novas influências culturais e musicais surgiram - eles adicionaram imensa riqueza à cultura americana, com suas próprias danças e gêneros musicais.

No início do século 19, a música do novo mundo era dominada pela ópera europeia, enquanto cada um dos países americanos se esforçava para encontrar uma identidade própria, surgindo então uma música nacionalista.

 

MAS O QUE É A MÚSICA NACIONALISTA?

O movimento nacionalista aconteceu em vários países do mundo na primeira metade do século 19. Teve como característica o uso de elementos musicais nacionais, como danças e canções folclóricas e populares. Os compositores também inovaram em suas formas de compor.  

A miscigenação do povo americano, de norte a sul, teve forte influência na cultura como um todo, e na música não foi diferente. Dessa mistura de influências indígenas, europeias e africanas surgiram ritmos como a habanera, o samba, a rumba, o ragtime, o maxixe, o bolero, a cumbia, a salsa, o tango, o jazz e o reggae.

Em suas composições, os nacionalistas celebram estes ritmos populares e folclóricos incorporando-os em obras eruditas.

 

CRIADORES DA MÚSICA DAS AMÉRICAS

Os artistas e compositores da lista abaixo ajudaram a moldar a música das Américas. Nomes como José Maurício e Alberto Nepomuceno não fizeram parte do nacionalismo, mas foram importantes expoentes da criação musical no continente. Os demais talentos renovaram a música erudita, escrita e mais elaborada incorporando ritmos populares, mais intuitivos e espontâneos.

Alberto Ginastera

Argentino nascido em Buenos Aires em 1916, foi um compositor erudito e professor. Astor Piazzolla foi um de seus alunos. Estudou na Argentina e nos Estados Unidos, mudando-se para Genebra na década de 1970, onde trabalhou até a sua morte. Tinha uma estética musical inovadora e nacionalista. Entre suas principais obras está o balé Panambi, de 1937.

Alberto Nepomuceno

Nasceu em Fortaleza em 1864, foi compositor, pianista, organista e regente. Escreveu duas óperas completas, Artemis e Abul, e deixou uma obra inacabada, a ópera O Garatuja, inspirada na criação de mesmo nome do escritor José de Alencar.

Arturo Márquez

É um reconhecido compositor mexicano, nascido em 1950. Seu pai era um músico mariachi e seu avô paterno um músico folk mexicano. Suas raízes o levaram a estudar no Conservatório de Música Mexicana durante a década de 1970. Estudou piano, teoria da música e composição. Em sua música, incorpora os ritmos e o estilo de seu país nativo. É conhecido por compor uma série de nove “danzones” inspiradas pela era de ouro do  gênero e da dança, muito populares na década de 1940.

Astor Piazzolla

Nasceu em 1921 e foi um bandoneonista e compositor argentino. Seus pais, italianos, mudaram-se de Buenos Aires para Nova York quando ele tinha quatro anos de idade. Além de estudar música, aprendeu inglês, italiano e francês. É considerado o mais importante compositor de tango da segunda metade do século 20, embora mais tarde tenha sido criticado por inovar no ritmo, timbre e harmonia do tango. Foi fortemente influenciado pelo jazz e, após voltar a morar em Buenos Aires, criou uma nova linguagem musical, ingressando na música contemporânea argentina. Entre as suas composições mais famosas estão Libertango e Adiós Nonino.

Foto: Astor Piazzolla. Crédito: Reprodução.

Chiquinha Gonzaga

A compositora e regente carioca nasceu em 1847 e foi pioneira dentro da cultura brasileira também por sua luta libertária. Enfrentou com altivez a sociedade patriarcal vigente, criando uma profissão que até aquele momento era inédita para uma mulher. Atuou no rico ambiente musical do Rio de Janeiro do Segundo Reinado, no qual imperavam polcas, tangos e valsas. Não hesitou em incorporar ao seu piano toda a diversidade que encontrou. Foi a primeira mulher a reger uma orquestra no Brasil, combinando o popular com o erudito. Entre seus inúmeros sucessos, destaca-se a marchinha carnavalesca Ó Abre Alas, além das composições Atraente e Gaúcho.

Foto: Chiquinha Gonzaga. Fonte: livro Chiquinha Gonzaga, Edinha Diniz. Editora Zahar.

Ernesto Lecuona

Ernesto Lecuona nasceu em 1895, filho de um jornalista espanhol radicado em Cuba. Foi uma criança prodígio, realizando seu primeiro recital aos cinco anos de idade. Aos 13, compôs sua primeira marcha, intitulada Cuba y América. Estudou em importantes escolas de música em Cuba, morou um tempo em Nova York e depois continuou os seus estudos na França, com Maurice Ravel. Introduziu a orquestra latina nos Estados Unidos. Ao lado de Gonzalo Roig e Rodrigo Prats, formou um importante trio de orquestra, especialmente do gênero zarzuela, o estilo mais significativo de sua carreira. Entre as suas criações, destacam-se María La O, Siboney, Malagueña e Siempre en el Corazón.

Ernesto Nazareth

Nasceu no Rio de Janeiro em 1863 e foi pianista e compositor. Desenvolveu um gênero musical que fica entre a valsa e o choro, que chamava de tango brasileiro. Sua composição Brejeiro foi escrita em 1893 e logo ganhou sucesso nacional. Em 1902, sua música Está Chumbado foi gravada pela Banda do Corpo de Bombeiros, com regência de Anacleto de Medeiros. Em 1910, passou a se apresentar na sala de espera do cinema Odeon, o mais luxuoso da época. Homenageou o espaço ao denominar Odeon um de seus tangos mais famosos.

Francisco Mignone

Nascido na capital paulista em 1897, foi pianista, regente e compositor. Começou seus estudos com o pai, o flautista Alferio Mignone e formou-se em piano, flauta e composição no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo. Ganhou uma bolsa de estudos e foi para Milão, onde escreveu sua primeira ópera, O Contratador de Diamante. De volta ao Brasil, criou músicas usando o pseudônimo Chico Bororó e ficou conhecido por tocar nas rodas de choro em bairros paulistanos como Brás, Bixiga e Barra Funda. Fez amizade com Mário de Andrade e com ele compôs algumas de suas principais obras, como a suíte Festa das Igrejas, o bailado Maracatu do Chico Rei e a Sinfonia do Trabalho. Também podemos destacar a composição Valsa de Esquina nº. 2. Sua extensa obra inclui canções, peças para piano, óperas e balés.

George Gershwin

Importante compositor, nasceu em Nova York, nos Estados Unidos, em 1898. Escreveu muitos de seus trabalhos vocais e teatrais ao lado do irmão mais velho, o letrista Ira Gershwin. Compôs para espetáculos da Broadway e para concertos de música clássica. Muitas de suas composições são usadas na televisão e em filmes. Nomes referenciais do jazz como Ella Fitzgerald, Louis Armstrong, Charlie Parker, Miles Davis e Billie Holiday, além de intérpretes populares como Frank Sinatra, Barbra Streisand, Madonna e Sting gravaram suas músicas. Ele foi indicado ao Oscar por They Can't Take That Away From Me, música composta com seu irmão Ira para o filme de 1937 Shall We Dance. Entre os seus muitos sucessos, podemos destacar Rhapsody in Blue, Swanee, An American in Paris, Piano Concerto in F, Cuban Overture e I Got Rhythm.

Jorge “Lobito” Martínez

Nascido em 1952 no Paraguai, estudou piano e harmonia. Tinha a música no sangue, já que seu pai também foi um conhecido cantor, músico e compositor chamado Eladio Martínez. Participou de um grupo pop chamado Los Aftermad’s e, nos anos 1980, participou da banda de jazz  Opus 57. Brilhou compondo Canto para ti, Que más da, Carola, Navidad e Asunción, entre outros sucessos.

Heitor Villa-Lobos

Nascido em 1887 no Rio de Janeiro, foi compositor, maestro, violoncelista, pianista e violonista. Autor de numerosas obras orquestrais, de câmara, instrumentais e vocais, totalizando mais de 2 mil obras. Foi responsável pelo surgimento de uma linguagem e de uma estética brasileiras na música, sendo o maior expoente do modernismo no país. Suas criações são inspiradas em culturas regionais brasileiras, com elementos de canções populares e indígenas. Por sua importância para a música brasileira, em sua data de nascimento, 5 de março, celebra-se o Dia Nacional da Música Clássica.

Foto: Heitor Villa Lobos. Crédito: Museu Villa-Lobos.

José Maurício Nunes Garcia

Nasceu no Rio de Janeiro em 1767. Foi professor de música, maestro, compositor, cravista, organista e violeiro, além de mestre de capela da antiga Catedral da Sé, o mais elevado posto de um músico brasileiro. Entre as suas obras mais importantes estão o Réquiem e o Ofício de Finados, além das missas de Nossa Senhora do Carmo de Santa Cecília (1826). Produziu mais de 240 composições, em sua maioria nos gêneros sacro e vocal, entre missas, matinas, vésperas, motetos e antífonas, além de modinhas e peças orquestrais e dramáticas.

Leonard Bernstein

O estadunidense foi maestro, compositor e pianista. Estudou música em Harvard e regência no Instituto Curtis de Música na Filadélfia. Estudou, além de piano, orquestração, contraponto e leitura de partitura com grandes mestres. Em sua carreira de sucesso, dirigiu a Filarmônica de Nova York e venceu vários prêmios Emmy. Compôs o musical West Side Story, a opereta Candide e On The Town e as sinfonias Kaddish, Symphony No. 1 e Symphony No. 2.

Scott Joplin

Nascido nos Estados Unidos em 1868, foi compositor e pianista e um dos criadores do ragtime clássico, escrevendo também óperas e sinfonias. Músico negro da primeira geração pós-escravidão, filho de pais pobres, tinha uma admirável capacidade de improvisar ao piano. Por volta dos 20 anos de idade, tornou-se pianista, viajando pelo centro-oeste americano. Em 1895, publicou sua primeira composição: Please Say You Will. Durante sua carreira, escreveu 44 peças. Uma de suas primeiras criações foi Maple Leaf Rag, que se tornou um sucesso e a foi a mais influente de sua obra.

 

DICAS DO LING

Para quem gosta de dança, assistir às coreografias do espetáculo Lecuona, do Grupo Corpo, é um enorme prazer. No YouTube, você encontra vários vídeos do grupo de dança mineiro, com música do cubano Ernesto Lecuona.

Em 1999 a Rede Globo exibiu uma minissérie em 38 episódios sobre a vida e obra de Chiquinha Gonzaga, com nomes como Paulo Betti, Antonio Calloni, Zezé Motta, Susana Vieira e Bel Kutner no elenco. A jovem Chiquinha Gonzaga foi vivida por Gabriela Duarte e, já adulta, por Regina Duarte. É possível assistir a todos os episódios gratuitamente no YouTube.

A leitura do livro Uma História da Música Popular Brasileira, escrito pelo historiador e produtor musical Jairo Severiano, ajuda a entender melhor a importância de nomes como Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth para a rica cultura musical brasileira.

Outra leitura superinteressante é a do livro Vozes das Américas: Encontro das Culturas Europeia, Africana e Indígena Nas Canções de Câmara de Heitor Villa-Lobos e Aaron Copland, escrito pela professora de canto, dicção, repertório vocal e ópera do Instituto Villa Lobos na UNIRIO Carol McDavit. A publicação pode ser encontrada na Amazon.

O documentário Playing Lecuona, lançado em 2015, está disponível na plataforma de streaming  Filmin.

Nessa playlist do Spotify você pode curtir a Música das Américas. 

O livro Heitor Villa-Lobos: Vida e Obra foi lançado recentemente no Brasil. Escrito pelo finlandês Eero Tarasti, ganhou uma edição brasileira no final de 2021, pela Editora ContraCorrente.

 

REFERÊNCIAS

BARBER, Benjamin. Latin American Music Research Paper. Disponível em: https://benjaminbarber.org/latin-american-music-research-paper

FRAZÃO, Dilva. Bibliografias de compositores das Américas. Disponível em: https://www.ebiografia.com

Site oficial de Chiquinha Gonzaga. Bibliografia de Chiquinha Gonzaga. Dísponível em: https://chiquinhagonzaga.com/wp/biografia