Foto: Gordon Beck Archives de la Ville de Montréal/Flicker Foto: Gordon Beck Archives de la Ville de Montréal/Flicker

Nina Simone: voz para a música e para a luta por direitos

 

“Eu vou te dizer o que significa liberdade para mim: não sentir medo.”

 

Eunice Kathleen Waymon, mais conhecida como Nina Simone, é uma das maiores pianistas, compositoras e cantoras de jazz, blues, soul e gospel de sua geração. Dona de uma voz única, a cantora fez de sua música expressão da luta pelos direitos civis da população negra estadunidense e sua obra permanece como símbolo de resistência para as novas gerações.

 

BIOGRAFIA

Eunice Kathleen Waymon nasceu em 21 de fevereiro de 1933, na cidade de Tryon, Carolina do Norte. De origem humilde, seu pai era marceneiro e sua mãe era empregada doméstica e ministra metodista. Nina acompanhava sua mãe na igreja e foi lá que ela teve seu primeiro contato com o piano, quando tinha mais ou menos quatro anos de idade. Desde então, passou a tocar na igreja metodista acompanhando o coral e, aos sete anos, participou de seu primeiro recital.

Apesar de simples, a apresentação foi um divisor de águas na vida da artista, pois foi assistida pela professora de piano Muriel Mazzanovich — figura fundamental no aprendizado de Nina, responsável por sua iniciação na música clássica e pela criação do Fundo Eunice Waymon, criado para que ela pudesse dar continuidade aos estudos de piano clássico.

Com o incentivo da comunidade local e com o dinheiro do fundo, ela tornou-se uma das primeiras artistas negras a estudar na aclamada Escola Juilliard, em Nova York. Nina pretendia continuar seus estudos em música clássica depois do período na Juilliard, mas, sem condições financeiras e tendo seu pedido de bolsa recusado por uma renomada instituição da Filadélfia, ela se viu obrigada a tocar em bares para ajudar a família. Sabendo que tal trabalho não seria aceito por seus pais, Eunice assumiu o nome artístico Nina Simone — Nina tem origem no espanhol, niña (menina), e Simone é uma homenagem à atriz francesa Simone Signoret.

 

OBRA

O sonho de tornar-se uma pianista clássica foi interrompido quando Nina prestou exame para uma bolsa de estudos no Curtis Institute: apesar de seu imenso talento, o racismo da instituição fez com que o pedido de bolsa fosse rejeitado. Sem ter como bancar os estudos, ela foi tocar piano em um bar em Atlantic City e, por insistência do dono do bar, começou a cantar. Algum tempo depois, sua voz grave e sua sofisticada técnica ao piano chamaram a atenção da gravadora Bethlehem Records e, em 1957, eles assinaram o primeiro contrato de Nina. Sua versão de I Love You Porgy cativou o público e alcançou o primeiro lugar nas paradas de R&B (rhythm and blues).

Nina interpretou canções de variados estilos, do gospel ao soul, passando pelo blues, folk, R&B e pop. Ela também compôs algumas canções e teve muitos hits nas paradas de sucesso, como Feeling Good, I Put a Spell on You, Don’t Let Me Misunderstood, Aint Got No – I Got Life, I Wish I Knew How It Would Feel To Be Free, Here Comes The Sun, My Baby Just Cares For Me e To Be Young, Gifted and Black.

A aclamada Mississipi Goddamn transformou-se em hino do movimento negro estadunidense. Um atentado racista que matou quatro crianças negras numa igreja batista fez com que Nina escrevesse essa canção e também percebesse o que significava ser uma mulher negra nos Estados Unidos. A partir daí, a cantora encontrou na militância o verdadeiro propósito da sua arte: sua música e sua voz tornaram-se símbolo de expressão dos direitos civis.

 

“É uma obrigação artística refletir o meu tempo.”

 

O movimento dos direitos civis é um dos períodos mais significativos da história dos Estados Unidos e ocorreu, principalmente, nos estados do sul do país. Entre 1954 e 1968, uma série de atos e protestos, promovidos pelas comunidades negras, exigia o fim das leis de segregação racial impostas por supremacistas brancos. O intuito do movimento era questionar e boicotar essas leis que proibiam a livre circulação da população negra nos mesmos espaços que a branca e cediam direitos apenas às pessoas brancas.

Embora Nina Simone tenha se encontrado artística e socialmente, seu envolvimento político trouxe consequências severas a sua carreira: foi rejeitada pelas gravadoras, pelas casas de espetáculo e por parte do público. Cansada da violência dos conflitos e do desprezo do show business, Nina decidiu dar um tempo na carreira e deixou os Estados Unidos em 1970. Passou um longo período na Libéria — que amigos afirmam ter sido o período mais feliz de sua vida — depois foi para Suíça, Holanda e França, onde fixou residência.

Seu retorno aos palcos nos anos 1980 é marcado pela utilização da música My Baby Just Care For Me, um dos principais sucessos do início de sua carreira, no comercial do perfume Chanel Nº5, colocando Nina Simone de volta no topo das paradas na Europa. Em 1993, a artista lançou seu último álbum, A Single Woman, e, nos anos seguintes, fez inúmeras apresentações internacionais, chegando a apresentar-se no Parque do Ibirapuera (São Paulo) para 35 mil pessoas.

Nina Simone faleceu em 2003 e deixou um legado único não só para a arte, mas também para a luta pelos direitos civis e pela igualdade racial. Nina fez muito mais do que cantar e tocar, embora fizesse isso com maestria; ela deu sentido ressonante, visceral e revolucionário a sua arte. Viva Nina!

 

CURIOSIDADES

Você sabia que a primeira música de protesto feita por Nina é “Mississippi Goddam”? Lançada em 1964, ela fala sobre as injustiças sofridas por homens e mulheres negros nos EUA e tem como ponto de partida o massacre racista de 1963, em que quatro crianças negras foram mortas dentro de uma igreja batista na cidade de Birmingham, no Alabama. Antes disso, um supremacista branco havia assassinado o ativista afro-americano Medgar Evers no Mississippi. Assista a performance.

Nina Simone se envolveu ativamente no movimento pelos direitos civis que tomaram os Estados Unidos na década de 1960. Ela compôs uma música em homenagem a Martin Luther King, após ele ter sido assassinado a tiros em 4 de abril de 1968. A cantora apresentou a canção no enterro do Dr. King. Ouça a emocionante homenagem.

A canção To Be Young, Gifted and Black inspirou a escritora Lorraine Hansberry a escrever sua autobiografia homônima. 

 

DICAS DO LING

Que tal entrar no clima com a playlist Nina Simone Best Of – Color is a Beautiful Thing? Escute no Spotify ou no YouTube!

Você sabia que Nina Simone gravou com Maria Bethânia? Ouça a canção, que se chama I’m Ready to Sing. 

Conheça mais sobre a vida e obra da cantora no documentário What Happened, Miss Simone? (2015), disponível no Netflix.

Você pode navegar no site oficial da cantora: Nina Simone. Não deixe de conferir o Instagram também!

 

REFERÊNCIAS

Hoje na História: 21 de fevereiro de 1933 nascia Nina Simone. Portal Geledés. 2016. Disponível em: https://www.geledes.org.br/hoje-na-historia-21-de-fevereiro-de-1933-nascia-nina-simone/

CALVO, Iñaki de la Torre. A bem-sucedida canção secundária de Nina Simone. El País Brasil. 2020. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2020/07/22/eps/1595420960_695556.html

OBBO, Vanessa Okoth. Nina Simone, Montreux Jazz 1976: a difficult, unsteady return to the limelight. The Guardian. 2020. Disponível em: https://www.theguardian.com/music/2020/jul/29/iconic-festival-sets-nina-simone-montreux-jazz-1976

Documentário What Happened, Miss Simone? (2015), disponível no Netflix.

DECIA, Patricia. Nina Simone leva 35 mil ao Ibirapuera. Folha de S. Paulo. 1997. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1997/7/28/ilustrada/17.html

Nina Simone. 2016. As Mina Na História. Disponível em: https://asminanahistoria.wordpress.com/2016/12/23/nina-simone/