BRENO MACHADO E AS MÚLTIPLAS POSSIBILIDADES DE UM MBA

Tudo indicava que Breno Machado, graduado pelo ITA, seguiria a vocação para ciências exatas ou engenharia. Mas o interesse por economia e planejamento estratégico, somados à paixão por desafios, o levaram a se aprofundar na área da administração - e a uma carreira com momentos fora do “padrão MBA”, como o período em que foi diretor da FEBEM.

BRENO MACHADO E AS MÚLTIPLAS POSSIBILIDADES DE UM MBA

Um dos primeiros bolsistas do Instituto Ling (cursou o MBA na London Business School entre 1997 e 1999), Breno nasceu em Goiânia em 1968, caçula entre três filhos de uma família de classe média. Seu pai, embora não tenha se formado, foi para ele um modelo de retidão e dedicação ao trabalho. A mãe era a intelectual da casa e o inspirou a ler e estudar. Viver em um lar marcado pela austeridade o motivou a empenhar-se o máximo possível, sendo que, no ensino médio, conquistou uma bolsa para continuar estudando em boas escolas privadas. No vestibular, passou para a mais renomada escola de engenharia do país, o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), faculdade pública que proporcionava moradia e alimentação.

Perguntado sobre a sua relação com o trabalho e o estudo, ele responde: “Para mim, essa esfera da vida sempre foi marcada por cinco pontos:  a busca permanente por conhecimento e crescimento intelectual/profissional; o anseio de ter impacto positivo e relevante nas empresas e na sociedade; o fascínio por desafios; a consciência da importância de conquistar o direito de fazer escolhas; determinar meu próprio destino e a busca do equilíbrio entre as diferentes dimensões de minha vida – intelectual/profissional, emocional, social e física – como essencial na construção da felicidade”.

Breno diz ter cultivado desde cedo princípios que considera fundamentais, como a meritocracia, racionalidade, pensamento crítico, honestidade e a consciência do valor do tempo.  Ele destaca que foi muito importante estudar no ITA, pois além de ter o vestibular mais desafiador do país, ele aprendeu não somente ensinamentos sobre engenharia, pensamento analítico, crítico e lógico; teve o bônus inesperado de reforçar sua humildade, resiliência e ética, pois na escola era instigado e estudar cada vez mais, persistir e ter disciplina em tudo o que faz. Ele adorava os estudos e as atividades extracurriculares. Durante a faculdade, passou dias e noites no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) desenvolvendo um sistema de automação de testes vibratórios para um satélite sino-brasileiro.

Apesar da aparente vocação para a ciência e engenharia, Breno gostou mais das matérias eletivas sobre economia e planejamento e dedicou-se a trabalhar com planejamento estratégico de grandes empresas. E essa foi a temática de sua carreira por pelo menos dez anos. Trabalhou na Schlumberger, da área do petróleo, onde atuou como engenheiro de campo em lugares remotos e próximos à natureza. Como gosta de desafios, trocou a remuneração polpuda e em dólares por um salário magrinho e em reais, mas para trabalhar na Docenave, do grupo Vale, exatamente com o que sempre sonhara: estratégia. Por lá ficou durante cinco anos como analista e coordenador de planejamento estratégico, contribuindo para decisões importantes e que envolviam cifras monumentais. Foi a empresa que o marcou pelo excelente clima organizacional, com genuíno espírito de colaboração, profissionalismo e comprometimento. Durante esse período, complementou sua educação com MBAs na Fundação Dom Cabral e no IBMEC.

Após esta experiência profissional, decidiu fazer uma pausa e cursar um MBA no Reino Unido. A opção foi pela London Business School, e foi então que concorreu e foi selecionado para uma bolsa de estudos do Instituto Ling. Isso aconteceu entre 1997 e 1999 e foi um turning point de sua vida. Foi a oportunidade de morar no exterior e relacionar-se com pessoas de diversas partes do mundo e culturas totalmente diferentes.  Ele destaca o fato de que 95% de seus colegas eram estrangeiros. “Essa torre de babel foi uma experiência inesquecível, uma oportunidade única para fazer amizades e experimentar culturas tão diferentes e interessantes. Aprendi muito com professores brilhantes e inesquecíveis, numa metodologia – o estudo de casos – pela qual me apaixonei. A maiêutica* passou a ser meu método ideal de discussão, influência e persuasão. Fui eleito presidente do Clube Latino-Americano. Foi graças às bolsas que obtive e ao MBA da LBS que pude experimentar o trabalho em bancos de investimento e em consultoria. Tantas portas se abriram depois do curso! Foi uma mudança brutalmente positiva da minha própria perspectiva sobre minha carreira”.

Neste período, dividiu-se entre dois trabalhos temporários: no Deutsche Bank e na Mckinsey. Ao término do MBA, acabou optando pela segunda empresa, onde havia expectativa de maior crescimento profissional. Ele pode escolher atuar entre os escritórios de Canadá, EUA, Inglaterra e Alemanha, escolhendo este último, mesmo sem ter nenhuma noção do idioma. “Foi um período extremamente desafiador, mas também o mais gratificante da minha carreira como consultor. Em um dos projetos, liderei a estratégia mundial de crescimento em pigmentos para plásticos da Basf, líder mundial no segmento. Coordenei as análises e as equipes do cliente nas Américas, Europa e Ásia. Um dos melhores reconhecimentos que recebi foi o pedido para passar a tratar alguns dos client team members pelo primeiro nome. Foi talvez a minha melhor escola profissional”, diz Breno.

Em 2002, resolveu desacelerar: trocou o ritmo frenético de trabalho de consultor e a vida entre aeroportos e hotéis por uma oferta na área de estratégia da Oi/Telemar. O trabalho, embora árduo, era muito menos intenso que na McKinsey e o escritório no Leblon, no Rio de Janeiro, trazia o bônus de estar próximo de seus amigos.  Mas o maior desafio ainda estava por vir.

 

FEBEM E IMPACTO SOCIAL

Breno conta que sempre encontrou tempo para se engajar em projetos pro bono. Trabalhou para os Doutores da Alegria, onde aprendeu um conceito sobre a morte na perspectiva e palavras de uma criança com câncer: “é quando a gente vê as flores pelas raízes”. Em 2004, foi procurado por Claus Vieira, um amigo que estava iniciando o trabalho de consultor na Febem de São Paulo (atual Fundação Casa) e convenceu Breno a encarar o desafio de ser executivo na instituição. Não foi uma decisão fácil: largou um belo salário e uma rotina mais mansa por um trabalho difícil e que pagava menos.  Ele destaca que, ao longo de sua carreira, optou sempre pelas alternativas mais desafiadoras e com maior potencial de crescimento profissional, em detrimento de maiores ganhos financeiros. “Mais de uma vez optei por alternativas que levaram a reduções salariais e perdas financeiras”, diz ele, sem nenhum arrependimento.  Além disso, era a possibilidade de ter um verdadeiro impacto social.

Na Febem teve uma experiência pessoal e profissional relativamente curta (de janeiro a junho de 2004), mas muito intensa e que o marcou fortemente como pessoa e gestor. Passou a lidar com dois grandes desafios sociais – violência e educação – e com um público sensível – crianças e adolescentes. “Não se tratava mais simplesmente de produzir coisas ou serviços. Nosso objetivo era transformar pessoas. Literalmente. Montamos uma equipe não necessariamente perfeita ou ideal, mas certamente improvável para uma instituição como a Febem. Além de mim, que ocupava uma função mista de CEO/COO, e meu ex-colega do ITA, ex-Garantia e ex-Boa Vista como CFO, havia também um ex-gerente da Catho liderando o RH e um ex-gerente de TI do Chase liderando a TI. E para minha grata surpresa, havia também profissionais excelentes e genuinamente comprometidos no quadro da Febem”, diz Machado.

Na época, eram 19 mil adolescentes, dos quais 6 mil em regime de internação em 81 unidades espalhadas pelo estado de São Paulo, menos de mil em semiliberdade e o restante em liberdade assistida.  Breno Machado destaca que os desafios não se limitavam aos adolescentes, e eram, por vezes, muito maiores com a politicagem interna, com a relação com sindicalistas, com uma parcela dos 9 mil funcionários desmotivada e repleta de vícios, com o judiciário belicoso, com os conselhos tutelares intolerantes, com a polícia violenta, e com a falta de disposição para aprofundar-se no entendimento do sistema por parte do governo e da imprensa. “Para enfrentar tudo isso, e em função da urgência das questões, abdiquei conscientemente de minha vida social e trabalhei como nunca. Logo no início, minha primeira visita a uma unidade, em Vila Maria, foi na sequência de uma rebelião. Os adolescentes tomaram a unidade, destruíram algumas salas, e atearam fogo na cabine blindada da entrada da unidade, quase matando sufocados os funcionários que ali se refugiaram. Ao tentar sair da unidade com uma arma em punho, um dos adolescentes foi morto pela polícia, deixando uma enorme mancha de sangue no chão, da qual tive que me desviar para adentrar a unidade. Esse foi meu cartão de visita e um anúncio claro da gravidade do que estava por vir”, conta ele.

 

REBELIÃO E DESAFIOS

Um acontecimento marcante foi uma rebelião em Ribeirão Preto: “Após passar por uma concentração de mães, jornalistas e conselheiros tutelares na entrada do complexo de 4 unidades, cheguei à unidade de adolescentes reincidentes graves, que estava totalmente à mercê deles, mas já cercada pelo batalhão de choque da PM. Havia vários focos de incêndio e os adolescentes estavam visivelmente alterados e entorpecidos pelo consumo de álcool, éter e outros produtos obtidos na cozinha e na farmácia da unidade. Alguns ocupavam o telhado, onde mantinham dois funcionários envoltos em colchões encharcados de combustível, sob o foco atento das lentes dos helicópteros das emissoras de TV. Outro funcionário pulara do telhado, fraturando as pernas. O comandante do choque insistia em invadir logo a unidade, pois em menos de duas horas isso não seria mais viável, pois cairia a noite, aumentando muito o risco da operação. Nesse cenário de caos assumi pessoalmente a negociação e, com o argumento eficiente da invasão iminente pelo Choque, e com um compromisso de endereçar com seriedade as demandas dos rebelados, conseguimos cessar a rebelião, evitando a entrada do batalhão de choque e suas consequências drásticas. Após o acordo, tive que fazer pessoalmente a revista, na companhia de um juiz da vara da infância e juventude da cidade, já que os funcionários se recusaram a retomar o controle da unidade, mesmo depois de convencermos os adolescentes a acabarem com a rebelião”.

Breno aplicou na Febem uma análise sistêmica, utilizando uma abordagem de dinâmica de sistemas criada por Jay Forrester, de quem foi aluno no Massachussets Institute of Technology.  Assim descobriu ciclos viciosos que se retroalimentavam e, sem quebrar esses ciclos, uma solução duradoura seria impraticável.  Seriam necessárias várias medidas, como a construção de unidades menores, descentralizadas e mais próximas das famílias; a implantação de um sistema de avaliação de desempenho das unidades e disseminação de melhores práticas; a capacitação e implantação de remuneração variável para as equipes; o investimento em tecnologia e inteligência na área de segurança, entre outras. Mas, segundo Machado, o principal ciclo vicioso envolvia os adolescentes reincidentes graves, que prejudicavam as operações da unidade e lideravam as rebeliões. Esses adolescentes destacavam-se não apenas pela agressividade e rebeldia, mas também pelo espírito de liderança, criatividade, inconformismo, estamina, coragem, gosto pelo risco e ambição, qualidades valorizadas no mundo dos negócios, sobretudo no empreendedorismo. “Não se converte pessoas com esse perfil em cidadãos exemplares com meras aulas curriculares e cursos de lavanderia, de formação de garçom ou qualquer outro da extensa grade de cursos da Febem. Para transformar pessoas é necessário o alinhamento motivacional positivo, que neste caso implicaria oferecer-lhes oportunidades de empreendedorismo. Para tanto, desenhamos um modelo de cooperativas para a Febem e uma rede de parcerias para viabilizá-las, com um sistema de progressão e incentivos para criar o comprometimento e a transformação desejados”, detalha ele.

Foi uma abordagem inusitada, heterodoxa, e, sem dúvida, polêmica. Criar oportunidades e satisfazer necessidades de adolescentes que cometeram crimes é uma abordagem difícil de explicar para eleitores, especialmente aqueles que também são pobres e cujos filhos não optam pela criminalidade. E foi isso que inviabilizou a sequência da reestruturação. Na impossibilidade de executar um plano que de fato tivesse chances de sucesso, e fadado a assistir à repetição desoladora das rebeliões e do fracasso em transformar os jovens, Breno exonerou-se e  aceitou um dos convites recebidos à época para retornar à iniciativa privada.

 

DE VOLTA A GOIÁS

Depois que deixou a Febem, em 2004, juntou-se ao Grupo Jaime Câmara, que engloba emissoras de TV, jornais e rádios de Goiás e no Tocantins, com sede em Goiânia. Está há 18 anos no grupo e feliz por ter retornado a sua cidade natal. Tornou-se CEO em 2016. “Trabalho com pessoas extremamente comprometidas, que compartilham uma visão comum e que se orgulham dos resultados do impacto de seu trabalho na sociedade e nos negócios. O tão almejado senso de propósito é algo que não nos falta”, diz Breno.  Ele participa como membro do Conselho da Fundação e do Instituto Jaime Câmara, com projetos focados na educação continuada de crianças carentes, e no Conselho do capítulo da Junior Achievement em Goiás, que o GJC ajudou a fundar há 20 anos.  Passados 25 anos desde que foi selecionado como bolsista do Instituto Ling, Breno atingiu a maturidade profissional e nutre vários planos para o futuro, desde ser conselheiro de empresas até tirar um ano sabático a bordo de um veleiro. Por ora, alia o trabaho ao amor à natureza: ele e sua esposa residem na área rural e têm mais de 60 animais, entre cães e gatos.

*Maiêutica ou Método Socrático - numa prática filosófica desenvolvida por Sócrates onde, através de perguntas sobre determinado assunto, o interlocutor é levado a descobrir a verdade sobre algo.

05.12.2022

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