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Ainda estamos aqui: uma conversa com o bolsista Juca Avelino, neto de Eunice e Rubens Paiva

Para João Henrique Paiva Avelino (ou Juca Avelino), o filme Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, é muito mais do que uma obra que vem encantando plateias e colecionando prêmios. É a história de sua família, marcada pelo desaparecimento do avô Rubens Paiva durante a ditadura e pela resiliência da avó Eunice. Filho de Vera, a primogênita do casal Paiva, o paulista Juca fez MBA em Stanford e atualmente trabalha no Nubank. Na entrevista ao blog, ele fala sobre família, a experiência do filme e sobre a carreira voltada a gerar impacto através de tecnologia e inovação.

Ainda estamos aqui: uma conversa com o bolsista Juca Avelino, neto de Eunice e Rubens Paiva

IL: Nos conte um pouco sobre seus pais e sua infância.

J: Os meus pais são acadêmicos de formação. Minha mãe se formou na área de psicologia social na USP, e o meu pai, em ciência política. Quando criança, no começo dos anos 90, meu pai foi fazer o doutorado em Stanford e ficamos lá 4 anos, morei dos 3 aos 7 naquele campus. Eles estão até hoje casados, moram no Brasil. Tenho um irmão dois anos e meio mais velho que eu, também mora em São Paulo, e em Brasília. Trabalha no governo, no ministério do desenvolvimento, libera a parte de carbono verde, descarbonização.

 

IL: A sua mãe é a filha mais velha, aquela que durante o filme vai para Londres..

J: Isso, a que aparece no filme e foi pra Londres. Ela foi para lá passar um tempo, principalmente na época em que o meu avô foi levado. No momento do ocorrido, ela estava lá.

 

IL: Da sua infância até antes da realização do filme, o que se falava na família sobre a prisão e morte de seu avô?

J: Na minha infância já era algo bem elaborado. Eu nasci quase 20 anos depois do desaparecimento do meu avô, a certidão de óbito dele saiu logo depois (Juca está com 34 anos). Eu cresci muito próximo da minha avó, moramos juntos inclusive, quando voltamos de Stanford. A minha família como um todo sempre teve a visão de focar menos em nós, na nossa dor e no nosso luto, e mais em como isso se expressa como propósito para o mundo.

 

IL: De que forma?

J: A minha avó era muito engajada com a causa indígena, as lutas de direitos humanos e redemocratização. Meus pais participaram de movimentos políticos pela redemocratização, a vida inteira, a minha mãe dentro da USP e meu pai, carioca, no Rio, na época estudava na PUC. Eram ativos em movimentos estudantis, esse inclusive foi o berço de boa parte das lideranças políticas que surgiram nesse período, de esquerda, centro, direita, nasceram juntos.. Minha mãe construiu uma carreira longa na área de direitos humanos como psicóloga social, trabalhou muito tempo com prevenção de HIV com pessoas em periferias.  (Na família) Sempre foi uma coisa de “como a gente transforma o que aconteceu com a família, mais de 50 anos atrás, em propósito de transformação do mundo?”. Isso também me motivou, trabalhei um pouco com o governo, e hoje no setor privado, de certa forma me motiva a viver essa transformação na prática, de diferentes maneiras.

 

IL: Como era a avó Eunice, como era a convivência com ela?

J: A minha avó sempre foi uma pessoa que teve valores muito sólidos e passou isso para a gente. Então, essa noção de propósito, o impacto que deveríamos ter, sempre admirei e observei muito nela. Tivemos uma relação interessante, a gente era muito criança quando morou com ela, eu tinha 7, 8 anos. Me chamava a atenção que ela sempre foi workaholic, em todos os níveis. Ela já tinha mais de 70 anos naquela época, viajava para a Amazônia, voltava, defendia mil e uma causas. Lembro dela na máquina de escrever até uma da manhã escrevendo petições e tal. E sempre carinhosa conosco. Depois, a gente acompanhou muito o Alzheimer dela, foi um outro processo longo. Ela foi diagnosticada quando eu tinha 13 anos. Na fase inicial da doença, ela nos contava um monte de coisas, histórias, algo que ela nunca foi muito de fazer, sempre foi mais reservada. Até o fim da vida, ela morou independente – prezava muito pela independência dela e de toda a família. Convivi com ela em muitas fases diferentes, ela morreu quando eu tinha 27, 28 anos.”

 

IL: Como foi para você ver a história da sua família na tela do cinema?

J: Foi muito maluco. A gente acompanhou o processo, o Walter (diretor do filme) já estava com planos de fazer esse filme há muito tempo e ele é muito próximo do meu tio Marcelo e da minha tia Analu, convivemos bastante nesses últimos anos. Ele foi muito carinhoso e muito cuidadoso, em todos os aspectos, e sempre nos envolveu muito no processo, sempre nos perguntou, fomos várias vezes na filmagem. Ele também foi muito detalhista, ele tem esse talento. Diria que 95% do filme é extremamente realista. As cartas (no filme) que a minha mãe escreveu de Londres, são boa parte quase ipsis litteris de cartas que ela de fato escreveu e que guardamos. E documentos do meu avô, as fotos que eles montaram, inclusive da gente, colocando a Fernanda (Torres), o Selton (Mello), montaram várias fotos nossas, que estão lá em casa. Imagina, várias fotos suas de família, que estão na sala, eles levaram e literalmente reproduziram.

Eu já vi 4 vezes o filme: na primeira vez, a Daniela Thomas, que é a assistente de direção, veio nos mostrar lá em casa, prepararam uma sessão de cinema. Foi uma sensação esquisita e obviamente com muita emoção. Depois fomos todos pra Veneza, para a estreia oficial, a família toda.  E foi lindo ver na tela grande o filme pronto, porque a gente tinha visto o primeiro corte em São Paulo. Ver o filme com som, com cor, naquele cinema com mil pessoas, os aplausos. Porque obviamente somos muito conectados com a história, mas você não sabe como as pessoas vão reagir. Eu sou suspeito para falar, mas, além da história, acho que é um filme lindíssimo. Contaram uma história de uma maneira muito bonita e delicada. Foi muito legal para a gente ver a recepção que teve aqui no Brasil e no mundo.

Meu avô foi uma pessoa de quem eu já li muito, acompanhei muito, já tivemos vários momentos contando sua história, mas eu não convivi com ele. E o Selton, pelo que a minha mãe e meus tios descrevem de meu avô, está tão igual a ele, que é como se, de certa forma, por uma hora, eu pudesse assisti-lo, que foi uma coisa que eu nunca tive a oportunidade. Na forma, no gesto, na piada, na brincadeira, no ambiente da casa, minha mãe fala que era literalmente o que é retratado no filme. Foi uma emoção muito grande.

 

IL: E a questão da obtenção do atestado de óbito, como foi?

J: Foi um processo longo. O filme mostra partes, acho que é impossível ter toda a profundidade, mas minha avó foi estudar e se formou em direito, foram anos de luta na justiça até o caso ser reconhecido. Ali no final dos anos 70, começo dos anos 80, finalmente aceitaram o que tinha acontecido. Tem várias reportagens, tem uma famosa capa da VEJA, que contou mais detalhes. Demorou anos para a história, como um todo, sair. Só foi sair de fato em mais detalhes na época da Comissão da Verdade, quando literalmente se identificou o que de fato tinha acontecido com o meu avô, ainda que não tenha clareza sobre o que aconteceu com o corpo, mas o que aconteceu durante aqueles 2, 3 dias iniciais.

Mas, naquela época, foi um passo de cada vez, o primeiro foi o atestado de óbito. O (ex-presidente) Fernando Henrique (que inclusive jogava baralho lá na casa do meu avô, ele era um pouco mais jovem) que fez a lei que reconheceu os desaparecidos, o que permitiu a emissão do atestado de óbito e criou a comissão de mortos e desaparecidos, que existe até hoje.  Foi um processo de transição que foi amadurecendo durante os anos, acho que hoje está bem mais elaborado como caso específico, mas muito menos elaborado do que o que o país precisaria fazer para poder evitar outros casos de violência. O papel do Estado na garantia da segurança e da ordem, mas também na garantia dos direitos humanos. São debates abertos até hoje que a gente fica feliz que o filme tenha trazido de volta à tona.

 

J: Acho que, na própria história, uma das coisas que a gente ouviu que foi muito legal, foi justamente não partidarizar a discussão. Acho que quando você tangibiliza uma história de uma família, de uma mãe, de um avô, pai, irmãos, você humaniza. Acho que muito do não-diálogo vem da desumanização do outro. Você transforma em número, transforma no inimigo aquele que pensa diferente de você. Acho que a empatia é o pilar para voltar a conversar mais e eu tenho esperança de que o filme tenha ajudado a criar um pouco dessa empatia em pessoas que pensam diferente.

 

IL: Tem alguma história, impressão dos bastidores do filme que você gostaria de nos contar?

J: Me impressionou muito o talento da Fernanda (Torres), como ela consegue fazer esse “snap” de uma conversa informal, batendo um papo, falando de futebol, e, gravando, ela entra na personagem, assim como o nível na qualidade teatral e de performance de todos eles. Tinham cenas que nos chocavam o quanto ela estava parecida (com Eunice), a mesma postura, mesmas roupas. Ela emagreceu muito porque a minha vó era super magra. A cena com a Fernanda Montenegro, uma das cenas finais, por acaso fomos lá assistir. A minha mãe levou para ela um broche que era da minha vó e ela vestiu e gravou. É aquela cena em que tem uma confraternização familiar que a gente chama de “Facciolada”.  Se passa na casa dos meus pais, em que eles moram até hoje, mas numa casa réplica que eles fizeram em São Paulo. Foi aquela coisa meio espantosa, você ver uma réplica da casa que você cresceu, virou um set de filmagem.

 

IL: Aquele João que, em 2016, tinha o sonho de mudar o mundo através da inovação, como ele está hoje?

J: Hoje em dia está mais firme do que nunca. Eu lembro que, quando eu era criança, eu queria ser político que nem meu avô. Queria ser senador com 7 anos. Fui trabalhar com o governo uma época, logo antes do MBA, atuando principalmente na questão da regulamentação do Uber, como que a gente legalizava aquilo que era uma inovação na época, e foi super legal essa junção. Hoje eu estou no Nubank. Acho que o Nubank tem uma função que me orgulho muito: tem um impacto social muito grande - dezenas de milhões dos nossos clientes nunca tiveram conta bancária, a gente democratiza o crédito pra pessoas que nunca tiveram acesso ao crédito, a gente gera concorrência que reduz tarifas, gera inovação, áreas que são fundamentais, todo mundo tem uma vida financeira para gerir. Quase 10 anos pós a entrada no Ling (Juca foi selecionado como bolsista em 2016), que essa transformação de formas diferentes de impactar o mundo e transformar o mundo através da inovação ampliou.

 

IL: E valeu a pena fazer o MBA?

J: Com certeza, sem sombra de dúvida, naquela época eu já sabia, é uma experiência incrível. Uma das coisas que eu mais gostei de fazer no MBA (acho que a gente tem uma síndrome aqui no Brasil de subestimar o nosso potencial) foi, ao estar lá, entender, e também sentir que nós como brasileiros podemos voltar, criar uma empresa incrível, liderar, ir para o governo, ser candidato. Acho que é super encorajador. Eu tenho muito orgulho da turma, em particular, de Stanford, a galera latino-americana é quem faz as coisas mais incríveis e de maior impacto hoje em dia. Cresceu bastante o número de alunos latino-americanos lá em Stanford, muito pelo resultado das gerações anteriores que provaram que a gente também é capaz de fazer coisas legais, de mudar o mundo uma pessoa de cada vez. Tenho um orgulho imenso e ainda tenho os amigos de lá, são parceiros de vida, sempre um lá pelo outro.

31.1.2025

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