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Maria Eduarda Pessoa de Assis, o direito auxiliando o debate sobre mudanças climáticas

De advogada criminalista a assessora de políticas públicas, a carioca Maria Eduarda Pessoa de Assis construiu sua carreira orientada por um forte senso de justiça e um inquieto desejo de mudar a realidade. Insatisfeita com os limites da atuação em casos individuais, encontrou no estudo das políticas públicas e no LLM na New York University uma forma de pensar localmente e ter impacto globalmente. De volta ao Brasil, hoje trabalha no think tank Instituto Igarapé e ocupa espaços de liderança no debate mundial sobre mudanças climáticas. 

Maria Eduarda Pessoa de Assis, o direito auxiliando o debate sobre mudanças climáticas

A observação de uma realidade de injustiças sociais na cidade onde nasceu aliada ao jeito que levava para convencer com as palavras pavimentaram o caminho de Maria Eduarda Pessoa de Assis até a advocacia. “Sempre soube que queria cursar direito”, conta a carioca de 30 anos. 

Se cursar direito já era uma de suas certezas, a convicção de que atuaria com o direito criminal surgiu durante a graduação. “Estagiei em diferentes lugares, desde escritórios até defensoria pública e gabinetes de magistrados, sempre com esse interesse”, lembra. 

Mas as certezas de Maria Eduarda foram abaladas a partir da experiência como voluntária no Coletivo Inaiá, criado para combater o assédio sexual. A advogada percebeu que gostaria que seu trabalho tivesse impactos para além do individual – e encontrou a rota para a mudança de carreira ao apostar no estudo das políticas públicas. 

O Mestrado em Direito na New York University, concluído em maio de 2024, serviu para reafirmar que seu lugar é atuando de forma estratégica e transversal, unindo legislação a finanças e conhecimentos sobre meio ambiente – e ela garante que, desse caldo, pode surgir uma variedade de soluções para o futuro do Brasil.

 

Um passo atrás para vislumbrar novos rumos

Formada em direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) em 2018, Maria Eduarda decidiu tentar uma vaga na Defensoria Pública após a conclusão da faculdade. 

A visão ampla que fazia compreender as lacunas criadas pela injustiça social já acompanhava Maria desde antes do vestibular. Mas foi no cotidiano na universidade pública pioneira nas políticas de cotas que a jovem passou a perceber o potencial de mudança contido em ações que iam contra essa maré de desigualdade.

Movida pela ideia de amenizar as iniquidades do sistema legal, Maria optou pelo caminho da advocacia criminal. Embora admirasse o trabalho da Defensoria, a motivação de carreira não se sustentou ao longo do semestre que passou estudando para os concursos. Decidiu atuar no setor privado, em um escritório recém-criado por um antigo gestor de um estágio. 

A primeira virada de chave na carreira de Maria Eduarda não veio do encontro com novos horizontes, mas com o retorno a um ambiente já conhecido. Em 2020, durante a pandemia, ela ajudou a criar o Coletivo Inaiá, depois que foi publicada uma série de relatos de assédio sexual contra jovens estudantes do colégio onde ela mesma havia estudado. 

‘Não era uma situação nova, mas vendo a gravidade, me senti na obrigação de fazer alguma coisa”, conta Maria. Alunas e ex-alunas se mobilizaram para fundar o grupo, que ganhou tração nacional com a divulgação dos casos na mídia. “Quando lidamos com esses casos de forma coletiva, acho que as pessoas se sentem mais confortáveis para compartilhar e deixam de normalizar a situação.” 

O Coletivo Inaiá contava com setor de comunicação, com psicólogas, e Maria Eduarda era a responsável pelo grupo de trabalho jurídico. A repercussão foi tanta que ela acabou colaborando para a elaboração de uma ação civil pública contra a escola junto ao Ministério Público. Além de uma multa, a instituição teve de cumprir uma série de ações de conscientização. E o trabalho não parou. 

“O impacto foi além, culminando num plano estratégico para o município do Rio de Janeiro combater o assédio sexual nas escolas”, diz a advogada. Mais que uma iniciativa pontual, o voluntariado foi um divisor de águas na carreira de Maria Eduarda. 

“Me trouxe um sentimento grande de propósito. Deu para sentir o impacto real, sistêmico, das minhas contribuições. Comecei a entender que, apesar do meu trabalho de advocacia ter um impacto na vida das pessoas, ele estava muito aquém do meu objetivo”, relata. 

 

Na trilha das políticas públicas

A solução para o dilema de carreira de Maria Eduarda surgiu por meio do estudo das políticas públicas. “Acabei encontrando nas políticas públicas uma forma de ter esse tipo de atuação a nível macro”, lembra. De imediato, pensou que era necessário se capacitar. 
Além de se candidatar a uma vaga de mestrado sobre o tema na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a advogada passou a buscar oportunidades de trabalho voluntário no setor. Foi quando encontrou Ilona Szabó e o Instituto Igarapé, um think and do tank independente, que atua nos setores de segurança pública, climática e digital, bem como em relação ao espaço cívico. O objetivo da instituição é trabalhar com advocacy e incidir em políticas criadas a partir da multilateralidade – envolvendo atores brasileiros e estrangeiros.

Ainda em 2020, Maria Eduarda começou a trabalhar como voluntária no Instituto. No ano seguinte, já era assessora jurídica. O caminho percorrido pelo Instituto Igarapé desde sua fundação, em 2011, se assemelha bastante com o dela: de início, o projeto nasceu focado no setor de segurança pública e, com o tempo, avançou para agendas sobre democracia. Hoje, a pauta  climática ocupa um espaço prioritário no Instituto. 

“Nossa missão é, por meio de dados e evidências, influenciar e impactar a realidade. A partir de 2017, aterrissamos na na Bacia Amazônica para entender o que chamamos de ecossistema do crime ambiental. Começamos a perceber que esses crimes estavam sempre ligados a outros crimes não necessariamente ambientais, mas que convergiam”, narra Maria. 

A guinada temática do Instituto ocorreu também na carreira de Maria Eduarda – e em 2023, culminaria em um Mestrado nos Estados Unidos. 

 

Aterrissando em Nova York

Decidida, Maria Eduarda conta que sempre quis fazer um mestrado fora do Brasil. Mas diferentes motivos adiaram os planos: “primeiro, eu queria entrar para a Defensoria Pública. Depois, quando fui estudar políticas públicas, estávamos no meio da pandemia”. 

Assim, o momento surgiu depois de um período intenso trabalhando com desinformação e eleições. Lidando com os setores de segurança pública e digital, bem como de democracia e proteção ao espaço cívico, ela produzia notas técnicas, participava de audiências públicas e ocupava a figura do amicus curiae – que compartilha conhecimento técnico com tomadores de decisão.

“Era tudo muito urgente, então surgiu uma exaustão. Pensei que era o momento de dar um passo atrás e decidir o que queria fazer.” 

Parte da motivação para buscar aprofundar seus conhecimentos em direito longe de seu berço carioca vem da própria família: Maria Eduarda conta que seus avós maternos chegaram ao Brasil fugindo do nazismo na Europa, no século passado; e que, do lado de cá, seus avós paternos também migraram do Nordeste para o Rio de Janeiro em busca de mudanças. 

Esse passo atrás para pensar sobre o futuro, então, incluiu migrar para os Estados Unidos para estudar na New York University (NYU), durante um mestrado em direito – o famoso “LLM”, na sigla em inglês que significa “Latin Legum Magister". 

De cara, não pôde evitar a insegurança com o processo, mas a conquista de uma bolsa integral Arthur V. Vanderbilt da NYU e o apoio da bolsa do Instituto Ling garantiram sua ida para o período de estudos fora do Brasil.

A transição de carreira já traçada se firmou durante o mestrado em terras americanas. “Eu usei o LLM para fazer uma transição e entender mesmo o que eu queria. É curioso porque eu não era tão próxima da pauta de clima, mas quando fui para fora passei a ver a importância do tema. A pauta climática é apresentada não só como urgência e desafio, mas como uma oportunidade.”

Indo muito além das salas de aula, Maria participou de diversas conferências e eventos para conhecer a fundo como o Brasil era posicionado lá fora em relação a questões ambientais. Tudo alinhado com o propósito do Igarapé no setor ambiental: “a cooperação internacional é um dos programas do Igarapé, e o LLM me deu mais conhecimentos sobre isso. Hoje, minha atuação é transversal e envolve pensar como traduzir as pesquisas que produzimos para que elas cheguem em quem tem a caneta na mão”.

Entre teoria e prática, Maria Eduarda aterrissou na temática de finanças para a natureza. “Para transformar esse ecossistema de crimes e ilicitudes em um ecossistema que projeta a natureza, precisamos apresentar alternativas economicamente viáveis para as populações desse território”, diz. “Existem várias iniciativas interessantes e pessoas dedicadas que querem chegar ao território, mas que falham por conta desses desafios.”

Assim, de volta ao Brasil, Maria direciona sua atuação para a nova iniciativa do Igarapé: o Green Bridge Facility, uma plataforma de risco e resiliência territorial. Como diz o nome do projeto, a ideia é servir de ponte entre diferentes entidades, seja do setor público ou privado, que compartilham o propósito de incidir sobre a Amazônia e outros territórios.

“Parte da teoria de mudança do Igarapé, na qual eu acredito bastante, trata-se de sentar à mesa com diversos atores para não só unir mas garantir que façamos uma tradução. Muitas vezes as pessoas têm objetivos parecidos, mas não estão falando a mesma língua”, explica Maria Eduarda. Mais que advogada, hoje ela aplica seus conhecimentos sobre legislação, políticas públicas e advocacy para liderar esforços estratégicos no setor do meio ambiente. 

E ela destaca que isso significa muito: “Ao falar da Amazônia, estamos falando do bem-estar não apenas do Brasil, mas do mundo, tanto em termos de equilíbrio climático quanto de biodiversidade.”

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