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Onde Direito e Economia se encontram: Eric Jasper e Direito da Concorrência

Eric Hadmann Jasper entrou na área do direito da concorrência quase por acaso, aproveitando uma oportunidade no escritório onde estagiava. Com um currículo que inclui um período de 5 anos na Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça e dois mestrados – um deles o LLM em Columbia, que contou com bolsa do Instituto Ling – tornou-se especialista no tema. Além de liderar um escritório focado em direito da concorrência, regulação, societário e contratos, é professor universitário e criou, com dois colegas, um podcast para discussão do tema. Em conversa com o blog, conta mais sobre esta área menos conhecida do direito, mas que tem impacto direto na vida de todos.

Onde Direito e Economia se encontram: Eric Jasper e Direito da Concorrência

O contato de Eric, gaúcho de Santa Maria que desde adolescente mora em Brasília, com o direito concorrencial aconteceu quase sem querer: em 2002, iniciou estágio na filial do escritório Levy & Salomão na capital federal, no setor de tributário. Com a mudança de foco do escritório, foi deslocado para a área do direito da concorrência. E desde então é fascinado pela área onde, segundo ele, as disciplinas de direito e economia se encontram e que serve de ponto de entrada para aplicação da teoria e raciocínio econômicos ao campo jurídico.

 

Direito do consumidor x direito da concorrência

Eric ressalta que para entender o direito da concorrência é preciso entender o direito do consumidor também.

O trabalho com relação ao consumidor é mais perceptível pelo cidadão comum, pois lida com questões que afetam o dia a dia das pessoas. “Problemas como venda casada, reclamações relacionadas a planos de saúde e passagens aéreas tinham um impacto imediato e direto na vida dos consumidores.”, exemplifica.

Já as ações na área do direito da concorrência não são sentidas de imediato, mas nem por isso são menos importantes: “O direito da concorrência visava a promover a competição no mercado, evitando a formação de monopólios e garantindo a qualidade e variedade de produtos disponíveis para a população”.

Para Jasper, a concorrência, ao final, resulta em benefícios como a redução de preços, aumento da qualidade e variedade de produtos, e maior acesso a diferentes camadas da população. A ausência de concorrência pode levar à estagnação e falta de inovação, prejudicando tanto os consumidores quanto o mercado como um todo.

 

A experiência no Cade

Eric ingressou no Ministério da Justiça em 2004, na hoje extinta Secretaria de Direito Econômico. Rapidamente, foi promovido a coordenador geral na Secretaria, uma posição de liderança que assumiu com apenas 26 anos. Uma experiência, segundo ele, espetacular, pois lidava com investigações de carteis e operações de busca e apreensão regularmente, que exigiam uma habilidade especial de gestão, pois lidava com equipes que iam desde os colegas de Cade (“servidores de terno e gravata”), os policiais civis ou federais que acompanhavam as diligências e ainda representantes da AGU.  Além disso, para terem efeito, as ações deveriam acontecer em vários locais, ao mesmo tempo, de forma coordenada.

Desta época, Eric diverte-se lembrando de um episódio em que deveriam conduzir ação contra um cartel de postos de gasolina em Belo Horizonte. No momento de iniciar, foi avisado de que havia somente duas viaturas policiais disponíveis. A solução foi alugar carros particulares e irem dirigindo, ele e os colegas, atrás dos carros da polícia, subindo e descendo as ladeiras da capital mineira.

Um dos casos mais marcantes do período em que trabalhou no Cade foi a operação para desbaratar o cartel das empresas de cimento. O Cade constatou que o cartel, por quase 20 anos, fixara preços e quantidades de venda de produtos, além de fazer a divisão regional do mercado e alocação de clientes entre as empresas cartelizadas. As empresas, executivos e entidades de classe condenados também atuavam para inviabilizar a entrada de novos concorrentes nesses segmentos. A operação resultou nas maiores multas já aplicadas pela autarquia, R$ 3,1 bilhões em 2014, superando os valores aplicados na Lava Jato.

 

O mestrado em Columbia

Em 2009, Eric estava há 5 anos na Secretaria e ocupava o cargo de diretor substituto do Departamento de Proteção e Defesa Econômica.  Foi quando começou a considerar a possibilidade de retornar à iniciativa privada, embora não quisesse fazer essa transição de forma precipitada. Neste momento, foi fundamental o papel de outra bolsista do Instituto Ling, Ana Paula Martinez (LLM 2005), que o incentivou a cursar o mestrado no exterior. Ana havia sido colega de estágio de Eric na Levy & Salomão e chefiava o Departamento de Concorrência na Secretaria de Direito Econômico.

“Tudo começou quando a Ana Paula, que havia retornado de Harvard na época, me incentivou a seguir meus estudos. Ela me ajudou a dar os primeiros passos, a entender o processo e a obter cartas de recomendação. Ela me estendeu a mão e foi fundamental para que eu conseguisse ingressar na Columbia em 2009.”, conta.

Ser aceito na prestigiada universidade nova-iorquina foi a primeira etapa do grande desafio que Eric viria a enfrentar. Para resolver a questão financeira, reuniu economias, vendeu o carro, pediu ajuda à família e contou com a bolsa do Instituto Ling. Lá chegando, ele conta que foi a única vez que estudou de verdade na vida e teve que se familiarizar com o método de ensino socrático, em que há menos preocupação dos professores com a resposta do que com a discussão em si. Sem falar que estava concluindo, ao mesmo tempo, o mestrado em filosofia pela UnB.  Mas Columbia propiciou oportunidades únicas, como ter aulas com Joseph Raz (falecido em 2022), na época um dos maiores filósofos do direito do mundo.

Ao final do LLM, Eric passou um ano na Bélgica trabalhando para o escritório Freshfields Bruckhaus Deringer e, no retorno ao Brasil, mais três no escritório Levy Salomão. Em 2014, fundou a HD Advogados, escritório boutique focado em direito da concorrência, regulação, societário e contratos, onde segue até hoje. Também ministra aulas atualmente no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).

Aos 44 anos, Eric ainda encontra tempo para a produção do podcast Vantagem Auferida, criado com outros dois amigos do direito anti-truste, Ricardo Gaillard e José Carlos Berardo, durante a pandemia em 2020. Os episódios mensais do podcast, que discute em linguagem simples e de forma descontraída sobre direito da concorrência, do consumidor, comércio internacional, entre outros, contam com aproximadamente 700 ouvintes regulares mensais, um excelente indicador considerando que o direito da concorrência é um setor relativamente pequeno.

Outro tema a que ele vem se dedicando é o de apostas esportivas. Em sua opinião, é um mercado que está no mesmo estágio que as privatizações de Telecom estiveram na década de 90: algo completamente novo, com uma regulação a criar e incrementar, o que o fascina. Por isso, Eric criou o Grupo de Análise de Mercado Esportivo e de Apostas no IDP (não por acaso, a sigla é GAME), com o objetivo de analisar o tema do ponto de vista regulatório. Os estudos envolvem os agentes desse novo ecossistema (operadoras de apostas, onde o consumidor acessa as apostas; meios de pagamento, designers, data analytics). Como em outras indústrias, a ideia é deixar o mercado livre, sem limite do número de empresas ou participantes, desde que cumpridas as exigências de inscrição e recolhimento de impostos. E deixar a intervenção somente para onde houver falhas de mercado, como por exemplo: lavagem de dinheiro, risco de quebra, ludopatia (vício em jogos).

 

Investigações na área da concorrência

Conforme Eric, o Brasil está acompanhando a tendência internacional de redução de acordos de leniência. Ele explica que a diminuição não necessariamente indica um afrouxamento nas investigações, mas sim uma queda após o pico durante a Lava Jato, quando houve um aumento significativo de casos. No exterior, houve um período com grande volume de investigações no setor automotivo, que se refletiu no Brasil. Acredita que as autoridades, tanto no país quanto no exterior, parecem ter se baseado demais nos acordos de leniência, e agora estão em um processo de reaprendizado, utilizando escutas telefônicas, algoritmos de Big Data e outras tecnologias para complementar as investigações. É uma questão de combinar métodos tradicionais com novas tecnologias para fortalecer o combate à corrupção.

“É importante explorar outras ferramentas, como o whistle-blowing (denúncia), que permite denunciar condutas ilícitas, sem ter participado delas, como acontece na delação premiada. Nos Estados Unidos, por exemplo, há casos em que quem denuncia irregularidades recebe uma parte da multa aplicada”, explica.

06.08.2024

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