Apaixonada pelo Brasil, economista e autora Julia Sekula aposta na potência verde do país
O futuro passa por aqui: entusiasta da economia limpa do século 21, Julia Sekula contagia todos quando conversa sobre tecnologia climática. Coautora do livro “Brasil: Paraíso Sustentável”, defende o potencial do país na revolução da matriz energética mundial. Visão e conhecimento não faltam para a jovem de 30 anos, já com o segundo livro engatilhado. Economista e cientista política em Londres, com experiência em assessoria financeira de casos complexos e situações especiais, concluiu o MBA em Stanford e está finalizando o mestrado na Stanford Doerr School of Sustainability.
Conversar com Julia é uma aula sobre clima, tanto em informação quanto em linguagem acessível. É assim que ela compartilha vários artigos em forma de newsletter (no Substack chamado Climate Tech LatAm), em posts nas suas redes, como o LinkedIn, e sites especializados. Fica fácil entender quais são os fatores de privilégios ambientais e geoecológicos que colocam o Brasil em posição de liderança nesta revolução. Mas antes disso, afirma que é preciso seguir batendo na tecla da emergência climática, ameaça que muitos brasileiros ainda subestimam.
— No Vale do Silício, já é uma tese muito comprada: ninguém debate se a pauta climática existe ou não. Aqui no Brasil, ainda estamos em processo de convencer as pessoas de que é importante, ou seja, estamos dois passos atrás. Sinto que é necessário fazer o básico para conseguirmos comunicar o que de fato é importante — argumenta.
Comunicar é um dos talentos de Julia, e ainda por cima em várias línguas. Escrever faz parte das atividades preferidas desde pequena. Nascida em Curitiba, cresceu em países da Ásia como China, Índia e Sri Lanka. A família se mudou bastante pelo perfil do pai, engenheiro, que queria proporcionar uma experiência internacional às duas filhas. Assim, além do português e do inglês, a imersão em outras culturas adicionou mandarim e alemão ao currículo.
Currículo este que começou com graduação dupla, inclusive. Na época de escolher a faculdade, a jovem curiosa queria estudar Economia e Ciência Política. Em vez de decidir por uma ou outra, fez ambas na SOAS University of London. Durante os semestres iniciais, para se virar na cidade, trabalhou como garçonete, bartender e outros empregos temporários, aproveitando as experiências:
— Aprendi mais lá sobre pessoas e comunicação do que em qualquer outra área — recorda, rindo.
O desafio de analisar casos complexos todos os dias
O primeiro estágio na sua área de formação já colocou a régua nas alturas: a disputada seleção para o banco de investimentos Morgan Stanley, em Londres, onde logo foi convidada a trabalhar full time e permaneceu por mais de dois anos. Atuava como analista em uma área específica chamada Special Situations (situações especiais) e Distressed Credit, lidando com casos ultracomplexos do banco. Período lembrado com saudade até hoje.
— Era algo que amava, pois unia a parte de Ciência Política com a área de Economia, acabou sendo perfeito.
Ao ser promovida a associada, percebeu que não queria mais viver na Europa e decidiu retornar ao Brasil, onde não morava desde criança. Em São Paulo, passou a atuar na G5 Partners — empresa independente de serviços de consultoria financeira — no mesmo segmento que fazia brilhar os olhos, as situações especiais. Após três anos na holding, foi convidada a ser sócia, o que novamente gerou um momento de introspecção.
— Refleti o quanto gosto muito desse trabalho complexo, nessa área meio “caótica”. Pensei então: qual é a área mais complexa e caótica que as pessoas não querem olhar? E a resposta foi: o clima. Por mais que pareça que mudei de área, entendo que estou atuando em um grande caso “distressed” — compara.
A reflexão guiou Julia aos 26 anos para uma nova rota. Dois contatos foram importantes nessa trajetória. O primeiro foi Ilona Szabó, cofundadora e presidente do Instituto Igarapé, um think tank independente que estava montando um programa de segurança climática, no qual Julia entrou como consultora. O segundo foi encontrar o escritor e cientista político Jorge Caldeira, autor de “Mauá” e “A História da Riqueza no Brasil”, que a convidou para ser coautora do livro “Brasil: Paraíso restaurável”, que aborda as oportunidades que a economia verde e a transição para novas fontes de energia oferecem ao país.
A ótima repercussão da obra e a evolução profissional na nova área a motivaram a dar o passo seguinte: complementar a educação superior cursando pós-graduação. Sempre manteve este desejo aceso, um olhar para o mundo acadêmico e outro para o mercado, tanto que estava se preparando para o GMAT (Graduate Management Admission Test) desde 2019. E assim como fez na época da faculdade, decidiu fazer dois cursos simultaneamente.
— Acredito muito no aprendizado contínuo. Por mais que a gente aprenda na prática, no trabalho, às vezes a gente não consegue o distanciamento que precisa para ter outras perspectivas, ideias e provocações. E isso para mim sempre foi importante.
Pós-pandemia, MBA e mestrado com foco em sustentabilidade
Stanford foi a principal aposta para atingir os objetivos de Julia. A aprovação no MBA e no mestrado acadêmico na mesma universidade vieram próximo ao período em que a pandemia eclodiu, o que fez adiar a ida para a Califórnia. Também aprovada no processo seletivo de bolsistas do Instituto Ling logo em seguida, usou o financiamento recebido para custear despesas gerais com as duas pós-graduações. A espera até setembro de 2021 valeu a pena.
— Sem a bolsa não conseguiria ter ido; isso para mim está muito claro, e sempre será uma grande fonte de gratidão, pois fez toda a diferença — conta Julia, que também recebeu o reconhecimento da Person of the Year Fellowship Program, para jovens líderes.
Os últimos dois anos vivendo no campus foram de intensa dedicação, com uma média de seis horas de aula por dia, dividindo-se entre as disciplinas do MBA na Business School e as pesquisas na novíssima Stanford Doerr School of Sustainability. Julia é uma das primeiras alunas desta classe com foco em sustentabilidade: com uma doação de mais de US$ 1 bilhão do investidor americano John Doerr e outras fontes filantrópicas, a universidade montou a escola de clima.
— Stanford foi incrível por várias razões. Primeiro pelo ecossistema do Vale do Silício, onde tudo funciona a partir de muita pesquisa científica e os alunos têm um acesso muito privilegiado a pessoas que estão fazendo inovações incríveis. Em nenhum outro lugar do mundo se vê essa clareza. Pois, no fundo, clima é isso: é tecnologia, é inovação, é criatividade — comenta.
Encerrado o ano de MBA, agora Julia está na reta final do mestrado acadêmico, com conclusão prevista para o fim do ano. Até lá, segue também como fellow de pesquisa na instituição, em uma área que investiga como será o mundo de emissões “carbono zero”, pensando o carbono como ativo financeiro, e não commodity, em conjunto com professores referência na área.
Encerrada essa etapa no Exterior, Julia volta ao Brasil, onde já está com apartamento montado em São Paulo com o marido. Na sua visão, o privilégio do contato com tantos outros países no passado ensinou a economista que o Brasil tem muitas qualidades que não valorizamos. E também que o cenário da pauta climática é mesmo no seu país de origem, e não lá fora.
— Faz mais sentido trabalhar aqui do que em qualquer outro lugar do mundo. E é onde precisamos de gente e de projetos, mas faltam pessoas — destaca. — Em nenhuma outra área na história, se você olhar todas as ondas de crescimento dos últimos 100 anos no mundo, o Brasil teve vantagem competitiva de fato. Estou falando de uma ótica exclusivamente econômica ou racional, onde deveria claramente investir. É a única pauta em que o Brasil tem lugar na mesa no mundo e que as pessoas querem ouvir a nossa opinião.
Por acreditar que o Brasil tem essa enorme vantagem competitiva é que Julia escreveu o livro junto a Jorge Caldeira, exatamente com este olhar. A obra foi finalista do Prêmio Jabuti 2021, categoria Economia Criativa. Agora, está em gestação o segundo livro, já com garantia de publicação. A proposta do livro solo é uma das vencedoras do Prêmio Bracken Bower do Financial Times para escritores com menos de 35 anos. Com autorização da autora, compartilhamos um spoiler:
— A pegada é focar mais em inovação: como a natureza pode ser o motor de inovação tecnológica. Nesse sentido temos muita coisa no Brasil também. Só falta a gente assumir essa liderança.