Flávia Cortes e a representatividade feminina na área de TI

Existe uma expressão em inglês, “walk the talk”, que fala sobre seguir em ações e atitudes de acordo com tudo aquilo que se diz. É assim que Flávia Cortes enxerga a presença feminina dentro das corporações. Em sua entrevista para o nosso blog, ela conta sua trajetória profissional e de que forma o MBA na Universidade da Pensilvânia foi primordial para alcançar seus objetivos. Desde que finalizou o mestrado em 2005, Flávia trabalha na Microsoft e, com quase 20 anos de atuação em TI, tem um objetivo pessoal de auxiliar mulheres a conquistar posições na área.

Flávia Cortes e a representatividade feminina na área de TI

Flávia Cortes, 49 anos, sempre foi uma visionária na sua busca por uma carreira fora do convencional. Enquanto muitos optavam pelas carreiras tradicionais, como médico, advogado ou economista, ela buscava uma escolha que lhe permitisse explorar diversos campos no futuro. Foi assim que decidiu se aventurar na área da engenharia – primeiro civil, depois produção, que era uma tendência ascendente na época. Mais tarde, em 2003, partiu para um MBA nos Estados Unidos e, ao término do mestrado, optou por trabalhar na Microsoft, uma das gigantes de TI. Lá, teve a oportunidade de liderar equipes em um setor onde predomina a presença de homens.

Na visão da Flávia, é crucial combater qualquer estigma de que engenharia e outras áreas técnicas são exclusivamente masculinas. Morar e trabalhar em um país mais avançado nas questões de gênero foi um facilitador em sua carreira. Mesmo assim, ela enfrentou situações desafiadoras e considera que as mulheres ainda têm um caminho a percorrer. E que isso implica também que as profissionais adotem uma atitude mais assertiva.

“Atualmente, é perceptível que muitas mulheres estão ocupando cargos executivos em promoções recentes. No entanto, ainda há um obstáculo a ser superado para que as mulheres conquistem mais posições de liderança na área de TI. Existe algo que falta, uma atitude que precisa partir das próprias mulheres. É necessário levantar a mão e mostrar o desejo de ocupar esses cargos, apesar da persistência de certas resistências. É fundamental que as mulheres se ofereçam mais para essas oportunidades, mesmo que isso não surja de forma tão natural para elas.”

 

Trilha profissional

Filha de mãe psicóloga e pai engenheiro, Flávia optou pela profissão do pai. Começou na civil, mas mudou para engenharia de produção, atraída pelo caráter mais híbrido do curso, que mesclava conteúdos técnicos e de gestão.  Durante a faculdade, teve sua primeira experiência profissional no exterior: inscreveu-se para uma posição na Inglaterra, onde teve a oportunidade de estagiar em uma parceria entre uma empresa de engenharia e uma companhia de águas, semelhante à CEDA (empresa privatizada de água no Rio de Janeiro).

“Foi um projeto impressionante e fiquei absolutamente fascinada com a equipe responsável por vendê-lo, demonstrando o verdadeiro valor do projeto e coordenando os parceiros envolvidos. Notei que a pessoa encarregada do projeto, o facilitador, não possuía formação técnica, mas sua liderança foi absolutamente crucial para o sucesso do projeto, descobrindo as métricas e traçando o caminho para o sucesso.”

Nesse momento que ela começou a se distanciar um pouco da parte técnica da engenharia e decidiu aprofundar os conhecimentos na área administrativa, estudando matérias de contabilidade e análise de risco.

“Comecei a me dedicar a disciplinas de contabilidade e análise de riscos, explorando o lado mais estratégico dos negócios. Em seguida, tive a oportunidade de fazer um estágio em um banco quando retornei ao Brasil. Porém, logo percebi que essa área não era muito adequada para mim, pois estava muito focada no mercado financeiro. Então, mudei para uma pequena empresa de exportação e, posteriormente, tive a chance de estagiar na televisão Globo, hoje conhecida como Grupo Globo.”

Foi lá que Flávia realmente despertou para sua carreira profissional. Durante os cinco anos em que trabalhou na empresa, passou pelas áreas de planejamento, controladoria, finanças e negócios internacionais. Nessa última área, participou do desenvolvimento de novos modelos de negócios, e teve oportunidade de lançar o canal Globo em outros mercados.

Nesse período, teve mentores importantes, como um executivo que trabalhara Disney e trouxe práticas inovadoras. Ele havia feito MBA e essa influência a inspirou a se candidatar a um mestrado no exterior. Flávia havia conhecido o mundo dos MBAs através de um primo, cinco anos mais velho, que iniciava sua jornada de candidaturas na época em que ela estava fazendo o vestibular. Ele foi a primeira pessoa a lhe abrir os olhos para essa possibilidade, reforçada mais tarde por colegas e executivos da Globo.

Tomada a decisão, passou a pesquisar universidades. Inicialmente, cogitou ir para a Europa, pois já havia feito um estágio na Inglaterra e tinha boas lembranças daquele continente. Mas, após uma minuciosa pesquisa, percebeu que as melhores escolas de MBA estavam nos Estados Unidos. Sua opção foi por Wharton, a escola de negócios da Universidade da Pensilvânia. Uma vez aprovada, Flávia se deu conta dos custos envolvidos. Começou a calcular o quanto precisaria guardar e o quanto precisaria pegar de empréstimo para viabilizar essa oportunidade. Pesquisando opções, descobriu o Instituto Ling e recebeu bolsa em 2003.

O alto investimento compensou: ao final do curso, Flávia recebeu a oferta para trabalhar na Microsoft, onde está até hoje. Não que tenha ficado todo este tempo fazendo as mesmas tarefas. Já assumiu diferentes cargos, em áreas como finanças, comercial e suporte ao cliente e, por um período, atuou na unidade da empresa no Reino Unido.

Em determinado ponto, vida profissional e pessoal convergiram: Flávia casou-se com um norte-americano, colega da Microsoft.  O casal tem dois filhos, com idades de 10 e 5 anos.

Flávia conta que foi a maternidade que trouxe uma percepção mais forte das dificuldades enfrentadas pelas mulheres, seja por comentários inadequados de colegas sobre licença-maternidade, seja pela cobrança maior da sociedade pela presença da mãe junto aos filhos, enquanto ao pai caberia o papel de provedor. Isso, em sua opinião, pode desencorajar algumas mulheres a seguir carreira.

Mas considera que a situação está mudando e há uma tendência de normalização e aumento de exemplos de mulheres bem-sucedidas. Ela destaca que seu otimismo não é sem fundamentos, pois é possível observar o aumento do número de mulheres em grupos de liderança, embora ainda haja espaço para mais mulheres ocupando posições de CEO e em áreas de negócio.

Se, como sociedade, ainda temos muito trabalho a fazer para alcançar a plena igualdade em todos os campos profissionais, Flávia busca fazer sua parte, incentivando a presença de mulheres nas equipes em que atua.

“Precisamos continuar apoiando e incentivando as mulheres a seguirem suas paixões e realizarem seus potenciais na engenharia e em qualquer outro campo que desejarem. Eu sempre acreditei no poder das mulheres na área de TI e estou determinada a ajudar a conquistar posições nesse campo. Por isso, tenho me dedicado a buscar maneiras de auxiliar outras mulheres a trilharem esse caminho e alcançarem o sucesso. Sei que muitas vezes pode parecer um desafio, mas acreditem em mim, vale a pena! A área de TI é incrível e cheia de oportunidades para todos nós. E eu estou aqui para mostrar que as mulheres têm todo o potencial para brilhar nesse universo.”

01.03.2024

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