A inspiradora história de superação de Marcus Castro, da periferia à Faria Lima
Para chegar aonde queria, Marcus Castro sabia que teria que fazer o máximo de esforço possível. E este empenho passava pela educação. Morando na maior favela de São Paulo, Heliópolis, garantiu vaga no disputado curso de Administração de Empresas da USP e viu sua vida mudar. Também se propôs a mudar a vida dos outros, com projetos sociais desde a faculdade, sempre pelo viés econômico. Especializou-se em Finanças e Estratégia pela Sciences Po (Paris) e como bolsista do Instituto Ling cursou MBA na Kellogg School of Management na Northwestern University (EUA).
Aos 36 anos, Marcus mora hoje em Miami e está à espera do primeiro filho. Trabalha na conceituada consultoria global Mckinsey & Co, oportunidade conquistada ao concluir o mestrado. Mas para chegar até lá, precisamos rebobinar a fita para contar direito esta história de inspiração e superação. Ou melhor, deixar que Marcus conte.
“Nasci na Baixada do Glicério, no centro de São Paulo, e depois minha família foi morar em Heliópolis, onde fica a maior favela de São Paulo. Meus pais são do interior do Maranhão e saíram de lá para tentar uma vida melhor. E assim como eles, eu também desejava uma vida melhor.
Por 21 anos da minha vida, vivi em uma casa de 40 metros quadrados com meu pais, irmão e mais oito parentes. Cresci com a minha vó, neta de escravos; tenho uma mistura de culturas em mim: além de afrodescentente, também indígena. Sabia que, para tentar mudar meu destino, teria que fazer algo diferente do que meus antecessores fizeram.
Aos 14 anos, comecei a trabalhar entregando pizza e como office boy para ajudar em casa. Eu frequentava a escola pública quando percebi que a única chance de mudar meu futuro era frequentar uma universidade de ponta. Desde criança eu dizia que seria empresário. Meu sonho era estudar Administração de Empresas na USP, uma tarefa difícil para alguém sem ensino básico de qualidade.
A taxa de aprovação no vestibular era de 1 a cada 34 candidatos, então precisei estudar muito para passar. Quando me formei no Ensino Médio, fui fazer cursinho noturno com bolsa de estudos. Trabalhava até 10h por dia no comércio de dia e passava todos os outros momentos me preparando para a prova. Usava o tempo do almoço, da janta e das viagens de ônibus para estudar. Aos finais de semana fazia testes simulados.
O primeiro vestibular foi um baque. Tudo o que não tive de ensino a vida toda precisei aprender em um ano para me preparar para uma prova de um dia. E naquele único dia a pressão bateu, fiquei nervoso, sentia o peso do mundo nas costas. Sou muito alto-astral e nada me estremece, mas a não-aprovação me deixou mal. Sentia que tinha decepcionado minha família. Fiquei uma semana trancado em casa sentindo vergonha de mim mesmo. Eu era a esperança deles e falhei.
Mas, apesar de toda a restrição financeira e desigualdade social, meus pais seguiram me estimulando a correr atrás dos meus sonhos e dar o meu melhor. Retomei os estudos e um ano depois fui aceito no vestibular da Fuvest/USP! Como a primeira pessoa da minha família a ir para a faculdade, minha vida já havia começado a mudar.
Sempre gostei de números e ir para Finanças foi algo natural dentro da faculdade. E logo entendi que a minha educação podia melhorar também a vida de outras pessoas. O acaso me fez perder um livro no refeitório da universidade e um funcionário me ligou para devolvê-lo. Quando conversamos, soube que estava tentando comprar uma casa para sua mãe, mas tinha dificuldade em se organizar financeiramente. De cara me identifiquei com sua história. Junto a outros colegas de faculdade na ideação, planejamento e execução, criamos um projeto chamado Guiar, para ensinar o básico de finanças pessoais para comunidades locais próximas à USP.
O programa incluía 20 participantes, incluindo o funcionário do refeitório: o resultado do curso permitiu a todos melhorarem a gestão de suas economias. Ainda nos dias de hoje o programa existe por lá, é oferecido duas vezes por ano, dando às pessoas a chance de economizar e investir em seus sonhos. Também fui voluntário no PESC - Programa de Extensão de Serviços à Comunidade, ajudando famílias de baixa renda na negociação de suas dívidas.
Pouco antes de me formar, consegui bolsa de estudos para duas experiências acadêmicas fora do Brasil, uma na Vanderbilt University e uma especialização em Finanças e Estratégia na Sciences Po, em Paris (França). Em 2012, quando me formei na faculdade, comecei a trabalhar no mercado financeiro, com estágios no HSBC e depois no Itaú.
Na sequência, trabalhei em empresas lidando com mercado de capitais, fundos de investimento e mais tarde com finanças corporativas. Meu objetivo sempre foi me tornar um profissional completo. Um dos processos seletivos dos quais participei concorri com 10 mil candidatos para duas vagas para a Syngenta (empresa de proteção de cultivos da Suíça), para a qual trabalhei por quase dois anos.
Também fiquei quase dois anos na consultoria Deloitte, onde ajudei a montar a área de estruturação de dívidas desde o início. Todas essas experiências foram uma escola. Além de toda a habilidade técnica, também desenvolvi muito negociação, comunicação, interação com pessoas.
Depois de alguns anos trabalhando na economia real, senti que estava pronto para criar o tipo de impacto que eu sonhava quando criança. Em um país onde mais de oito milhões de pessoas precisam compartilhar casas (assim como eu antigamente) ou enfrentar falta de moradia devido ao déficit habitacional, decidi criar opções de moradia acessíveis para famílias de baixa e média renda, promovendo um modelo de negócios lucrativo.
Fundei a Hectare Capital, uma empresa que financia desenvolvedores que desejam criar casas para esse público. Eu não tinha bola de cristal, mas enxergava um futuro ali: era um nicho de mercado inexplorado e conseguimos captar dinheiro de investidores, que não apenas acreditavam no projeto e na causa, mas acreditavam na equipe que eu montei. Nos dois anos em que atuamos, foram mais de 3 mil residências para 12 mil pessoas. Hoje está sob outra gestão.
Naquela época decidi realizar outro sonho: fazer uma pós-graduação no exterior. Na época eu já tinha fluência no inglês, pois havia estudado na época da faculdade em um curso acessível coordenado pelos próprios alunos. Passar no processo seletivo para o MBA exigiu me ajustar ao estilo de prova em um curto espaço de tempo. Aprovado na Northwestern University, me inscrevi para o financiamento de bolsas do Instituto Ling para ter mais recursos e alcançar os objetivos.
A experiência no MBA é fantástica. Pela primeira vez na vida me dediquei a uma tarefa só, que era estudar. Tive tempo para refletir sobre minha carreira, erros e acertos e pensar no que vinha pela frente. Fui a turma do Covid, então meu primeiro ano foi 100% remoto. Já o segundo ano foi presencial e fantástico. As disciplinas que mais gostava eram as de soft skills. Eu queria me preparar para ser um bom líder, comunicar melhor, gerir crises e conflitos, e a escola me deu ótimos frameworks para utilizar nessas situações.
Esse período me ajudou a refletir sobre as pessoas. Como somos diferentes e não necessariamente existe certo ou errado, e sim maneiras diferentes de chegar no mesmo objetivo. E também vi como é importante ter grupos diversos para trazerem ideias e experiências diferentes para atingir um resultado ainda melhor do que o planejado. Na universidade, fiz parte do BMA - Black Management Association e foi ótimo. Conviver com os americanos negros me fez entender mais as questões sociais dos EUA e percebi que o ambiente social me lembrava meus convívios no Brasil. Um ambiente mais informal, mais alegre, com rede de apoio para qualquer necessidade que eu tivesse.
Depois do MBA explorei algumas oportunidades de search fund no Brasil, mas decidi ficar mais alguns anos nos EUA, trabalhando na Mckinsey & Co desde setembro de 2022. Trabalho em consultoria estratégica, que é basicamente ajudar as empresas a resolver problemas que elas não conseguem resolver sozinhas, seja por restrição de pessoas, tempo ou prioridades internas. Ajudamos as empresas a se preparem para os próximos 5, 10 anos ou mesmo problemas de curto prazo para deixá-las mais eficientes.
Serei pai de primeira viagem no início de 2024, estamos esperando um menino. Eu e minha esposa estamos juntos há 16 anos, desde o primeiro semestre da faculdade. Morar em Miami está sendo ótimo, lembra bastante o Brasil em vários aspectos.
Ainda acredito que há poucos investidores internacionais olhando para o Brasil. Tenho algumas ideias para o futuro nesse sentido. Quero mostrar que o Brasil não é só samba, futebol, feijoada: investir pode trazer dinheiro e ainda ajudar a desenvolver nosso país.”